- Folha de S. Paulo
Passada essa turbulência global, vamos acelerar o passo de recuperação?
Já são três anos da agenda de reformas no governo federal, que se tornou um mantra da equipe econômica. Como fazer para crescer? Reformas. Como atrair investimentos? Reformas. Como reagir ao coronavírus? Reformas. O crescimento, contudo, ainda é pífio.
Coronavírus e petróleo atrapalham, mas nada nos dizem sobre o acerto ou erro do caminho atual. A grande pergunta que se coloca é: passada essa turbulência global (supondo, portanto, que o “normal” ainda voltará a existir), vamos finalmente acelerar o passo da recuperação?
Os resultados fracos não refutam, mas dão aos adversários das reformas uma clara vantagem retórica que tem de ser respondida. O crescimento prometido (e foi prometido, sim, inclusive pelo governo atual) ainda não veio. O que está dando errado?
A primeira resposta é a triunfalista: nada está errado, apenas tivemos azar com contratempos globais temporários. Se nos mantivermos firmes na agenda, voltaremos à aceleração prevista no início do ano. É o voto de confiança que Guedes parece ter recebido de Bolsonaro. Se passar do prazo de validade, pode levar à reação contrária. Alternativas não faltam. Militares, Fiesp, MDB —todos estão se aproximando do presidente e têm planos que fogem à estrita ortodoxia de Guedes. O canto da sereia vai se tornando mais sedutor.
A segunda é a resignada: de fato, a agenda de reformas, embora fundamental para o crescimento de longo prazo, não o trará para já. Seria bom poder estimular a demanda, mas infelizmente a situação fiscal do país não permite. Precisamos ter paciência e fazer a lição de casa. Talvez o timing da retomada nem sequer bata com o da política, e os frutos só sejam colhidos no próximo mandato. Estaria o governo preparado para assumir isso?
A terceira é a flexível: a agenda de reformas é fundamental, mas é possível conciliá-la a estímulos anticíclicos que não comprometam a credibilidade do ajuste fiscal. O juro baixo é um convite ao investimento público. O equilíbrio é delicado, mas se feito na medida certa pode trazer a melhora desde já sem sacrificar o futuro. O risco aqui é que interesses vários venham exigir seu quinhão e, uma vez aberta a torneira, seja impossível fechá-la.
Outra pergunta é: o problema está na agenda em si ou na maneira como vem sendo conduzida? Enquanto escrevo, os mercados mundiais derretem e Bolsonaro surge com a declaração bombástica de que tem provas de que as urnas que o elegeram foram fraudadas para impedir sua vitória no primeiro turno.
O governo reage a más notícias econômicas com palhaçada e desinformação, não elenca prioridades claras para as reformas e nem sequer envia projetos para tributária e administrativa, abandona pautas outrora tidas por essenciais como a abertura econômica, tem já péssima interlocução com o Congresso e ainda promove atos contra ele, que é atualmente o protagonista no desenho e votação das reformas. Seja qual for a agenda, se conduzida dessa forma, tem alguma chance de dar certo? Talvez as pessoas importem tanto quanto as ideias...
Em tempos de incerteza, o jornalismo econômico ganha importância. Rigor no uso de conceitos e números, clareza na expressão, virtudes que marcaram a carreira de Celso Pinto, morto na terça passada (3). Deixa como legado o jornal Valor Econômico e o aprendizado de quem com ele trabalhou, sem falar na inspiração de novas gerações. Fica aqui minha homenagem.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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