Motins de policiais ameaçam estado de direito - Editorial
Se não houver firmeza na resposta à crise no Ceará, a indisciplina pode se alastrar para outras regiões
A imagem de um homem com capacete, certamente um policial, atirando contra uma retroescavadeira que era conduzida pelo senador Cid Gomes (PDT) em direção ao portão de um quartel amotinado da PM cearense, em Sobral, demonstra a gravidade da situação a que chegou o relacionamento funcional e hierárquico das forças policiais com o Estado.
Entre os responsáveis pela cultura de indisciplina que vem sendo cultivada na área de segurança pública, principalmente nas Polícias Militares, está o presidente da República, Jair Bolsonaro, cuja carreira política se sustenta na defesa corporativista de militares e policiais. Na tramitação da reforma da Previdência, foi notório o lobby de Bolsonaro para que policiais não perdessem vantagens.
Quartéis da PM e de Bombeiros passaram a ser mobilizados como se fossem bases de sindicatos, mesmo que sejam forças, como as militares, proibidas pela Constituição de fazerem greve. Quarta-feira, dia dos tiros em Sobral, logo os ministros do Supremo, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes, alertaram para a inconstitucionalidade do levante no Ceará.
Este desvirtuamento vem de muito tempo. Inclusive com a articulação nacional dos movimentos. A greve dos bombeiros no Rio, em 2012, ocorreu em meio a um momento de tensão também em outros estados.
Devido à exposição que as lideranças desses motins conseguem, quase sempre algumas delas se lançam na política. Da paralisação de 2012, surgiu o cabo Daciolo, o folclórico candidato a presidente da República pelo Patriota, nas eleições de 2018.
Haveria ainda dez estados em que fermentam reivindicações salariais de políciais. Para tornar tudo mais difícil, o governador de Minas Gerais, um dos três estados com as finanças públicas mais abaladas — Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul são os outros — concedeu um extemporâneo aumento de 41% à área de segurança. Com isso, Romeu Zema jogou no lixo princípios do seu partido, o Novo, atropelou a sensatez e inviabilizou seu mandato. E também estimulou o espírito grevista em quartéis e delegacias no resto do país.
Credite-se esta grave crise também aos políticos que em Casas legislativas regionais e federais aprovam anistias para policiais punidos por greves e levantes. Sedimentam a impunidade e assim incentivam motins cada vez mais perigosos.
Não fazem sentido as tentativas de se responsabilizar Cid Gomes, porque nada justifica amotinados atacarem alguém a tiros, senador ou não.
Bolsonaro ao menos despachou tropas para o Ceará. O essencial é haver o entendimento de que o estado democrático de direito está sob ataque. Neste caso, os Poderes têm de agir de forma articulada em defesa da Constituição, e com rigor. Mesmo sendo o presidente parte da crise.
Números comprovam que carnaval é bom negócio. Só o prefeito não vê – Editorial | O Globo
Governo municipal reduz incentivos para festa que gera empregos e aumenta receitas
O carnaval carioca de 50 dias — a folia foi aberta no dia 12 de janeiro, com a apresentação do Bloco da Favorita, em Copacabana, e só terminará em 1º de março, com o Desfile das Campeãs — projeta números apoteóticos neste 2020. Segundo estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a festa deve injetar R$ 2,68 bilhões na economia fluminense, o que representa um terço do esperado para todo o país (R$ 7,9 bilhões).
O faturamento em seis dias de folia (de sexta-feira à Quarta-Feira de Cinzas) deve superar os de São Paulo, Minas e de todos os estados do Nordeste somados. Calcula-se que nesse período sejam gerados cerca de 8.500 empregos temporários no Rio, o maior número desde 2016.
A indústria hoteleira faz seu carnaval particular. Segundo o Sindicato dos Meios de Hospedagem do município (SindRio), a ocupação dos hotéis de Copacabana, Ipanema e Barra deve se aproximar de 100%. Antes mesmo do feriado, os índices estavam em torno de 80%. Números animadores, considerando que a quantidade de quartos na capital foi ampliada para a Olimpíada de 2016, e havia o temor de que eles ficassem ociosos.
“A recuperação gradual da economia, a inflação baixa e a desvalorização da taxa de câmbio estão estimulando os gastos com turismo no Brasil e, em especial, no Estado do Rio”, diz Fabio Bentes, economista da CNC.
