A indústria, as bolsas e a tese de Bolsonaro – Editorial | O Estado de S. Paulo
Se o presidente estiver certo, a 'grande mídia' terá confundido Bolsas de todo o mundo, além de ter criado a ilusão de uma epidemia em cerca de cem países
Depois de um dia de pânico em todo o mundo, a terça-feira começou com novidades positivas – uma reação dos mercados e animadores sinais da indústria brasileira. Mas a boa notícia da indústria, o início de retomada em janeiro, chegou já superada pela crise do coronavírus. Em janeiro a produção industrial cresceu 0,9% no Brasil, depois de acumular recuo de 2,4% nos dois meses anteriores. A leve retomada foi puxada pela indústria de transformação, detalhe especialmente promissor, segundo avaliação da pesquisadora Luana Miranda, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas os sinais positivos ocorreram antes da epidemia já espalhada por dezenas de países. A pesquisadora lembrou o risco de escassez de insumos. Fábricas de vários setores trabalham com peças e componentes importados da China. É cedo para dizer se efeitos da crise aparecerão nos dados de fevereiro, comentou o pesquisador André Macedo, gerente da área de indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Diante dos problemas do coronavírus, os dados de janeiro da indústria já são velhos, comentou o economista Rodrigo Nishida, da LCA Consultores. Segundo ele, os efeitos já observados da epidemia são maiores do que os previstos há cerca de um mês. Esses efeitos, acrescentou, vão além da oferta e podem prejudicar também a confiança e a demanda, com risco de crise sistêmica.
Essa preocupação é defensável. Previsões detalhadas são especialmente inseguras, neste momento, mas nenhuma pessoa sensata pode menosprezar riscos econômicos ligados a uma epidemia já presente em cerca de cem países.
O pior para a economia global ainda virá nos próximos meses, segundo avaliação divulgada pela Pimco, a maior gestora mundial de fundos de títulos privados, com ativos de US$ 1,9 trilhão. O economista global da gestora, Joachim Fels, mencionou o risco de uma recessão técnica – dois trimestres consecutivos de retração econômica – nos Estados Unidos e na zona do euro. Na ausência de grandes desajustes domésticos, no entanto, a retração nas grandes economias deverá ser logo superada, acrescentou. Quando a Pimco apresentou sua análise, ontem, havia a expectativa de anúncio de medidas econômicas pelo governo americano.
A epidemia continua e os problemas se ampliam nos países atingidos. É preciso observar esses dados ao avaliar as oscilações de mercado. Houve alguma recuperação dos preços do petróleo, ontem, e as bolsas de valores voltaram a subir. Mas a reação foi insuficiente para compensar as perdas.
No Brasil, a Bolsa de Valores chegou a subir mais de 4%, mas por volta das 14 h o Ibovespa, seu índice principal, estava em alta de 2,87%. Na segunda-feira havia fechado em queda de 12,17%, a maior desde 1998. Na Europa, ainda havia baixa em Milão, com recuo de mais de 2% no começo da tarde. No Brasil, o dólar havia baixado para R$ 4,65, depois de haver batido em R$ 4,72 no fechamento de segunda-feira.
Com tanta insegurança nos mercados, é especialmente difícil estimar como os negócios poderão evoluir nos próximos meses – no Brasil e na maior parte do mundo. Também por isso o planejamento empresarial fica mais complicado. Isso envolve as decisões de investimento produtivo. É muito difícil estimar, agora, a evolução da indústria até o fim do ano. A retomada em janeiro, embora animadora, foi modesta. A produção cresceu 0,9% sobre dezembro, mas foi 0,9% menor que a de um ano antes e caiu 1% em 12 meses.
A maior fonte de esperança, hoje, é o presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, a disseminação do coronavírus está superdimensionada. “Não é tudo isso que a grande mídia propaga”, assegurou. Quanto à queda das bolsas, “acontece esporadicamente”.
Se ele estiver certo, a “grande mídia” terá confundido bolsas de todo o mundo e enrolado economistas da Pimco, de multinacionais, dos maiores bancos centrais e dos governos do mundo rico, induzidos a agir contra uma crise irreal, além de ter criado a ilusão de uma epidemia em cerca de cem países.
Um homem doente – Editorial | O Estado de S. Paulo
Se o presidente quisesse ter um ministro da Educação, já teria demitido Weintraub
A cada dia que Abraham Weintraub permanece como ministro da Educação, desmoraliza-se esta que é uma das principais – se não a principal – forças motrizes para o desenvolvimento sustentável e para a redução da brutal desigualdade no País. Consumido por desvarios persecutórios e pendor revanchista que só sua alma é capaz de explicar, Weintraub parece não dispor de tempo em seu dia útil para dedicar às questões que realmente interessam à causa da educação, supondo, evidentemente, que o ministro seja capaz de diagnosticá-las. Em vez disso, Weintraub lança-se numa cruzada permanente contra tudo e contra todos que discordam de suas visões e de seus métodos, incluídos num mesmo balaio a mídia profissional, o Congresso, os partidos políticos e estudiosos das políticas públicas para a área de educação.
Nos últimos dias, o ministro manteve-se bastante ocupado com ataques ao Movimento Todos pela Educação, uma organização que há anos dedica-se a debater a formulação de políticas educacionais, com relevantes serviços prestados ao País. O Todos pela Educação é uma entidade apartidária que congrega profissionais de todas as orientações político-ideológicas. A uni-los, a visão da educação como vetor primordial para o avanço de uma nação.
Pelo Twitter, o ministro Weintraub acusou o Movimento Todos pela Educação, em especial a presidente da organização, Priscila Cruz, de encampar uma “articulação” para a sua queda. “Foi Priscila Cruz, presidente do Todos pela Educação, quem organizou o evento de hoje (anteontem) para apresentar alternativas ao que estamos fazendo no MEC. Lembrando, Priscila Cruz, fã de Paulo Freire, quer estratégia para me derrubar”, escreveu o ministro.
Em primeiro lugar, o evento ao qual Abraham Weintraub fez alusão é o Encontro Anual Educação Já, que contou com a presença do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além de deputados, senadores, secretários estaduais de Educação e dirigentes das principais ONGs voltadas à educação no País. O ministro foi convidado para o evento em Brasília, mas não participou. Preferiu alimentar suas teorias conspirativas nas redes sociais a contribuir para o debate acerca das políticas educacionais.
Em segundo lugar, não seria necessária uma “estratégia” para “derrubar” o ministro da Educação. Os resultados apresentados por Abraham Weintraub – ou melhor, a falta deles – falam por si sós. Para que fosse substituído, bastaria que seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, quisesse ter entre seus auxiliares diretos um ministro da Educação, e não só um vulgar propalador de suas próprias convicções. O presidente já advertiu que as críticas feitas a Weintraub, a depender de onde venham, são estímulos para mantê-lo no cargo. Ou seja, a inação do ministro da Educação, além de suas ofensas e grosserias, são mais propensas a lhe valer uma medalha de honra ao mérito do que admoestações, quiçá demissão.
O Estado de S. Paulo tem como marca indelével de sua história secular a defesa inarredável da educação como mola mestra do crescimento do País. Não se furtará a apontar os erros cometidos por quem quer que seja em função dos desdobramentos que essas críticas possam ter no destino do agente público criticado. Ao fim e ao cabo, é ao País que Jair Bolsonaro terá de prestar contas caso futuras gerações sejam condenadas ao atraso pela inépcia de seu ministro da Educação.
