quarta-feira, 11 de março de 2020

TSE rebate Bolsonaro e diz que eleições sem fraudes foram conquista da democracia

Além da nota oficial, a presidente do TSE, ministra Rosa Weber, fez uma rara declaração à imprensa e disse que "a Justiça Eleitoral não compactua com fraudes".

Rafael Moraes Moura | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro afirmar que houve “fraude” nas eleições de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou na tarde desta terça, 10, uma nota em que rebate as declarações e reafirma a “absoluta confiabilidade e segurança” do sistema eletrônico de votação. Além da nota oficial, a presidente do TSE, ministra Rosa Weber, fez uma rara declaração à imprensa e disse que a Justiça Eleitoral “não compactua com fraudes”. Os ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio Mello também saíram em defesa das urnas eletrônicas.

“A minha nota lançada hoje, em nome do Tribunal Superior Eleitoral, é muito clara. Eu mantenho a minha convicção quanto à absoluta confiabilidade do nosso sistema eletrônico de votação. E essa confiabilidade e essa segurança, ela advém, em especial, da auditabilidade dessas urnas eletrônicas. Isso foi um verdadeiro mantra durante as eleições de 2018. Tanto que ao longo de mais de 20 anos de utilização do sistema, jamais foi comprovada qualquer fraude”, disse Rosa Weber a jornalistas, antes de participar de sessão no Supremo Tribunal Federal (STF).

Esta foi a segunda vez que Rosa conversou com jornalistas no STF desde que tomou posse na Corte, em 2011. A primeira foi em 2018, quando também defendeu o sistema de votação eletrônica das críticas feitas por Bolsonaro. A ministra é conhecida pela postura reservada e avessa à concessão de entrevistas à imprensa.

Bolsonaro disse na última segunda, 9, durante evento nos Estados Unidos, que houve “fraude” nas eleições presidenciais de 2018 e afirmou ter provas de que venceu o pleito no primeiro turno. A fala do presidente reacendeu a estratégia de colocar em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral, um discurso utilizado pelo próprio Bolsonaro na campanha daquele ano. O presidente não apresentou provas para embasar suas declarações.

“Embora possa ser aperfeiçoado sempre, cabe ao tribunal zelar por sua credibilidade, que até hoje não foi abalada por nenhuma impugnação consistente, baseada em evidências. Eleições sem fraudes foram uma conquista da democracia no Brasil e o TSE garantirá que continue a ser assim”, afirma o TSE, em nota.

O então candidato do PSL à Presidência da República venceu as eleições no segundo turno, quando obteve 55,13% dos votos. No primeiro turno, Bolsonaro conseguiu 46,03% dos votos válidos, o que não foi suficiente para liquidar a disputa imediatamente.

“Pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu tinha sido, eu fui eleito no primeiro turno, mas no meu entender teve fraude”, afirmou Bolsonaro na última segunda-feira, que chorou ao falar da facada que sofreu durante a campanha de 2018. O presidente, no entanto, não apresentou ou citou qualquer indicativo oficial para justificar sua fala.

Na avaliação do vice-presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, o sistema é “totalmente confiável” e “respeitado mundialmente”. “Agora, se alguém trouxer alguma prova, alguma evidência, estou pronto para examinar, a gente tem sempre espaço para aperfeiçoamento. Agora, não pode ser uma coisa retórica, tem que ser uma coisa fundada em elementos objetivamente aferíveis. Não pode ser ‘eu acho’, é preciso que haja elementos”, disse Barroso.

Indagado se a fala de Bolsonaro configura uma afronta ao TSE, Barroso respondeu que lida com fatos. “O fato que eu tenho consolidado até agora é de que o sistema é absolutamente confiável e nunca houve a demonstração de qualquer tipo de fraude. Se alguém trouxer algum elemento, eu vou examinar”, afirmou Barroso. O ministro vai assumir o comando do TSE em maio deste ano.

Um ministro do TSE ouvido reservadamente pela reportagem ficou surpreso com o teor das declarações do presidente da República e avalia que a resgate do discurso é uma forma de instigar a militância bolsonarista às vésperas das manifestações marcadas para este final de semana. Para um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), as declarações são “absurdas” e não fazem “nenhum sentido”.

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, reforçou o discurso a favor das urnas eletrônicas. “O que posso dizer é que capitaneei as primeira eleições informatizadas, em 1996 (no TSE), nos municípios com mais de 100 mil eleitores. E de lá para cá não houve uma única impugnação ao sistema minimamente séria. Daí se preserva a vontade do eleitor. E ninguém coloca em dúvida a lisura da Justiça. Tempos estranhos. Pelo menos de tédio nós não morremos”, resumiu Marco Aurélio Mello.

Procurada pela reportagem, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que confia nas urnas eletrônicas e ressaltou que elas são auditáveis. Um integrante da cúpula da PGR ouvido pelo Estado disse que não pretende alimentar polêmicas, mas observou que, no limite, poderiam ser chamados peritos estrangeiros para conferir o sistema eletrônico brasileiro.

Impresso. Em setembro de 2018, Bolsonaro afirmou que as eleições daquele ano poderiam resultar em uma “fraude” por conta da ausência do voto impresso, uma medida que poderia provocar provocar gastos bilionários segundo projeção do TSE.

Por 8 a 2, a adoção do voto impresso foi suspensa em 2018 pelo STF, por avaliar que a medida representa um risco ao sigilo do voto e à confiabilidade do processo eleitoral. O veto ao voto impresso havia sido solicitado pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Indicado por Bolsonaro para chefiar o Ministério Público Federal, o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, já sinalizou reservadamente que deve mudar a posição do órgão e passar a defender o voto impresso.

Confira a íntegra da nota do TSE
Ante a recente notícia, replicada em diversas mídias e plataformas digitais, quanto a suspeitas sobre a lisura das eleições 2018, em particular o resultado da votação no 1º turno, o Tribunal Superior Eleitoral reafirma a absoluta confiabilidade e segurança do sistema eletrônico de votação e, sobretudo, a sua auditabilidade, a permitir a apuração de eventuais denúncias e suspeitas, sem que jamais tenha sido comprovado um caso de fraude, ao longo de mais de 20 anos de sua utilização.

Naturalmente, existindo qualquer elemento de prova que sugira algo irregular, o TSE agirá com presteza e transparência para investigar o fato. Mas cabe reiterar: o sistema brasileiro de votação e apuração é reconhecido internacionalmente por sua eficiência e confiabilidade. Embora possa ser aperfeiçoado sempre, cabe ao Tribunal zelar por sua credibilidade, que até hoje não foi abalada por nenhuma impugnação consistente, baseada em evidências.

Eleições sem fraudes foram uma conquista da democracia no Brasil e o TSE garantirá que continue a ser assim.

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