quarta-feira, 11 de março de 2020

Míriam Leitão - Como enfrentar o risco da recessão

- O Globo

Economistas fazem propostas diferentes para sair da crise, mas concordam que o governo Bolsonaro dificulta qualquer solução

O Brasil pode entrar em recessão. É o que acham os economistas Monica de Bolle, do Peterson Institute, e Armando Castelar, da Fundação Getúlio Vargas. Monica defende o aumento do gasto público, como resposta, desde que seja em investimento de infraestrutura com efeito multiplicador. 

Armando discorda e argumenta que elevar o gasto público pode trazer mais desconfiança. Os dois concordam que o governo não tem projeto e que o presidente Jair Bolsonaro é parte do problema com sua agenda de geração de conflitos.

O mundo está dividido sobre qual é a melhor forma de proteger a economia nesta crise provocada pelo coronavírus. O governo americano reduziu a zero os custos sobre a folha de salários, o governo da Alemanha disse que não é o caso de usar estímulos fiscais. É difícil saber por onde ir, mas é fácil perceber que o caminho de Bolsonaro está errado. O presidente brasileiro parece viver em outro planeta. Nas últimas horas ele subestimou a crise e, do nada, inventou que houve fraude na eleição em 2018, que ele venceu.

Monica de Bolle disse que não se deve elevar gasto corrente, porque o multiplicador é muito baixo. Por isso, recomenda que o governo inverta a ordem da sua agenda. Deixe as reformas constitucionais para depois e coloque na frente o plano de infraestrutura.

— Têm que ser projetos multiplicadores. O saneamento é importante, porque o país precisa demais e movimenta a indústria do cimento e da construção, mas eu acho que é preciso combinar com muita coisa na área de logística, porque isso melhora as condições de escoamento e reduz o custo industrial — diz.

A economista argumenta que só porque o governo Dilma usou o BNDES da forma errada não se pode ter medo de, neste momento, usar o banco para financiar projetos. Armando acha que as obras vão acontecer apenas se houver melhora no ambiente de negócios.

— O que segura o investimento em infraestrutura é o ambiente regulatório, a dificuldade de fazer projeto, de liberar licença ambiental, a incerteza sobre prazos. Há muitos projetos bons, mas o governo não consegue fazer a sua parte. O concessionário tem dificuldade de saber onde está entrando. Ninguém quer saber mais de dinheiro do BNDES. O retorno sobre o capital das empresas grandes está maior do que o custo de financiamento, mas a incerteza é enorme — diz Armando Castelar.

O grande obstáculo hoje está nas confusões criadas pelo governo.

— Quando se olha em volta, o que se vê é que haverá um protesto contra o Supremo e o Congresso sem se saber bem por quê. O que está travando a gente é isso. Brigar com um Congresso que quer fazer reformas só aumenta a incerteza. É isso que está atrasando o crescimento, tanto é assim que o investimento não se recuperou, está 28% abaixo do que estava há sete anos, apesar de as empresas se financiarem a custos baixíssimos — diz Castelar.

Monica acredita que a reforma da previdência abriu espaço para medidas de estímulo fiscal.

— Ela foi feita para isso e mudou a trajetória da dívida no médio prazo. Outro fator de mudança foi a queda forte dos juros. Os juros podem cair mais porque a inflação não vai subir nem com a alta do dólar. Existe espaço fiscal. Ele não é imenso. Por isso, é preciso saber como fazer uma política de estímulo. Aqui, nos Estados Unidos, está todo mundo falando em recessão. Neste momento o governo não pode ser dogmático — diz Monica.

Nenhum dos dois acredita que basta fazer “as reformas”, que aliás nem foram apresentadas. Armando argumenta que a tributária é importante, mas ela produzirá muita incerteza até ser entendida. Ambos consideram a crise do coronavírus gravíssima, e Monica avalia que no Brasil há pouca consciência da sua gravidade:

— É uma variante da Sars, mesmo a mais branda pode trazer sequelas pulmonares.

Na economia, esta crise tem canais de transmissão diferentes. Em 2008, lembra Monica, houve paralisia nos mercados de crédito que bateu nas empresas, e aí os governos injetaram liquidez.

— Desta vez está parando tudo. Manda todo mundo pra casa, fecha universidade, fecha escola, fecha fábrica, fecha país — lembra Monica.

Do debate entre os economistas pode sair uma boa receita para superar essa conjuntura tão diferente das outras. O problema é que o país está enfrentando a mais complexa crise recente na mão do mais insensato dos governantes.

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