O Encontro Anual Educação Já teve de ser suspenso porque Priscila Cruz pode ter sido contaminada pelo novo coronavírus, o que ainda não foi confirmado. Diante disso, Weintraub celebrou. “Para fechar o bloco de informações sobre Priscila Cruz e sua ONG Todos pela Educação: CORONAVÍRUS!!!”, escreveu o ministro no Twitter. “Eu sou a antítese de Priscila Cruz”, prosseguiu Abraham Weintraub. Está claro. Priscila Cruz tem caráter.
Novo Fundeb requer atenção – Editorial | O Estado de S. Paulo
É preciso aprovar o novo Fundeb, mas sem descuidar do equilíbrio fiscal
A Câmara tem trabalhado para evitar o colapso da educação básica a partir de 1.º de janeiro de 2021, quando expira a vigência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Raríssimos municípios poderiam prescindir dessa fonte de recursos para custear a folha de pagamento dos professores e investir na qualidade das escolas e de programas educacionais. Para cerca de 25% dos municípios, o Fundeb é praticamente a fonte exclusiva para o financiamento da educação.
O Fundeb, na prática a união de 27 fundos estaduais que distribuem os recursos para a educação básica, é complementado pela União nos Estados e municípios em que o piso salarial dos professores e o valor de investimentos por aluno não atingem o mínimo estabelecido pelos Ministérios da Educação e da Economia. O valor dessa complementação, corolário de uma ingerência da União sobre os entes federativos e suas particularidades, nem sempre aderentes aos mínimos predefinidos por Brasília, deve estar no centro das discussões sobre o novo fundo.
No dia 18 do mês passado, a deputada Professora Dorinha (DEM-TO) apresentou seu relatório à Comissão Especial criada para tratar da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2015, que torna o Fundeb permanente e corrige as distorções do atual modelo. O texto tem méritos, a começar por ser a expressão de um esforço coletivo de três anos de estudos e debates que envolveram parlamentares, educadores e especialistas na área, além de governadores, prefeitos e secretários de Educação. Importantes falhas do atual Fundeb são corrigidas. Boas inovações são propostas, como o aumento da transparência na aplicação dos recursos. No entanto, o relatório da deputada Professora Dorinha peca ao não considerar com a devida diligência os impactos que o novo Fundeb terá sobre o Orçamento da União. À luz dos avanços que pode trazer para a educação, a PEC 15/2015 é muito positiva. Mas a administração de um país há de ser feita com harmonia entre as suas mais diversas necessidades, entre elas a higidez de seu orçamento, condição sem a qual tudo fica inviável.
Em que pesem seus pontos relevantes, o relatório desconsidera, por exemplo, que em um futuro não muito distante, por imposição demográfica, a demanda por educação básica cairá à medida que, em sentido contrário, aumentará a pressão orçamentária pela elevação dos gastos com saúde, pensões e aposentadorias.
Na minuta do relatório, a cota de complementação da União para o Fundeb chegaria a 40% em dez anos, contados da promulgação da PEC 15/2015. Segundo o relatório final apresentado pela deputada Professora Dorinha, houve uma recomposição deste escalonamento e a complementação máxima passou a ser de 20%, começando com 15% a partir do primeiro ano após a promulgação da PEC e aumentando 1% a cada ano subsequente, até atingir o limite. Atualmente, a complementação máxima da União é de 10%. Logo, a proposta renegociada pela deputada Professora Dorinha, ainda que menor do que o porcentual pretendido inicialmente, dobra o valor da contribuição da União. Prevê-se que, caso seja aprovado tal como proposto, o novo Fundeb terá um impacto de R$ 80 bilhões no Orçamento da União nos próximos anos, sendo R$ 8,3 bilhões já em 2021. A desarticulação política do governo federal, que pouco participou das discussões sobre o novo Fundeb, permitiu a criação dessa “bomba” fiscal.
Passa da hora de os Poderes Executivo e Legislativo acertarem uma forma de financiar a educação básica sem estourar o teto de gastos. Possível saída para o impasse entre a necessidade de manutenção do fundo e do equilíbrio fiscal seria a prorrogação da vigência do Fundeb tal como está até que sejam aprovadas reformas que tragam mais tranquilidade econômica para o Brasil. Disso depende, mais uma vez, a boa interlocução entre Poderes.
