- Folha de S. Paulo
Enquanto os adultos trabalham, Bolsonaro se desespera
Ainda não está claro qual o caminho institucional que pode remover a ameaça à saúde pública e institucional da cadeira presidencial. Para impeachment, a popularidade ainda é alta. Para renúncia, é preciso convencê-lo antes. O que não se discute é que, sob qualquer aspecto, o general Mourão seria um líder superior a Bolsonaro para mobilizar os esforços de combate ao coronavírus.
Bolsonaro adoraria fazer como seu modelo inspirador da Hungria, Viktor Orbán, e usar a epidemia para conquistar poderes ditatoriais. Mas quem o apoiaria nessa tomada do poder? Congresso e Forças Armadas jamais aceitarão um autogolpe.
Bolsonaro ataca as instituições sem cessar, mas elas se mantêm firmes e tornam seus ataques impotentes. A imprensa segue noticiando os desmandos do presidente. O Congresso altera a seu bel-prazer os projetos que chegam do governo. O STF barra medidas com potencialidades autoritárias, como a mudança na Lei de Acesso à Informação.
Por todos os lados, Bolsonaro encontra obstáculos. Está acuado. Seu único trunfo restante é a tal “vontade do povo”, cada vez mais restrita a uma parcela fanática do eleitorado.
Vocifera o quanto quer, mas sabe que, se pisar fora da linha, está fora. O que não está 100% claro é onde está a linha. Numa possível demissão do ministro Mandetta? Na revelação de que Bolsonaro recebeu exame positivo para o vírus e mentira sobre o resultado, possibilidade que o vice Mourão definiu como “o pior dos mundos”?
É trágico que o Brasil tenha chegado a isso. Em tese, nada há no bolsonarismo que implique necessariamente o negacionismo do coronavírus. A linha poderia facilmente ser: “o vírus é sério, mas felizmente temos Bolsonaro, o melhor presidente da História, que nomeou um corpo técnico de ministros, entre eles Mandetta, para liderar os esforços contra a ameaça”. A necessidade de polarizar e criar inimigos, no entanto, falou mais alto.
Toda e qualquer mostra de competência técnica —que necessariamente ofusca o presidente— é punida. Mandetta passou rapidamente de herói do governo a adversário interno. Num ato de patriotismo, o ministro engole a seco todas as vezes que Bolsonaro o desautoriza, ignora as falas e ações do presidente e tenta, na medida do possível, tomar as medidas corretas.
Uma epidemia é o momento de um presidente unir o povo ao redor de si; Bolsonaro só consegue dividir, e com eficácia cada vez menor. Vejo apoiadores ora fanáticos agora moderarem sua devoção ao presidente.
E outros, antes moderados, agora críticos. O esforço de governadores —Doria, Leite, Dino, Witzel— que colocam a saúde do povo antes dos aplausos momentâneos vai render frutos.
Bolsonaro sempre foi um líder fraco. Que outros poderes cresceriam para tomar seu lugar já era previsto. Mas o que observamos vai além disso: Congresso e governadores não apenas crescem em cima da fraqueza presidencial como, reagindo aos ataques do presidente, também melhoram.
O Congresso não só potencializou as propostas do governo para a epidemia como também é protagonista das reformas econômicas e do debate sobre educação. Os governadores, por sua vez, contrariam a irresponsabilidade presidencial e têm, nisso, o apoio do ministro da Saúde. Os adultos estão trabalhando. Bolsonaro, desesperado, se isola. Cair ou ficar, é o de menos; já é uma horrorosa peça de decoração.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário