- O Globo
Brasil sofre choques do coronavírus, da queda abrupta do petróleo e também sente a crise entre poderes criada pelo presidente
O dia de ontem marca bem essa era dos fatos inesperados em que vivemos. O cenário externo que já era grave piorou muito. A decisão da Arábia Saudita de aumentar a produção e reduzir os preços do petróleo provocou uma hecatombe em todos os mercados. No Brasil, começava mais uma semana de conflito entre governo e Congresso. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, avaliou que a crise pega o país “desorganizado” e alertou: “não podemos transferir nossas mazelas para a crise internacional”. O Ibovespa perdeu 12,1% no dia. Depois do fim do pregão a Itália restringiu a circulação de pessoas em todo o país, que é a oitava maior economia do mundo.
Era para ser mais uma semana tensa por razões nacionais, depois que o presidente Jair Bolsonaro convocou para a manifestação e provocou: “político que tem medo da rua não serve para ser político”. Em entrevista que me concedeu ontem na “GloboNews”, Rodrigo Maia não quis responder a essa declaração.
— Não posso ser comentarista da frase do presidente. Temos problemas mais graves, como um milhão e quinhentas mil crianças que abandonam as escolas. Por isso fomos eleitos. Temos que discutir o Fundeb, o combate à pobreza e à desigualdade.
Então a situação é essa. O país tem muito a fazer no médio e longo prazo, mas os atritos gerados pelo governo nos levam para uma pauta diversionista. Neste momento, três fios desencapados se encontraram. O coronavírus está parando a economia internacional. No Brasil, a tensão institucional se agravou com a convocação feita pelo presidente no fim de semana. E houve a queda abrupta dos preços do petróleo, desorganizando toda a economia mundial.
A decisão do ditador da Arábia Saudita, o príncipe Mohammad bin Salman, serve para mostrar seu poder sobre a economia internacional, é um ato de exibicionismo de quem acabara de mandar prender um tio e um primo em mais uma guerra interna na família real. Mas também fere a própria economia saudita e isso ficou claro na queda das ações da Saudi Aramco. A Arábia Saudita tem um petróleo barato, de baixo custo de extração, mas ao mesmo tempo o país se tornou dependente dos lucros do petróleo para manter o governo totalitário.
A decisão de MBS, como o príncipe ditador é conhecido, jogou sobre o mundo uma sucessão infindável de efeitos em cascata. No Brasil, se isso se mantiver, abre-se um rombo no orçamento. Parte dele prevê renda com leilões de concessão, que se tornam incertos. Governo federal e estados perderão receita se a queda for repassada — e terá que ser — para os preços finais.
Se os preços ficarem baixos por muito tempo, o shale (gás e óleo) dos EUA pode entrar em crise. E como as empresas dessa área operam muito alavancadas, isso se reflete nos bancos americanos. Alias, aqui a queda generalizada de valor das ações ontem levou as preocupações para os bancos, que tiveram fortes recuos. A Petrobras caiu 29,7%, o Bradesco perdeu 9,8%. O coronavírus afeta o varejo, as empresas aéreas, as de eventos, as que fornecem commodities à China. Por isso houve quedas ontem de 17% da Viavarejo, de 23,9% da Marfrig e de 25% da CSN.
Há duas crises internacionais graves. A do petróleo pode se reverter com o entendimento entre os produtores, Rússia e Arábia Saudita principalmente, sobre como reequilibrar o mercado. Mas há também uma crise interna. O país não cresceu no ano passado, a não ser míseros 1,1%, e o governo Bolsonaro está sempre jogando lenha no conflitos institucionais.
Nesse contexto entrevistei Rodrigo Maia sobre qual pode ser a resposta brasileira às crises. Ele refuta que o Congresso esteja atrasando a aprovação de reformas, e responde: “que reformas? Não posso aprovar o que não existe”. Mesmo assim garante que a tributária será aprovada este ano. Mas acha que é preciso olhar mais profundamente a estagnação brasileira.
— Por que a economia brasileira não cresce? Porque os investidores não retomaram a confiança no país.
Ele critica a forma como Bolsonaro se relaciona com a imprensa e os políticos.
— Ele tem uma forma que respeita pouco a liturgia do cargo e gera conflitos. E esses conflitos vão além do que deveria, gerando insegurança nos investidores.
Durante o fim de semana, quando o petróleo estava caindo 30%, Maia fez pelo Twitter um pedido de entendimento entre os poderes. Ontem, na entrevista, voltou a falar que os poderes “devem conversar para achar uma solução”. Mesmo que o problema do petróleo se resolva, o que fica é um recado: esse é um mundo cheio de imprevistos.
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