Globalização facilita a saída da crise – Editorial | O Globo
O nacional-populismo se equivoca ao defender o isolacionismo como a melhor defesa contra as turbulências
Da mesma forma que em outras turbulências econômicas mundiais, um dia de pânico antecedeu outro de relativa calmaria e até de recuperação. Mas o momento de distensão não significa, claro, que tudo foi superado.
Tem um efeito devastador a combinação da crise provocada pelo coronavírus em importantes linhas globais de produção com a atitude intempestiva do príncipe saudita Mohammed bin Salman de reagir à negativa da Rússia a acompanhar o reino num corte de produção de petróleo, abrindo as válvulas de seus oleodutos, com a oferta de descontos de 30%.
A queda de receita de países exportadores de petróleo e a desestabilização financeira de empresas que exploram o shale gas nos Estados Unidos, que precisam de um petróleo mais caro para manter seus negócios, foram, entre outros fatores, um empurrão para os mercados caírem no precipício.
No plano político, o nacional-populismo se aproveita do momento. Xenófobos exultam com o fechamento de fronteiras, medida correta. A Liga, partido italiano de traços neofascistas, liderado por Matteo Salvini, não perderá a oportunidade de manipular a situação para reforçar suas propostas anti-União Europeia. Trump, um dos pontos de referência do nacional-populismo mundial, também volta a falar em fechamento das fronteiras americanas. Uma coisa é estreitar a vigilância sanitária nos postos de migração, o que deve ser feito. Outra, usar o surto mundial para fechar fronteiras por inspiração ideológica. A cooperação entre os países é fundamental, inclusive no apoio a medidas duras e necessárias, como as tomadas pela China e Itália.
No melhor cenário, em meses a China voltará a ocupar a capacidade de fábricas, que retomam a operação. Em um ato de publicidade, o presidente Xi Jinping foi ontem a Wuhan, epicentro do surto, onde há dias o número de pacientes que recebem alta tem sido maior que o de novos doentes. Mas se não fosse seguro, Xi não se arriscaria. Tudo indica que China e também Coreia do Sul deixam o surto para trás.
O erro do nacional-populismo é não perceber que, ao contrário, é a interdependência que vem na esteira da globalização que facilita a saída da crise. No aspecto médico, tem sido a constante troca de informações entre laboratórios e outras unidades de saúde, por meio da Organização Mundial da Saúde (OMS), que facilita pesquisas em busca de uma vacina contra o coronavírus. A globalização aproximou universidades e centros de pesquisa que hoje trabalham de forma coordenada. O sequenciamento genético de um dos vírus que chegaram ao Brasil foi feito em tempo recorde em um trabalho de cientistas do Instituto Adolfo Lutz, da USP, e pesquisadores da Universidade de Oxford.
Na economia as vantagens da integração mundial são até mais evidentes, por permitirem uma recuperação mais rápida pela via do comércio internacional e a atuação conjunta dos governos para evitar recessões mundiais longas e profundas.
Epidemia de coronavírus testará limites do Sistema Único de Saúde – O Globo
No Rio, parte das Clínicas da Família não tem médicos ou está com equipes desfalcadas
No Brasil, o primeiro caso da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) surgido na China, foi confirmado no dia 26 de fevereiro — um paciente de 61 anos, morador de São Paulo, que havia viajado para a Itália. Desde então, autoridades de saúde sabiam que o aumento do número de casos e a circulação do vírus no país eram questão de tempo, como de fato vem acontecendo. Até a tarde de ontem, o Ministério da Saúde contabilizava 34 casos confirmados, sendo a maioria em São Paulo (19), e Rio de Janeiro (8). Esses primeiros pacientes contraíram a doença no exterior e procuraram atendimento em hospitais da rede privada. Cenário, aliás, esperado pela equipe do ministro da Saúde, Henrique Mandetta, já que ainda não havia transmissão no Brasil.
