• Em perigo, Bolsonaro prestigia Guedes – Editorial | O Estado de S. Paulo
O Presidente decidiu conter o desmoronamento de seu governo e prestigiar o ministro, seu fiador diante do mercado e trava contra um surto de pânico financeiro
Acuado por investigações e ameaçado por graves denúncias, o presidente Jair Bolsonaro decidiu conter o desmoronamento de seu governo e prestigiar o ministro da Economia, Paulo Guedes, seu fiador diante do mercado e trava de segurança contra um surto de pânico financeiro. “O homem que decide economia no Brasil é um só, chama-se Paulo Guedes”, disse o presidente, ontem de manhã, na saída do Palácio da Alvorada. Ninguém pode dizer quanto tempo essa disposição vai durar. No fim de semana o ministro ainda era apontado por analistas políticos e por fontes do mercado como a provável bola da vez, depois da saída do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro.
Cinco dias antes, sem a presença de um único membro da equipe econômica, o ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, havia lançado o plano de investimentos Pró-Brasil. “Nada está descartado”, respondeu o presidente, na ocasião, quando jornalistas quiseram saber se haveria afrouxamento do ajuste fiscal. O ministro Guedes e seus companheiros estavam sendo claramente desqualificados como condutores da política econômica. Em contrapartida, pareciam ganhar peso nas decisões econômicas o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.
Uma nova crise política em poucos dias mudou o cenário. Ao tentar interferir na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro perdeu o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro. Foi mais um lance custoso para a imagem presidencial, já prejudicada pela demissão do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
Nesses dois episódios o presidente deu prioridade a seus interesses privados – eleitorais e familiares. No primeiro, tentou subordinar a política da saúde ao objetivo de rápida abertura das atividades econômicas. O ministro Mandetta, mais alinhado aos critérios da Organização Mundial da Saúde, propunha política mais prudente. Seria necessário, segundo ele, programar cautelosamente, e de acordo com as condições de cada região, o abandono do isolamento social. A reativação mais veloz poderia obviamente servir aos interesses eleitorais do presidente, se nenhum desastre sanitário ocorresse. Mas Bolsonaro parece nunca ter levado a sério esse risco.
No segundo episódio, o presidente buscou acesso a investigações sobre pessoas próximas. Desde o ano passado ocorriam manobras semelhantes, sempre com tentativas de interferência em organismos envolvidos em investigações de pessoas próximas ao presidente, especialmente seus filhos.
O Pró-Brasil, lançado na semana passada, também poderia produzir ganhos eleitorais, se permitisse uma reativação sensível nos próximos dois anos. Haveria o risco, também menosprezado pelo presidente e por vários ministros, de efeitos desastrosos para os fundamentos da economia. O programa dependeria em boa parte de investimentos custeados pelo Tesouro, apesar da notória escassez de dinheiro nos cofres federais.
Não haveria como combinar essas despesas com o ajuste programado para o pós-pandemia. Diante da emergência, o governo relaxou a disciplina fiscal, para proteger a saúde e apoiar empresas e trabalhadores diante dos piores efeitos econômicos do coronavírus. Mais gastos e perda de receita produzirão um déficit primário (isto é, sem os juros) muito maior que o programado. A dívida pública também ultrapassará o nível planejado. Será essencial, portanto, segundo a equipe econômica, encerrar em 2020 o afrouxamento fiscal, típico de uma fase de calamidade, e logo retomar a austeridade.
De novo prestigiado como condutor da política econômica, o ministro Paulo Guedes voltou a afirmar, ontem, seu compromisso com a responsabilidade fiscal, embora evitando, diplomaticamente, desqualificar o Pró-Brasil. Acuado, o presidente precisa revalorizar seu Posto Ipiranga, o ministro Guedes, enquanto busca apoio do Centrão contra um possível processo de impeachment. Esse acordo com o Centrão pode ser duradouro. Previsões são mais difíceis no caso do Posto Ipiranga.
• Guedes vence batalha, mas haverá outras – Editorial | O Globo
Apoio de Bolsonaro revigora ministro, porém, proximidade do Planalto com o centrão é ameaça
Na instabilidade que caracteriza o governo, reflexo do próprio chefe, a manhã de ontem foi de recuperação do ministro da Economia, Paulo Guedes, colocado à margem nos últimos dias, enquanto ganhava espaço no Planalto a alternativa “desenvolvimentista” do programa Pró-Brasil, um arremedo de plano de obras de infraestrutura, a serem financiadas basicamente por dinheiro público. Por ser uma iniciativa que vai na contramão do que pensam corretamente Guedes e equipe, fizeram-se apostas em que, depois da queda de Sergio Moro, um dos dois “superministros” que tomaram posse em janeiro de 2019, estaria sendo finalizado o cadafalso para o outro.
