Enquanto o pânico varria os mercados, com as bolsas desabando, o preço do petróleo despencando e o dólar disparando em todo o mundo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, insistia, ontem de manhã, em ostentar tranquilidade e quase indiferença em relação aos desafios econômicos associados ao coronavírus. Reformas estruturantes são a melhor resposta à crise, disse o ministro, como se os estragos – já iniciados ou já captados no radar – fossem adiáveis até a aprovação e sanção de projetos ainda nem mandados ao Congresso. Enquanto essas declarações eram difundidas, circuit breakers eram acionados em bolsas, no Brasil e no exterior, para interromper os negócios e deter, por algum tempo, o tombo das cotações.
O Brasil tem uma dinâmica própria de crescimento e vai reacelerar, disse o ministro, se as “coisas certas” forem feitas. Em outro momento ele se mostrou até mais otimista, repetindo, como um mantra, uma declaração já ouvida em janeiro em Davos: o Brasil acelera enquanto o mundo desacelera.
Falta vender essa crença aos mercados, dentro e fora do País. Investidores de fora seguem tirando dinheiro do Brasil, enquanto, internamente, economistas de instituições financeiras e de consultorias continuam baixando as projeções para este ano. Pelas novas estimativas, a economia brasileira crescerá 1,99% em 2020. Quatro semanas antes se projetava uma expansão de 2,30%. Na semana passada os cálculos apontavam 2,17%, segundo a pesquisa Focus, publicada pelo Banco Central (BC).
Quando o ministro falou à imprensa, por volta das 10 horas da manhã, o tsunami de pessimismo já se havia espalhado por todo o mundo. O preço do petróleo havia caído mais de 30%. Divergências entre o governo russo e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) podem ter tido alguma influência, mas a causa básica foi mesmo a previsão de menor demanda. Essa previsão havia sido publicada pela própria Opep e pela Agência Internacional de Energia (AIE). Um corte nas estimativas já havia ocorrido no fim de 2019.
A queda dos preços do petróleo afetou, naturalmente, as ações da Petrobrás. Os efeitos de uma possível baixa dos preços de combustíveis pela estatal eram um dos temas de especulação pelos especialistas, ontem de manhã. Os efeitos fiscais de uma possível diminuição do pagamento de royalties ao setor público também eram motivos de especulação.
Em São Paulo, os negócios da B3, a Bolsa de Valores, foram suspensos pouco depois das 10 horas, quando o Índice Bovespa acumulava queda de 10,02%, com 88.178,33 pontos (em 23 de janeiro esse indicador havia superado 119 mil pontos). Essa interrupção, acionada pelo chamado circuit breaker, pode ocorrer quando a queda do índice principal chega a 10%. Foi a 18.ª interrupção desse tipo desde a adoção do sistema em 1997. Quando os negócios foram interrompidos, ontem, a Petrobrás ON caía 24,61% e a Valed, 10,78%. Em Nova York, a bolsa foi paralisada por 15 minutos no começo do pregão, quando o índice S&P recuava 7%.
Quando o medo bateu na bolsa brasileira e, mais tarde, na de Nova York, as da Europa já haviam sido derrubadas. Muitos investidores já haviam fugido em busca da segurança de títulos emitidos por governos das maiores economias.
Com a enorme procura, o rendimento oferecido aos compradores dos papéis caiu mais uma vez. As taxas negativas “pagas” pelos títulos federais alemães atingiram novo recorde (-0,853%, pouco depois das 9 da manhã no Brasil). Juros de títulos públicos do Reino Unido ficaram negativos pela primeira vez.
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) adiou a divulgação, prevista para ontem, de indicadores antecedentes, normalmente usados para avaliação de tendências. Explicação: falta clareza, nos dados obtidos em vários países, quanto aos efeitos correntes do surto de coronavírus.
Nessa escuridão, sobra uma certeza em Brasília: o Brasil acelera enquanto o mundo desacelera.
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