Porém, à medida que o vírus circule, essa situação provavelmente mudará. E um novo cenário estará criado. Não mais tendo como pano de fundo hospitais de ponta como o Albert Einstein, em São Paulo, mas as debilitadas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o país. Pacientes com o novo coronavírus disputarão espaço com vítimas de doenças que são velhas conhecidas dos brasileiros, como sarampo, dengue, zika, chicungunha, febre amarela, e os muitos tipos de gripe, que matam centenas a cada ano.
Mandetta e equipe têm feito um trabalho competente nestes primeiros dias de enfrentamento do novo coronavírus, com informação precisa, transparência e cuidados para evitar o pânico. Mas é inevitável que o crescimento do número de casos teste os limites do SUS, sistema que tem méritos, mas também muitos problemas.
Uma rede de vigilância bem montada não encobre deficiências na ponta do sistema, porta de entrada para grande parte da população. Um exemplo são as Clínicas da Família no Rio, como mostrou reportagem do GLOBO publicada domingo. De 18 unidades básicas de saúde visitadas pelo jornal no Centro e nas Zonas Norte e Sul, seis, ou seja, um terço, não tinham médico, e oito estavam com as equipes desfalcadas. Em algumas delas, pacientes eram informados de que o atendimento estava adiado por tempo indeterminado. Situação inimaginável numa epidemia. A Defensoria Pública e o MP estadual estimam um déficit de 2,5 mil profissionais de saúde na atenção básica do Rio, segunda metrópole do país.
Esse é um problema com o qual governos terão de lidar no combate ao coronavírus. As estratégias adotadas até agora pelo Ministério têm se mostrado corretas, mas há deficiências que precisam ser enfrentadas com estados e municípios. E deve-se agir rapidamente, enquanto a pressão ainda está nos bem equipados hospitais da rede privada.
Acordo promissor – Editorial | Folha de S. Paulo
Entendimento militar com os EUA é exemplo de pragmatismo em meio à balbúrdia
A visita de Jair Bolsonaro à Flórida, encerrada nesta terça-feira (10), teve como marca a alienação proposital do presidente quanto a problemas interpostos pela vida real à gestão de seu governo.
Não bastasse ter deixado um pavio aceso na escala rumo a Miami, quando convocou a população a atos eivados de credenciais antidemocráticas no domingo (15), Bolsonaro tergiversou ao falar sobre o pífio desempenho econômico do país, o coronavírus e até a nova guerra de preços do petróleo.
Sobrou bastante da má diplomacia capitaneada pela ala dita olavista do governo, que exalta a gestão de Donald Trump. O americano até ganhou um boné macaqueando seu mote, que trazia a inscrição: “Faça o Brasil grande de novo”.
Ao menos a litania se fez acompanhar, a exemplo do ocorrido em outras turnês internacionais do presidente, de uma saudável dose de pragmatismo.
Foi assinado um acordo militar inaudito, que hoje só abrange 14 aliados da maior potência bélica do mundo. Segundo o texto, conhecido como RDT&E (sigla inglesa para Pesquisa, Desenvolvimento, Testes e Avaliação), Brasil e EUA podem fazer projetos conjuntos na área de defesa. A ciência aplicada pode resultar em produtos.
Para empresas nacionais, o cenário se mostra promissor, já que os fundos americanos são vultosos —o principal tem US$ 96 bilhões.
Cabe notar que isso não configura acesso direto às verbas, pois os programas terão de ter contrapartidas orçamentárias brasileiras.
Isso dito, há a expectativa na indústria de que parcerias sejam recompensadas com abertura do maior mercado militar do mundo, que é responsável por 39% de todo o dispêndio global com defesa.