Esses dados positivos contrastam com a pouca importância dada ao carnaval pelo prefeito Marcelo Crivella, que, desde que assumiu, em 2017, reduziu os subsídios para as escolas de samba do Grupo Especial e do Acesso, que desfilam no Sambódromo. Cortou até zerar totalmente este ano. Alegou que elas cobram ingressos e portanto não precisam de ajuda da prefeitura. Prometeu subsidiar as pequenas, que se apresentam gratuitamente na Intendente Magalhães. Em outubro, numa solenidade no Palácio da Cidade, Crivella deu um cheque simbólico de R$ 3 milhões a esses sambistas. Mas o dinheiro só saiu quatro meses depois, às vésperas do carnaval.
E assim o berço do samba vai ficando para trás. Escolas de São Paulo hoje têm mais incentivo que as do Rio. Aliás, nem é preciso ir longe. A Viradouro, que desfila no Grupo Especial do Rio, recebeu R$ 2,5 milhões da prefeitura de Niterói.
Não deve ser coincidência que o carnaval de São Paulo tenha crescido tanto. Infelizmente, Crivella, que não costuma ir aos desfiles no Sambódromo, não percebe que a folia é um grande negócio. Atrai turistas, gera emprego e renda, projeta a cidade dentro e fora do país. Não se trata de gostar ou não. Mas de enxergar o que é melhor para o Rio.
Reformismo frágil – Editorial | O Estado de S. Paulo
O mandato do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), termina no dia 31 de janeiro de 2021. Salvo manobras de última hora para ignorar a Constituição, que impede uma nova recondução de Maia, o deputado fluminense terá de entregar a outro colega a função de comandar a agenda legislativa. Não está claro, a esta altura, se o futuro substituto de Maia será capaz de conduzir o extenso e desgastante programa de reformas – cuja tramitação legislativa é em geral lenta –, sem as quais não será superada a crise que está fazendo o País regredir décadas.
Não se trata aqui, enfatize-se, de defender casuísmos para permitir a continuidade de Rodrigo Maia no cargo, mas de destacar a aparente ausência de quadros políticos competentes para o desafio de tocar as reformas. Pode até ser que o próximo presidente da Câmara se revele à altura dessa tarefa, mas nenhum dos nomes que se cogitaram até aqui inspira otimismo.
Essa dificuldade é reflexo de uma eleição que, malgrado tenha promovido saudável renovação parlamentar, o fez sob o espírito do repúdio à própria política. Ou seja, muitos eleitores escolheram, entre os candidatos, aqueles que prometiam arruinar o establishment político, ao qual se atribuíram todas as desgraças do País. Nessa toada, elegeu-se um número considerável de deputados de primeira viagem sem qualquer vínculo sólido com partidos tradicionais. O exemplo mais gritante disso foi o PSL, partido de aluguel que saltou de 8 para 52 deputados ao servir de veículo para o bolsonarismo – cuja essência é o antagonismo à chamada “velha política”, entendida como essencialmente corrupta.
O problema é que, passada a eleição, os parlamentares precisam fazer política, seja velha ou nova. Todas as grandes demandas da sociedade passam pelo Congresso, razão pela qual os parlamentares são chamados a discutir e votar matérias de amplo alcance, ainda mais no momento em que estão em pauta complexas reformas estruturais. Para isso, muitos deputados precisam ser orientados pelos líderes de seus partidos, que por sua vez atuam conforme o posicionamento do Executivo – seja alinhando-se aos interesses do Palácio do Planalto, seja opondo-se a eles.
Quando Jair Bolsonaro deliberadamente se exclui dessa equação, ou seja, quando sinaliza que não fará qualquer esforço para convencer parlamentares e arregimentar votos para a aprovação de seus projetos – como se nem mesmo o presidente da República acreditasse de fato nas reformas –, os partidos e deputados que poderiam apoiar o governo ficam perdidos e dispersos.
Foi o que se verificou desde o início do mandato de Jair Bolsonaro, há cerca de um ano. Bolsonaro ausentou-se da arena legislativa, criando um exótico presidencialismo sem presidente. Abriu-se então um perigoso vácuo de poder, em que o chefe do Executivo se recusou a usar o peso de seu cargo para influenciar os debates do Congresso, tudo isso num momento decisivo para o País.
Diante da óbvia constatação de que esse distanciamento de Jair Bolsonaro se deu menos em razão de suas convicções ideológicas e mais por sua completa falta de traquejo para governar, o que poderia ocasionar uma grave crise, as lideranças do Congresso urdiram a instalação de um “parlamentarismo branco”.
