- Globo
Bolsonaro arma o conflito e o usa como desculpa
Quinze semanas. Eis o prazo para que as reformas econômicas estruturais sejam aprovadas — inclusive e sobretudo aquelas que o governo ainda não mandou ao Parlamento. Mas a culpa, claro, é do Congresso Nacional, responsável — segundo a narrativa influente — por não fazer tramitar projetos cujos textos não recebeu. Um absurdo! Está lá no telefone da tia do zap; presença confirmada na próxima manifestação pró-Bolsonaro e contra a corja que não o deixa trabalhar.
Quinze semanas para o trem andar. Pouco mais de três meses. Arredondando: daqui até junho. Período estabelecido pelo próprio ministro da Economia, decerto sob pressão — por resultados — de um chefe cuja conversão ao liberalismo tem amarras tão firmes quanto as possíveis a um Geisel que só pensa em reeleição.
Na ditadura, aliás, era mais fácil — refletirá agora o liberal econômico tipicamente brasileiro, aquele a serviço do reacionarismo, impressionado com o capitalismo chinês, sujeito para quem, na prática, a democracia é o empecilho. O liberal brasileiro, o que celebra o patriota general Heleno, aquele em cuja juventude, ajudante de ordens do mais radical entre os ditadores, não era necessário instilar manifestação contra o Congresso — já que Congresso (autônomo) não havia. Tempos difíceis os atuais; os de um Ernesto Geisel que só pensa em reeleição, que é obrigado a conviver com um Legislativo independente, e que tem por principal conselheiro um Silvio Frota. Força, guerreiro!
Quem acreditou que Jair Bolsonaro — aquele que compreende economia como Dilma Rousseff, e que sempre votou com o PT em matéria econômica — pudesse ser o que jamais foi? Quem? Ele. O liberal brasileiro.
Não terá sido por falta de aviso sobre a improbabilidade de se implementar um amplo programa reformista liberal num solo cuja instabilidade permanente é gerada pelo próprio presidente da República. Mas tudo bem: 15 semanas. Otimismo!
Quinze semanas para reformar — para salvar — o Brasil. (Já se passaram quase 20 desde que se aprovou a reforma da Previdência; e nós estamos parados mais ou menos naquele outubro.) Quinze semanas para o rush — a blitz — reformista. Eis o chamamento do ministro; também a expressão da armadilha que Paulo Guedes — aquele que colocara muito alto o sarrafo das expectativas — ergueu contra si. Vendeu, vende ainda, promessas irrealizáveis a um governante que não partilha da fé liberal e tem pressa, populista cujo único horizonte alcançável é o da eleição em 2022. Agora, não tardaria, vem a cobrança. Há que entregar. Cadê o crescimento? Eu acredito!
Enquanto tenta ganhar tempo, talvez beneficiado pelo efeito centralizador do coronavírus como responsável pelo agravamento da sangria no Brasil, um irritado Guedes testa linguagens — para muitos, linguagens para sair. Quinze semanas, por exemplo, para que a imprensa, essa culpada, acalme-se — com o que o dólar se acalmaria igualmente. Né?
Quinze semanas ao longo das quais se multiplicarão imposturas como a do PIB tísico que, no entanto, esconderia o próspero despertar do investimento privado — sustentável — contra a retração do público, sinal de que o Estado, segundo a Secom (ou Ministério da Verdade), não mais interferiria artificialmente na economia; o embuste, pois, do PIB privado versus PIB público como cafeína para explicar por que o secretário do Tesouro estaria sem dormir. Está tudo tranquilo.
Quinze semanas; no meio das quais o 15 de março, ato, com chancela oficial, convocado para hostilizar o Parlamento, e — sem qualquer dúvida — outros tantos confrontos artificiais promovidos pelo próprio presidente para minar a democracia representativa e criminalizar a atividade política.
Quinze semanas para uma reforma tributária cujas ideias do governo a respeito não há quem conheça. Quinze semanas para uma reforma, a administrativa, que mexerá com interesses do funcionalismo público e que será proposta — será? — por um governo dirigido por servidores públicos militantes. Não há mistério sobre por que a coisa vem sendo enrolada — boicotada — pelo Planalto desde novembro. A última desculpa, a da semana passada, foi genial: não seria bom momento para enviá-la dada a crise com o Congresso relativamente ao Orçamento impositivo. Mas quem fabricou a crise?
O estado da arte: Bolsonaro arma o conflito e o usa como desculpa para abafar o curso de uma reforma que contraria interesses do líder sindical que sempre foi. Mas é isto: quinze semanas. Otimismo!
Quinze semanas para reformar um Estado administrado por um governo mentiroso, que é situação e oposição ao mesmo tempo, que avaliza motim de policiais, que tem a imprensa como inimiga, que faz acordo e diz que não fez, que chama de chantagista a parte com que pactuara, e que insufla a população contra um Poder da República. Eu acredito.
Quinze semanas. A pergunta das Cassandras é: o que acontecerá ao final delas?
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