Bolsonaro e seu time obviamente propagandeiam o acordo como uma vitória de seu alinhamento sem freios a Trump —o que é parcialmente verdadeiro. O RDT&E havia sido proposto pelos EUA em 2017; a aproximação entre os países trouxe celeridade à negociação.
Isso não deve se confundir com delírios como a entrada do Brasil na Otan, aliança militar ocidental, mas constitui avanço palpável.
É preciso vigilância, contudo, diante de pedágios que possam vir a a ser cobrados. Nesta quarta (11) será assinado pelo Itamaraty entendimento para que o Brasil adira ao América Cresce, programa de infraestrutura que visa fazer frente à iniciativa chinesa que já se espalha por 19 países da América Latina.
Os americanos não esconderam durante a visita sua intenção de ver barrada no Brasil a adoção de tecnologia chinesa para as redes de 5G, algo que certamente não pode ser definido sob pressão diplomática ou em ambientes festivos de confraternização ideológica.
Reinações de Weintraub – Editorial | Folha de S. Paulo
Ministro se esquiva de tarefas do setor com diatribes políticas e obscurantismo
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, tem logrado destaque em redes sociais e veículos de comunicação por diversos motivos, que não incluem, entretanto, o bom desempenho em sua função.
Depois da desastrada gestão de Ricardo Vélez Rodríguez, primeiro a ocupar a pasta no governo Jair Bolsonaro, Weintraub foi nomeado com a expectativa de que ao menos retiraria o ministério da paralisia em que se encontrava.
É verdade que ele imprimiu outra dinâmica ao cargo, mas o fez com performances patéticas, diatribes em português tortuoso na internet e, não menos importante, decisões estapafúrdias.
Para ficar em casos recentemente noticiados, Weintraub compartilhou um texto em que censurava a Prefeitura de Fortaleza por ter colado adesivos com a marca do município em kits escolares que, segundo ele, haviam sido adquiridos com verbas federais.
“Será possível que o prefeito de Fortaleza faria isso? É verdade que ele é do partido do Ciro [Gomes], PDT?”, postou, tendo recebido pronto apoio de Bolsonaro: “Inacreditável”. Ocorre que os kits não foram comprados pelo MEC, mas com recursos do Tesouro Municipal da capital cearense.
A seguir, veio à luz o fato de o MEC ter assinado um protocolo de intenções para ampliar parcerias de universidades brasileiras com a Florida Christian University, instituição americana especializada em “coaching” religioso.
O compromisso foi firmado no ano passado com a Secretaria de Educação Superior e a Capes, órgão que coordena a pós-graduação.
Deploravelmente, a universidade cristã não tem bom histórico no Brasil. Em 2016, a Justiça Federal potiguar já decidira que a instituição havia oferecido de maneira irregular cursos de mestrado e doutorado em educação, por meio de parceria com organizações privadas brasileiras.
A Florida Christian não reúne qualificações que a credenciem a um protocolo dessa natureza. O ocorrido apenas destaca a indigência intelectual a que está entregue a educação em plano federal.
Não se trata de área em que o país possa se dar ao luxo da estagnação. Há desafios como a melhora da qualidade do ensino básico e o financiamento do ensino superior, cuja regulação passa pelo MEC. Como o chefe, Weintraub se esquiva das tarefas ao abraçar agendas ideológicas, açular militantes e promover o obscurantismo.
Economia instável pressiona por aval ao Plano Mansueto – Editorial | Valor Econômico
Aprovação é uma incógnita diante da quantidade de projetos do governo que aguardam sinal verde do Congresso
Até o fim do mês deve chegar ao plenário da Câmara dos Deputados o Plano Mansueto, programa de ajuda financeira aos Estados, o PLP 149/19. A promessa é do relator Pedro Paulo (DEM-RJ), que parece otimista demais. Daí até a aprovação é uma incógnita diante da quantidade de projetos do governo que aguardam sinal verde do Congresso. Resta saber se Estados têm como se aguentar por mais tempo diante da pressão de gastos que vem das reivindicações de aumentos salariais de setores variados. Para complicar, a expectativa de que a recuperação da economia aumentaria a receita com a arrecadação de impostos está sendo frustrada pelo efeito global do coronavírus.