Depois da oportuna conversa de realinhamento mantida no início do expediente no Palácio da Alvorada com Bolsonaro, Paulo Guedes ouviu do próprio presidente, ao seu lado, diante de microfones e câmeras, que ele “é o homem que decide a economia no Brasil”. Do ministério estavam presentes a ministra Tereza Cristina, da Agricultura, muito interessada na melhoria da malha de transportes e de portos, Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, que com o Pró-Brasil ou sem ele tem projetos importantes a viabilizar, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, da equipe de Guedes.
Não se sabe se o “Posto Ipiranga” da campanha, dono de todas as respostas econômicas do candidato Bolsonaro, foi reinaugurado. Mas no momento em que anda com o espírito especialmente conturbado, foi a mais sensata decisão que Bolsonaro tomou. Ao falar depois do presidente, Paulo Guedes voltou a garantir que o Brasil não estará no caminho da Argentina e da Venezuela — casos de fracasso na política e na economia — e prometeu que passada a “primeira onda”, da crise na saúde, o país enfrentará a “segunda”, da economia, e sairá dela “mais forte”.
O ministro se referiu ao Pró-Brasil como um conjunto de “estudos” de projetos de infraestrutura e construção civil, para ajudarem na retomada do crescimento, mas dentro da política de recuperação da estabilidade fiscal, sem revogar o teto dos gastos. Cifras bilionárias de investimentos que constam da apresentação do Pró-Brasil, resumida pelo ministro Braga Netto em uma entrevista de balanço da epidemia, são apenas estimativas, segundo Guedes, nada para valer. Até porque se o país entrou na epidemia com um déficit anual estimado em R$ 124 bilhões, a crise deve multiplicá-lo por cinco vezes ou mais. Não há espaço para mais gastos.
O presidente, porém, precisa de resultados e traz à flor da pele temores políticos e eleitorais. Por isso quer apressar o fim do isolamento social, a qualquer custo, para a economia estar em crescimento ainda este ano e principalmente em 2022. Paulo Guedes continuará sem vida fácil também devido à aproximação de Bolsonaro com políticos do centrão. Valdemar Costa Neto (PL), Roberto Jefferson (PTB), Ciro Nogueira (PP), entre outros, não gostam de governos austeros. E é por meio deles que Bolsonaro buscará uma blindagem contra qualquer pedido de impeachment.
• A preocupante queda no isolamento quando a epidemia acelera no país – Editorial | O Globo
Levantamento mostra que 22 das 27 unidades da Federação relaxaram nas quarentenas
O isolamento social das pessoas que podem ficar em casa, por não exercerem atividades essenciais, tem se revelado uma das armas mais eficientes para conter, ou ao menos frear, a propagação da Covid-19 no país. Até porque a Ciência ainda não encontrou outra maneira de parar o novo coronavírus. As vacinas que estão sendo testadas por laboratórios e centros de pesquisa de vários países devem demorar a chegar ao mercado — este prazo é estimado em cerca de um ano e meio, embora a corrida contra o tempo seja ferrenha, e esta data possa ser antecipada. Já as drogas existentes que poderiam ser empregadas no combate à Covi-19 — todo dia aparece uma — carecem de eficácia comprovada cientificamente, algumas delas podendo inclusive agravar a situação dos doentes.
Portanto, no cenário atual, o isolamento é a única forma de se tentar achatar a curva de evolução da doença, permitindo que as redes pública e privada possam absorver o número crescente de doentes. Não há leitos, respiradores ou profissionais em número suficiente para a demanda. Tanto que os sistemas de saúde de vários estados já entraram em colapso, como é o caso de Amazonas e Ceará. Outros estão no limite. No Rio, no fim de semana, só havia leitos de UTI disponíveis no Hospital Zilda Arns, em Volta Redonda, a cerca de 130 quilômetros da capital.
Nesse sentido, é preocupante o relaxamento nas quarentenas, especialmente num momento em que a epidemia acelera. Governadores e prefeitos começam a flexibilizar normas de isolamento sem base técnica para isso. Países da Europa que já ultrapassaram o auge da doença e ensaiam uma volta gradual à normalidade, como a Alemanha, o fazem de maneira comedida. Mas não é o caso do Brasil, onde o pico está previsto para os próximos meses.
