- Valor Econômico
Duas coisas afligem os brasileiros preocupados com economia no momento, o crescimento anêmico da atividade e o avanço da desigualdade no país
A dramática crise global criada pelo coronavírus, que levou pânico ontem aos mercados, aumenta a preocupação brasileira com dois problemas: o crescimento anêmico da atividade e o avanço da desigualdade.
Ambos os problemas são “irmãos” e naturalmente afligem também o presidente Jair Bolsonaro, em especial agora que a crise ameaça sufocar a economia mundial e, por tabela, a brasileira. Embora seja bastante cuidadoso ao comentar em público o desempenho de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente parou de chamá-lo com a frequência de antes de Posto Ipiranga, ou seja, a entidade com solução para tudo.
O Posto Ipiranga foi mal ao chamar servidores de “parasitas” e ao estranhar viagens de empregadas domésticas à Disney. Na semana passada, também tropeçou ao dizer que, “se fizer besteira”, o dólar pode ir a R$ 5.
Mas esse tipo de declaração não preocupa tanto Bolsonaro. Em ano eleitoral, sabe-se que começou a incomodá-lo mais o fato de Paulo Guedes não demonstrar apego a medidas para atenuar o arrocho fiscal e dar oxigênio à economia. O circo está pegando fogo e ele se recusa a chamar os bombeiros. Mantém o discurso único das reformas. Aflige o presidente a perspectiva de não poder oferecer pelo menos 2% de crescimento em seu segundo ano de governo, objetivo medíocre, mas que agora parece inatingível.
No momento em que a economia pede socorro, é oportuno lembrar da fábula do sapo e do escorpião. Depois de uma longa conversa, o sapo concordou em carregar o escorpião para travessar o rio. O escorpião prometeu não picá-lo durante o trajeto com o argumento de que isso mataria os dois. Mas no meio do caminho o sapo sentiu uma picada forte nas costas e perguntou: “Vamos morrer os dois. Por que você fez isso?”. E o escorpião respondeu: “Porque essa é a minha natureza e eu não posso mudá-la”.
É da natureza da atual equipe econômica fazer a política que está fazendo: cuidar das contas públicas e deixar que o mercado faça o resto do trabalho. Não se pode esperar dela, por exemplo, o lançamento de um pacote de medidas que promovam desenvolvimento e distribuição da renda. Isso não é da natureza dela. Nem em crises dramáticas como a de agora.
Se Bolsonaro tivesse mais informação, saberia de antemão: por formação e ideologia, essa equipe jamais adotará muitas medidas desse tipo. Liberais convictos, esses economistas creem que, equilibradas as contas públicas e retomada a confiança dos meios empresariais, o próprio mercado se encarregará de colocar o país no rumo do crescimento econômico. Por isso fizeram a reforma da Previdência, brigam por outras reformas e aparentemente não se lembram de que a pasta da Economia incorporou a do Planejamento.
Muita gente acredita que a estratégia vai dar resultado. Pode ser. O problema é saber em que prazo a reação da economia se dará e se os milhões de desempregados terão paciência para esperar por esse dia. Mais do que isso, se o presidente, estressado com a crise do covid-19, terá paciência política para esperar.
Até agora, a maior parte dos esforços para tentar aumentar o ritmo de crescimento da produção e consequentemente do emprego vem do Banco Central. O BC fez uma persistente e surpreendente redução da taxa básica de juros, que hoje está em 4,25% ao ano, e tem procurado irrigar o mercado com crédito. Roberto Campos Neto, o presidente do BC, já está sendo olhado com estranheza pelos bancos por causa de suas medidas que forçam o sistema financeiro a reduzir juros.
Falta, porém, investimento público. Por viés ideológico, o BNDES foi desidratado - precisa de reidratação urgente. Abandonou seu papel de financiador preponderante de projetos de longo prazo em meio a uma ingênua expectativa de que os bancos privados assumiriam essa função.
Com a economia global em chamas, há hoje quase um consenso entre observadores: o governo precisa gastar para evitar um colapso econômico. É assim que age qualquer governo quando a recessão se aproxima. Um bom caminho seria o lançamento e financiamento de obras de infraestrutura que o país tanto precisa. Com uma só cajadada, seria possível matar dois coelhos. E nenhum sapo.
Cacareco
Os brasileiros mais velhos devem se lembrar. Em setembro de 1958, um rinoceronte chamado Cacareco veio do Rio para o zoológico de São Paulo. Logo o animal, enorme, caiu no gosto dos paulistanos e virou uma espécie de celebridade na cidade.
Com a fama do rinoceronte, os cariocas passaram a tentar “repatriar” o Cacareco a qualquer custo e essa disputa interestadual virou tema de discussão nacional.
O bicho ficou em São Paulo e, como se aproximava a eleição municipal, alguém teve a ideia de lançar a candidatura do Cacareco para vereador. Descrentes da classe política, os paulistanos votaram em massa no animal, que foi “eleito” vereador com mais de 100 mil votos. Sozinho, o Cacareco conseguiu uma votação maior que a do partido mais importante da época na cidade, o PSP de Ademar de Barros.
Aquilo foi uma eleição de deboche, fruto da descrença dos eleitores da época com as instituição políticas.
Cacarecos, porém, não são solução para problemas políticos. O que se pretende com a manifestação prevista para 15 de março é algo parecido com o que se fez, sem redes sociais, com o Cacareco 60 anos atrás. O deboche não resolveu os problemas de São Paulo.
Esculhambar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, como se pretende no protesto, é um caminho perigoso, principalmente no momento em que o país mais precisa de coalizão política para enfrentar uma megacrise global. “Em tempos de crise dos políticos, com denúncias e descrédito geral, a tentação de reduzir o espaço da política torna-se sedutora”, observou o professor Fernando Luiz Abrucio, em artigo há mais de três anos, no Valor. É a pecha que se está tentando colocar agora no Congresso. O presidente da República não tem partido, não dialoga com políticos, não entrega o crescimento prometido da economia e do emprego e tenta buscar sua sustentação no ruído das ruas. Trata-se de uma temerária incitação ao confronto e de uma antipolítica que pode ser desastrosa.
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