terça-feira, 28 de abril de 2020

Voto de confiança dado a Guedes traz alívio pontual

Mercado vê com certo alívio voto de confiança do presidente Jair Bolsonaro ao ministro da Economia, mas ativos ainda sofrem com crise política

Marcelle Gutierrez, Marcelo Osakabe, Victor Rezende e Ana Carolina Neira e Lucas Hirata | Valor Econômico

SÃO PAULO - Depois de muita apreensão nos últimos dias, o mercado viu com certo alívio o voto de confiança dado pelo presidente Jair Bolsonaro ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Embora a crise política esteja longe do fim, a reaproximação ajudou a reverter parte das preocupações dos investidores sobre a derrocada das políticas do economista e até de uma substituição no cargo. O dia foi de recuperação para o Ibovespa, após o tombo de 5,45% na sexta-feira, mas não suficiente para retomar os 80 mil pontos. No câmbio, ainda prevalece a busca por proteção e o dólar voltou a subir com força durante parte da sessão, alcançando R$ 5,72 na máxima do dia.

Ontem, o principal índice de ações do país fechou em alta de 3,86%, aos 78.239 pontos, respaldado também pelo avanço das bolsas globais com as sinalizações de reabertura da economia em alguns países na Europa e Estados americanos. O volume financeiro do Ibovespa somou R$ 18,4 bilhões, um pouco acima da média diária de abril, de R$ 17,9 bilhões.

No câmbio, as preocupações sobre a capacidade do governo de entregar resultados da agenda de reformas após a retomada da crise do novo coronavírus ainda pesam. Ao mesmo tempo, os riscos fiscais ajudam a manter as taxas de juros de longo prazo em nível elevado, em uma evidência clara do prêmio de risco que os investidores exigem para apostar no país. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2027, por exemplo, subiu de 8,12% para 8,42%.

Já o dólar comercial fechou em alta marginal de 0,01%, a R$ 5,6581, longe da máxima de R$ 5,7253, por força da atuação do Banco Central, que interviu fortemente através de leilões surpresa no mercado à vista e no spot. Ao todo, o BC injetou US$ 2,1 bilhões líquidos no mercado, sendo US$ 1,5 bilhão em swaps cambiais e outros US$ 600 milhões no mercado à vista.

No início do dia, todos os ativos financeiros do Brasil tiveram desempenho bastante positivo, inclusive o real que se valorizou contra o dólar no começo da sessão. A moeda americana abriu em forte queda, batendo mínima de R$ 5,53 influenciada pelo tom positivo no exterior e por sinais da permanência do ministro Paulo Guedes no governo. Com a saída de Sergio Moro na sexta-feira, os investidores temiam que a era dos “superministros” havia acabado e que o economista seria o próximo a deixar o governo.

Em aparição pública logo pela manhã, o presidente Jair Bolsonaro reafirmou que Guedes é o homem que decide a economia no país. A demonstração contou com a presença de outros ministros e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
“Isso passou uma mensagem bastante positiva para o mercado, que ficou em dúvidas sobre Guedes após o episódio de sexta-feira”, comenta Filipe Villegas, estrategista da Genial Investimentos, ao destacar o desempenho do Ibovespa melhor que pares globais.
Roberto Indech, estrategista-chefe da Clear Corretora, afirma, entretanto, que o alívio foi pontual, já que a crise política permanece com a saída de Moro e suas acusações feitas contra Bolsonaro. “O governo pode perder popularidade caso não seja capaz de lidar com a pandemia e o cenário econômico pós-pandemia. O mercado acompanha de perto.”

Ao longo do dia, o alívio inicial foi dando lugar a uma leitura de que, embora uma guinada na economia ou um processo de impeachment estejam afastados no momento, a perda de capital política do governo Bolsonaro deve afetar o esforço pós-crise.

“O cenário continua totalmente incerto e com a perspectiva fiscal ruim. Não há uma melhora crível. Embora seja positivo Bolsonaro demonstrar comprometimento com a agenda econômica, fica difícil avaliar a governabilidade. Ele tem a oportunidade de aumentar a base, mas as nomeações, até agora, têm sido de cunho pessoal. O fato de ele defender Guedes é algo bom, mas não indica que a agenda fiscal terá prosseguimento”, afirma Vinicius Alves, estrategista da Tullett Prebon Brasil.

Em relatório enviado a clientes, estrategistas do J.P. Morgan notam que a aproximação entre o governo e o Centrão pode forjar uma aliança no Congresso. Eles, contudo, veem ressalvas. A primeira é a possibilidade de Bolsonaro perder popularidade por se aproximar da “velha política”, enquanto a segunda está na possibilidade de o Centrão levar o governo a adotar uma abordagem mais populista na política econômica passados os efeitos do novo coronavírus.

Apesar do cenário político tomar conta dos mercados, notícias corporativas influenciaram também a bolsa brasileira.Via Varejo ON subiu 18,65% com a compra da empresa de tecnologia do setor de logística ASAPLog, crescimento do comércio eletrônico em meio à pandemia e recomendação de compra pelo Bradesco BBI. Na ponta negativa, Embraer ON caiu 7,49%, para a menor cotação desde 2009, de R$ 7,66, com o fim do negócio com a Boeing.

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