Graças a uma conjunção fortuita de fatores, coube a um parlamentar comprometido com as reformas, Rodrigo Maia, a tarefa de ocupar o espaço deixado pelo presidente da República e de ser, na prática, o “primeiro-ministro”. Foi essa circunstância que deu à atual legislatura sua feição “reformista”. Nada garante que o próximo presidente da Câmara terá a mesma desenvoltura ou, principalmente, a mesma firmeza na articulação do apoio às reformas.
A única certeza é que o presidente Jair Bolsonaro continuará olímpico em relação às reformas, pois sua preocupação, desde sempre, é evitar o desgaste político para manter sua popularidade com vista à reeleição em 2022. E não há nada mais desgastante do que mexer com impostos, retirar privilégios de funcionários públicos e alterar a estrutura do Estado para fazê-lo caber no orçamento.
Menos autoritarismo, mais autoridade – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Brasil tem taxas notoriamente aberrantes de violência que não se explicam por simples fatores econômicos. Basta comparar os índices de países em condições socioeconômicas similares às do Brasil. Na raiz do mal está uma crise de autoridade que atravessa todas as esferas da organização social, da família aos Poderes da República. Quando falta a justa medida da autoridade os seus opostos – a licenciosidade e o autoritarismo – se retroalimentam num círculo vicioso. Um incidente na Escola Estadual paulistana Emygdio de Barros ilustra com dolorosa exatidão esta degradação da autoridade.
No dia 18 a polícia foi acionada por uma diretora de escola que tentava expulsar da sala de aula dois estudantes. Os vídeos gravados por alunos mostram quatro policiais agredindo os dois adolescentes. Em dado momento, um dos policiais saca uma pistola e aponta para os estudantes, que em seguida são agredidos com socos, rasteiras e mata-leão, violenta técnica de imobilização por estrangulamento. Trata-se de uma sucessão de erros do começo ao fim.
Em primeiro lugar, a escola tem apenas dois bedéis. Pelas regras da Secretaria da Educação deveria ter pelo menos 11. São eles os primeiros responsáveis por atuar em casos assim. Pela lei, cada escola deveria contar com pelo menos um mediador de conflitos, mas somente parte da rede estadual conta com estes profissionais. Ainda assim, não se justificava chamar a polícia. A própria diretora afirmou que um dos alunos agredidos fora desligado pela manhã em razão da falta de frequência, e à noite “adentrou no estabelecimento e se recusou a sair em companhia de outro menor”. Não havia portanto violência real ou iminente que justificasse a intervenção policial.
Os policiais registraram a ocorrência como desacato, resistência, lesão corporal e ameaça. Mas os vídeos evidenciam o uso desproporcional da força por parte dos policiais. Um dos alunos é agredido com socos enquanto outro policial, por trás, lhe passa uma rasteira. Caído, ele é chutado. “Quando as imagens chegaram, verificou-se que a abordagem fugiu aos procedimentos padrões ensinados nas escolas de formação”, disse a Corregedoria da Polícia Militar (PM) em nota.
Segundo o advogado Ariel de Castro, a escola errou ao acionar a polícia. “Policiais militares devem fazer rondas nas imediações da escola. Eles não são preparados para serem confrontados em discussões e poucos deles têm preparo para mediações de conflitos. São treinados para atacar quem discute ou diverge deles.” Para Castro, a agressão de jovens já imobilizados pode configurar tortura. De resto, “num local de aglomeração de adolescentes, não é aceitável o uso de armas de fogo. Poderia gerar uma tragédia, por exemplo, se os jovens tentassem retirar a arma do policial e ele atirasse contra os alunos. A própria PM não permite a entrada de policiais armados dentro de unidades da Fundação Casa, muito mais inadequado é entrarem em escolas”.
Felizmente, as autoridades agiram rápido. Antes mesmo de uma determinação administrativa, a diretora pediu exoneração do cargo. A corporação afastou os quatro PMs e a Corregedoria iniciou um procedimento administrativo. A Polícia Civil também abriu inquérito.
O incidente revela a importância de combater a cultura do autoritarismo por meio do culto à genuína autoridade. Quando ela se impõe, a coerção física é desnecessária. É o que, aliás, sugere a raiz etimológica do latim auctoritas (“conselho, opinião, influência, comando”), derivada de auctor (“mestre, líder”). “Autoridade e poder são duas coisas diferentes” – disse o filósofo Jacques Maritain em seu livro O Homem e o Estado. “O poder é a força pela qual você pode obrigar os outros a lhe obedecer. A autoridade é o direito de dirigir e comandar, de ser ouvido ou obedecido pelos outros.” Eis uma lição a ser mais bem aprendida no Brasil. “A autoridade”, conclui o filósofo, “exige o poder. O poder sem autoridade é tirania.”
