Enquanto Monica de Bolle defende revisão de teto de gastos contra crise, Zeina Latif diz que políticas de estímulo seriam um equívoco
Eduardo Cucolo – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - A estratégia do Ministério da Economia de manter restrições a investimentos públicos e apostar nas reformas econômicas neste momento de desaceleração econômica mundial divide os economistas do setor privado.
Para a economista Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, há chances de uma contração econômica no Brasil neste ano, e o governo precisa deixar a agenda de reformas em segundo plano e priorizar uma agenda de resposta à crise.
"A agenda de reformas continua sendo tão importante quanto antes. Ela só deixa de ser prioritária. Precisa haver agora um pensamento diferente: como evitar que a economia brasileira tenha uma recessão neste ano", afirma.
"O governo precisa ter uma agenda de resposta à crise, coisa que não tem, na qual o principal foco do gasto público é o investimento, principalmente em infraestrutura. O ministro Paulo Guedes não queria investimento em infraestrutura? É hora de fazer", Monica De Bolle, economista
De Bolle defende a revisão da regra do teto de gastos, que tem limitado principalmente os investimentos do setor público.
Diz ainda que o Brasil fez uma redução expressiva da taxa de juros, que está próxima de zero em termos reais (descontada a inflação), o que permite ao governo aumentar gastos que impulsionem o crescimento econômico. "Com a taxa de juros real baixa, a gente ganhou um espaço na dívida pública que não tinha. Em momentos de crise, esse espaço é para ser usado."
A economista Zeina Latif, por outro lado, diz que seria um equívoco adotar políticas tradicionais de estímulo econômico, o que pode piorar a confiança no país, além de ter pouco efeito na recuperação da atividade. "Digamos que a gente tenha de tomar medidas mais sérias do lado da saúde. Se você não for responsável agora, quando realmente precisar desses recursos, corre o risco de não ter", afirma.
"Significaria rasgar o esforço fiscal e ainda comprometer recursos que podem ser necessários se essa epidemia atingir uma escala que a gente não está imaginando", Zeina Latif, economista
Ela afirma, no entanto, que os ruídos na relação entre Congresso e governo e as falas do ministro Guedes têm contribuído para a piora na percepção sobre o Brasil. "É um momento de seriedade, de mostrar harmonia entre Poderes. As falas do governo estão trazendo mais incertezas."
A professora de economia do Coppead/UFRJ, Margarida Gutierrez, também avalia que o importante neste momento é ganhar a confiança dos agentes econômicos, reduzir os ruídos políticos e aprovar reformas.
"Usar política fiscal, nem pensar. Isso poderia soar como se estivesse abandonando a estratégia de redução do desequilíbrio fiscal e vai ter um aumento mínimo de demanda, porque o investimento leva tempo para maturar."
O colunista da Folha e ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa defende uma reforma do teto de gastos, o que inclui um limite diferenciado para os investimentos. Ele lembra que o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Central Europeu recomendaram uso de política fiscal para combater a crise, o que inclui reforço da rede pública de proteção social e saúde.
Nesse sentido, ele afirma que a legislação permite a abertura de crédito extraordinário para reforçar o sistema público de saúde no Brasil, sem descumprir o teto de gastos.
De acordo com o ex-ministro, com os juros reais próximos de zero, o custo de financiamento do governo é baixo e um aumento no endividamento no curto prazo é compensado posteriormente pelo crescimento da economia gerado por investimentos.
Barbosa afirma que o investimento estatal hoje não é suficiente nem para manter a infraestrutura já construída. Diz ainda que é possível ter serenidade, como disse o ministro da Economia, mas ao mesmo tempo e tomar medidas para estabilizar a economia diante de um choque que pode ter efeitos próximos do verificado na crise de 2008/2009.
"Tem gente acha que porque o choque é externo, a política econômica não tem de fazer nada. Pelo contrário, a política econômica tem de compensar isso. Política econômica não é só reformas de longo prazo. É estabilização de curto prazo também", afirma.
José Ronaldo Souza Júnior, diretor do Ipea e professor do Ibmec-Rio afirma que o governo pode tentar aumentar os investimentos, mas por meio de concessões e atração de investimentos privados, sem elevar os gastos públicos.
Ele afirma não trabalhar com a possibilidade de que o coronavírus gere uma crise financeira no Brasil, com problemas para o sistema bancário ou para grandes empresas por conta de endividamento.
"Não tem nada de tão urgente para lidar. É um impacto por conta de piora de expectativas e do cenário internacional. A melhor forma de combater isso é melhorar as expectativas para o país. Essa crise aguda vai atenuar nos próximos meses", José Ronaldo Souza Júnior, diretor do Ipea e professor do Ibmec-Rio
"Se aproveitar isso para acelerar as reformas, atrair capital para infraestrutura, quando a retomada vier, ela será mais rápida. Se mudar a política fiscal, vai agravar a situação. Esse caminho não resolve."
Marcos Lisboa, presidente do Insper e colunista da Folha, afirma que é preciso adotar medidas emergenciais e estruturais. "Primeiro o país precisa se organizar e os Poderes pararem com disputas para enfrentar um problema que é grave. Na questão do Orçamento, é preciso lançar mão de recursos extraordinários para o poder público dar conta das necessidades da saúde da população", afirmou.
Ele defendeu também utilizar a Cide, que é uma contribuição que incide sobre gasolina e diesel, para estabilizar a flutuação dos preços dos combustíveis e disse que os estados podem ter problema de arrecadação. Disse ainda ser importante a aprovação da PEC Emergencial.
"No quesito estrutural, é preciso resolver os problemas que impedem o país de crescer, como a reforma tributária. Outra agenda que não foi para frente é a abertura comercial. E, por fim, a agenda de concessões e investimentos em infraestrutura."
O professor Eduardo Correia, do Insper, diz que a saída normal para uma crise como a atual é expandir o crédito com participação do Estado, como fizeram Brasil e EUA em 2008/2009, o que contraria a filosofia do governo atual.
“A resposta dele [Paulo Guedes] é que precisa de mais reformas, é apostar em uma política de austeridade. O Brasil estava fazendo uma coisa importante, que é um ajuste fiscal, mas era em outro contexto internacional. Política de austeridade em momento de crise não funciona.”
O professor Rodrigo De Losso, da FEA-USP, diz que o governo pode acelerar concessões e privatizações, mas que deve continuar reduzindo gastos para aumentar a confiança dos investidores.
“Aumentar gastos é o caminho certo para piorar a situação. Contas públicas ajustadas sinalizam coisas boas, e as pessoas ficam confiantes em manter o capital aqui e, eventualmente, trazer recursos", professor Rodrigo De Losso, da FEA-USP
Colaborou Bruna Narcizo
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