terça-feira, 28 de abril de 2020

Bernard Appy* - Estrutural e conjuntural

- O Estado de S. Paulo

O momento de discutir o financiamento do custo fiscal da crise não é agora, na fase aguda da crise

O necessário aumento da atuação do governo durante a crise do coronavírus tem dado margem a diversas propostas de aumento da receita pública, voltadas a financiar o déficit resultante da elevação das despesas e da queda da arrecadação.

Algumas dessas propostas – como a criação de um empréstimo compulsório sobre as grandes empresas – são completamente inconsistentes. De um lado, porque não é hora de reduzir a liquidez das empresas, já muito afetadas pela crise. De outro, porque o governo consegue se financiar voluntariamente no mercado, não havendo razão para um financiamento compulsório.

Outras propostas – em especial projetos que buscam tornar o Imposto de Renda mais progressivo – podem até ser bem-intencionadas, mas estão muito mal desenhadas. Se aprovadas, quase certamente resultariam em distorções econômicas, maior litígio entre os contribuintes e o Fisco, além de deixar abertas várias brechas para sonegação.

O Brasil tem problemas sérios em seu sistema tributário, inclusive no Imposto de Renda, que resultam em iniquidades distributivas e em ineficiências econômicas que prejudicam o crescimento. Mas a solução para esses problemas precisa ser muito bem construída. Tentar resolver um problema fiscal conjuntural com medidas elaboradas às pressas visando a resolver um problema específico – a baixa progressividade do Imposto de Renda – quase que certamente resultará num sistema tributário ainda pior que o atual.

O momento de discutir o financiamento do custo fiscal da crise não é agora. No curto prazo, o financiamento tem de ser feito por meio do aumento do endividamento público. Passada a fase aguda da crise, aí, sim, é preciso definir como esse custo será equacionado, ou, mais precisamente, o que será necessário fazer para que a trajetória da dívida pública não seja explosiva no longo prazo.

Mas essa discussão tem de ser feita de forma ampla, contemplando não apenas medidas de aumento da arrecadação, mas também medidas de contenção do aumento de despesas. É preciso, sobretudo, separar de forma clara mudanças de caráter estrutural de medidas conjunturais.

Assim como é preciso evitar que medidas conjunturais de aumento de despesas decorrentes da crise se tornem permanentes, é preciso tomar muito cuidado para que o financiamento do custo da crise não comprometa o modelo brasileiro de tributação – até porque a melhora estrutural do sistema tributário brasileiro pode contribuir de forma decisiva para o financiamento da dívida pública.

Mudanças estruturais na tributação que tornem a economia mais eficiente contribuem para o equacionamento da crise fiscal, na medida em que o maior crescimento gera mais arrecadação, mesmo mantendo a carga tributária constante como proporção do PIB.

Mudanças estruturais que tornem o sistema tributário mais progressivo são importantes, pois, além de tornarem a tributação socialmente mais justa, sinalizam que é a parcela mais abastada da população que incorrerá com a maior parte do ônus do financiamento da crise.

Medidas estruturais de contenção de despesas são essenciais para que o aumento da arrecadação resultante do maior crescimento não se converta em maiores gastos públicos. Se forem bem desenhadas, tais medidas também podem contribuir para melhorar a distribuição de renda, focando o ajuste nas despesas que beneficiam a parcela mais rica da população e preservando as despesas que beneficiam os mais pobres.

Todas essas medidas já estavam na agenda antes da crise sanitária. A crise apenas as torna mais urgentes e necessárias.

Dependendo do custo fiscal da crise, é possível que tais mudanças não sejam suficientes para garantir o seu financiamento num prazo adequado. Neste caso, pode ser necessário recorrer a medidas conjunturais de aumento da arrecadação. Mas tais medidas deveriam ser temporárias e claramente separadas das mudanças estruturais necessárias para tornar o sistema tributário brasileiro mais justo e eficiente.

*Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal

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