O Plano Mansueto foi concluído há quase um ano, em maio de 2019, para ajudar Estados em dificuldades. Chegou ao Congresso em junho e ficou parado à espera da indicação da comissão, quando todas as energias do governo estavam voltadas para a aprovação da reforma da previdência. O PLP 149/19 prevê que os Estados que se comprometerem com medidas de ajuste terão aval da União para contrair novas dívidas. O alvo inicial eram dez Estados com nota C, que estão impedidos de levantar crédito em vista da classificação de risco. Com o tempo, o número subiu e agora chega perto de uma quinzena. O projeto inclui também ajustes nas regras do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa para Estados com nota D, ao qual apenas o Rio de Janeiro aderiu. Minas e Rio Grande do Sul também têm nota D, mas relutam e postergam a adesão.
Não é o primeiro pacote de ajuda do governo federal aos Estados. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que completa agora 20 anos, estabeleceu regras para garantir o controle dos gastos. Mas muitas delas são burladas, não raramente com aval do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Os TCEs acabam avalizando excluir dos gastos despesas como adicional de férias, licença-prêmio e Imposto de Renda (IR) retido na fonte. Em consequência, os gastos aparecem muitas vezes subestimados e são apresentados pelos governadores como indicação de boa gestão financeira.
No relatório divulgado pelo Tesouro na semana passada, a partir de dados informados pelos próprios Estados, apenas quatro deles admitiram descumprir os limites com gastos de pessoal, estabelecidos pela LRF em 60% da receita líquida: Acre (62,6%), Minas Gerais (67,5%), Mato Grosso (65,9%) e Rio Grande do Norte (70%). Além desses casos, Amazonas e Goiás informaram que estouraram o limite de gastos apenas no Poder Executivo, que é de 49%. O Tesouro Nacional costuma revisar esses números de acordo com a metodologia do governo federal e, em 2018, verificou que 11 Estados já haviam estourado o limite.
O pano de fundo desse desencontro de números é que o estouro do limite de gastos com pessoal é um dos critérios para entrar no Regime de Recuperação Fiscal. Para ter ajuda, o Estado precisa ter gastado mais de 70% da receita líquida com a folha de pagamentos. Nenhum dos Estados que pretende recorrer a essa ajuda, Rio Grande do Sul, Goiás e Minas Gerais, atingiu oficialmente o limite.
A proposta de emenda à Constituição do pacto federativo pretende resolver esse problema uniformizando os critérios de cálculo das despesas com pessoal e criando um Conselho Fiscal de República, para avaliar a situação das finanças da União, Estados e municípios. O texto determina que caberá ao Tribunal de Contas da União a edição de normas com as regras para apurar as despesas com pessoal, tirando esse poder dos TCEs.
A contabilidade oficial também dá sinais trocados. Em 2019, o resultado do setor público consolidado foi o melhor desde 2014, com déficit de R$ 61,9 bilhões, graças ao superávit de R$ 15,2 bilhões de Estados e municípios. Isso ocorreu porque receberam a parcela de R$ 11,7 bilhões a que tinham direito do leilão de petróleo da cessão onerosa só no último dia do ano e não tiveram tempo de gastar.
Enquanto as propostas que disciplinam as finanças estaduais não avançam no Congresso, alguns Estados flertam com o precipício. Sobrecarregado pelas despesas, o governo de Minas acaba de conceder aumento de 41% para policiais civis e militares. Treze Estados aprovaram propostas de reforma da Previdência dos servidores com aumento de alíquota de contribuição e ampliação da idade mínima. As duas regras já foram modificadas no Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe. Minas e Rio sequer apresentaram propostas.
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