Mais dinheiro para emprestar – Editorial | O Estado de S. Paulo
Os bancos terão mais R$ 135 bilhões disponíveis, a partir de março, e pelo menos parte desse dinheiro poderá financiar a produção, o comércio e o consumo das famílias. Será mais um impulso ao crescimento econômico e à criação de empregos. Se isso ocorrer, será um excelente efeito indireto de duas medidas tomadas pelo Banco Central (BC) para tornar mais eficiente o sistema financeiro. São providências comparáveis a uma troca de encanamento, segundo o diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra. As ações de estímulo têm consistido em cortes da taxa básica de juros. No dia 4 de fevereiro essa taxa foi baixada de 4,50% para 4,25%, a mais baixa da série histórica. Mas as duas providências poderão resultar em mais dinheiro para empréstimos. Será “natural”, segundo Serra, a destinação de parte daquele valor a operações de crédito.
A primeira medida vai liberar R$ 49 bilhões por meio da redução do recolhimento compulsório sobre depósitos a prazo. A alíquota passará de 31% para 25%. A segunda deixará disponíveis mais R$ 86 bilhões. A mudança, nesse caso, ocorrerá na composição de recursos considerados no Indicador de Liquidez de Curto Prazo (LCR, na sigla original, em inglês). Os bancos devem manter uma reserva mínima de ativos líquidos para absorver choques em momentos de crise. Essa necessidade ficou muito clara, por exemplo, no desastre financeiro global de 2008.
A criação de padrões mais severos de segurança foi uma das consequências da crise. Esses padrões, fixados em Basileia pelo Banco de Compensações Internacionais, conhecido como banco central dos bancos centrais, têm sido implantados de forma gradual.
A função mais visível e mais comentada dos bancos centrais, incluído o brasileiro, continua sendo a gestão da moeda. Quando se acumulam pressões inflacionárias e os preços em alta ameaçam o bem-estar das famílias e o bom andamento dos negócios, aperta-se a política monetária. Há alguns anos a elevação dos juros é a ferramenta principal desse trabalho. Quando a economia se enfraquece, a redução de juros é normalmente o medicamento mais forte. Em alguns casos, o banco central ainda joga dinheiro no mercado, por meio, por exemplo, da compra de títulos públicos em circulação.
Mas também é função dos bancos centrais cuidar do sistema financeiro. Essa responsabilidade varia de um país para outro. Inclui, normalmente, a criação de regras para disciplinar a operação dos bancos e de outras instituições financeiras, promovendo a segurança do sistema e protegendo os depositantes, aplicadores e tomadores de financiamento. A regulação pode também ser voltada para a eficiência, favorecendo a competição, a ampliação e o bom funcionamento dos canais de financiamento.
No Brasil, boa parte das ações do BC tem sido voltada para esses objetivos de eficiência e segurança. O estímulo à operação das fintechs, por exemplo, tem sido um meio de ampliar as operações financeiras e reduzir o seu custo. A redução gradual do recolhimento compulsório, um processo ainda em curso, também é parte dessa política. Um dos grandes desafios da política monetária tem sido estender a redução de juros até as operações comuns de financiamento a empresas e famílias. As taxas têm caído nessa ponta, mas em proporção bem inferior à da redução da taxa básica.
As duas novas medidas são destinadas basicamente a esses ganhos de eficiência. Assemelham-se, portanto, a inovações como a do sistema de pagamento instantâneo, capaz de reduzir a poucos segundos o tempo de transferência de recursos entre dois bancos.
Não há, portanto, no caso das novas medidas, um vínculo direto com a economia fraca. Mas a liberação de R$ 135 bilhões pode ocasionar, como subproduto, um aumento do crédito. Muito mais que o Ministério da Economia, o BC continua sendo a principal fonte de estímulo à atividade, mesmo quando age sem mirar diretamente esse alvo.
Entulho monetário – Editorial | Folha de S. Paulo
BC reduz recolhimento de recursos bancários, o que pode facilitar o crédito
Como parte de sua agenda de modernização do sistema financeiro, o Banco Central decidiu reduzir os montantes de depósitos compulsórios —a parcela dos recursos de clientes que os bancos precisam recolher à autoridade monetária.
A decisão vai liberar R$ 135 bilhões, e o aumento da liquidez disponível pode ter, ao menos em tese, impacto positivo sobre a oferta de crédito no sistema bancário.
Os compulsórios incidem sobre uma variedade de depósitos (à vista, a prazo e de poupança) e têm função prudencial. Servem para regular a oferta de moeda e garantir que o sistema disponha de reservas suficientes, em especial para os momentos de crise.
O Brasil está entre os países com maior nível de recolhimento, contabilizando R$ 450 bilhões em janeiro, equivalentes a cerca de 6% do Produto Interno Bruto. Na maior parte dos países desenvolvidos o montante é praticamente nulo, e a segurança sistêmica se baseia em outros mecanismos.
É nessa direção que o Banco Central se move gradualmente. A decisão incluiu o corte de 31% para 25% nas obrigações incidentes sobre depósitos a prazo e o aumento do peso desses depósitos no cálculo do chamado Indicador de Liquidez de Curto Prazo, colchão exigido para atender necessidades em momentos adversos.
A mudança, a princípio, facilita a expansão de crédito, o que é desejável no contexto atual de letargia econômica. Embora as concessões para pessoas físicas e empresas venham crescendo com algum vigor desde o ano passado, os custos ainda são elevados, em parte por causa dos compulsórios.
Com a remoção desse entulho monetário, a distribuição de recursos no sistema também pode ser facilitada, com maior fluidez para bancos médios e pequenos.
Entretanto o efeito na atividade econômica se mostra mais incerto que o dos juros. Afinal, o aumento da liquidez atua apenas sobre o canal do crédito, enquanto a taxa Selic influencia outros vetores, como a disposição a investir das empresas, a propensão ao consumo das famílias e o perfil de risco das aplicações financeiras.
Nesse sentido, o BC salientou que a decisão se insere no contexto prudencial e não guarda relação com a política monetária. A preocupação evidente é não levar o mercado a concluir que a ampliação do nível de liquidez possa reduzir a necessidade de juros baixos.
Na verdade, é bom que se atue nas duas frentes. Mesmo com a Selic no menor patamar da história, a atividade ainda patina. Há ampla ociosidade nas fábricas e no mercado de trabalho, ao passo que a inflação continua sob controle.
Dada a frustração com os indicadores mais recentes, da indústria ao varejo, a economia precisa de incentivos. Não se pode descartar que o BC venha a adotar juros ainda mais baixos, ao mesmo tempo em que atua diretamente para facilitar a expansão do crédito.
Além do abrigo – Editorial | Folha de S. Paulo
Brasil deve dar preferência ao acolhimento familiar de crianças, previsto em lei
O melhor lugar para a criança, por óbvio, é em uma família, na qual receba cuidados, afeto e estímulos. Assim o indica, inclusive, a Constituição, ao afirmar o direito à convivência familiar e comunitária.
Há muito a ciência comprova que os menores precisam de mais do que simplesmente ter suas necessidades básicas, como alimentação e higiene, atendidas.
A falta de vínculo pessoal, brincadeiras e conversas têm impacto no desenvolvimento do cérebro infantil, podendo gerar atrasos cognitivos e emocionais permanentes.
Quando, por alguma razão, crianças são separadas da família biológica, a evidência científica aponta que a melhor opção é que sejam acolhidas por outras famílias temporariamente —e não que fiquem em abrigos, como acontece com 96% dos mais de 35 mil menores brasileiros sob tutela do Estado.
Além da Constituição, outra lei nacional estabelece que encaminhar as crianças a núcleos familiares se mostra preferível: o Estatuto da Criança e do Adolescente, desde uma alteração feita em 2009.
No entanto o Brasil ainda não criou um sistema para que essas famílias acolhedoras estejam prontas —treinadas e certificadas— a receber os meninos e meninas que delas necessitem, como acontece em países como EUA, Espanha, Austrália, Reino Unido e Irlanda.
Há sinais de que o tema começa a gerar interesse e de que integrantes do sistema judicial responsável pelas crianças passaram a ver os lares como uma opção mais vantajosa que os abrigos.
Na cidade de São Paulo, a prefeitura recentemente assinou convênios com três organizações que recrutam e preparam famílias para realizar o acolhimento. Os municípios de Cascavel (PR) e Campinas (SP) já são considerados referências nesse tipo de trabalho.
São bons sinais, mas cumpre fazer muito mais para tirar as crianças dos estabelecimentos impessoais. É evidente que os lares temporários não constituem solução para tudo: problemas como maus-tratos podem acontecer também neles, daí a necessidade de avaliação e supervisão constantes.
O objetivo deve ser reunir o menor com sua família biológica ou, na impossibilidade de que isso ocorra, que haja adoção definitiva.
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