É lamentável também que as taxas de isolamento estejam caindo. Como mostrou reportagem do GLOBO, 22 das 27 unidades da Federação tiveram queda na adesão à quarentena este mês, em comparação a março, segundo o Relatório de Mobilidade Comunitária, da Google. Entre os estados em que o índice recuou, estão São Paulo e Rio, que concentram os maiores números de casos. No Rio, o bairro de Campo Grande, o segundo com mais mortes na cidade, teve aumento de 82% na circulação de pessoas no domingo. Um contrassenso.
O Brasil adotou as medidas de isolamento relativamente cedo, o que certamente está se refletindo nos números, que poderiam ser ainda piores. Não é hora de flexibilizá-las. Se hoje a situação já é de colapso, ou quase, não é difícil imaginar o que acontecerá nas próximas semanas, quando se espera uma disparada no número de casos. Olhar para Nova York, epicentro da pandemia, talvez seja um bom exercício.
• Amigos do peito – Editorial | O Estado de S. Paulo
É grave a suspeita de que o presidente quer ter controle sobre o aparato policial federal
Quem quer que se sente na cadeira de diretor-geral da Polícia Federal (PF) e de ministro da Justiça, em substituição, respectivamente, a Maurício Valeixo e a Sérgio Moro, estará sob a suspeita de ter sido nomeado para fazer desses órgãos de Estado uma extensão do gabinete de Jair Bolsonaro – ou, pior ainda, um cômodo da casa do presidente da República.
Como Sérgio Moro informou, e o sr. Bolsonaro não desmentiu, o presidente da República exigiu que a Polícia Federal tivesse na direção “uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja superintendente”.
É o que muito provavelmente vai ocorrer agora, independentemente dos escolhidos. Nem seria necessário nomear amigos íntimos da família Bolsonaro, como Jorge Oliveira, atual secretário-geral da Presidência e cotado para o Ministério da Justiça, ou o delegado Alexandre Ramagem, que chefia a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e que era dado como certo para a direção da PF. Como disse o próprio presidente, os novos titulares serão seus amigos – estes ou quaisquer outros.
Questionado criticamente por uma seguidora no Facebook acerca da informação segundo a qual a indicação de Ramagem teria sido feita pelo vereador Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente, Bolsonaro reagiu: “E daí? Antes de conhecer meus filhos, eu conheci Ramagem (sic). Por isso deve ser vetado? Devo escolher alguém amigo de quem?”.
Como presidente da República, Bolsonaro não deveria escolher auxiliares por serem seus amigos, ou de seus filhos, mas porque são qualificados para desempenhar bem seu trabalho. É assim que funciona numa República, especialmente quando se trata do presidente. Neste caso, porém, a amizade é decisiva: Bolsonaro quer nesses cargos-chave pessoas da sua mais estrita confiança, beleguins que saibam que ali estão não por suas qualidades profissionais, mas pela lealdade incondicional ao chefe.
É gravíssimo. Não se trata apenas de ter controle sobre eventuais investigações acerca das atividades suspeitas de seus filhos, mas de exercer influência sobre eventuais investigações a respeito das atividades de adversários políticos do presidente. Numa democracia, uma Polícia Federal não pode ser controlada dessa forma pelo governo, pois se transformaria em polícia política.
O problema é que Bolsonaro parece inclinado a tratar questões pessoais e familiares como se fossem problemas de Estado. Vista em perspectiva, a escandalosa tentativa de nomeação do filho Eduardo Bolsonaro para a Embaixada nos EUA, por exemplo, não é nada perto da suspeita de que o presidente quer ter controle sobre o aparato policial federal, encarregado de investigar corrupção e crime organizado.
É em razão da gravidade do caso que algumas forças políticas e da sociedade civil já se mobilizam para pedir o impeachment do presidente. Razões talvez não faltem, e não é improvável que Bolsonaro acrescente ainda outras tantas a estas, pois vive de criar conflitos.
Mas o Brasil, não nos esqueçamos, vive os efeitos devastadores da pandemia de covid-19. É nesse problema, e em nenhum outro, que o País deve concentrar toda a sua energia neste momento. Enquanto Bolsonaro cuida de seus interesses pessoais, os brasileiros têm de lidar com a escalada de mortes e de desemprego causada pelo coronavírus.
Felizmente, há autoridades, como a maioria dos governadores de Estado, que estão conscientes de seu papel nesta hora crítica. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a quem cabe dar seguimento a pedidos de impeachment, demonstrou exemplar espírito público ao dizer que “todos esses processos (impeachment e Comissões Parlamentares de Inquérito) precisam ser pensados com muito cuidado”, que “devemos ter paciência e equilíbrio, e não açodamento” e, o mais importante, que o coronavírus “deve ser nossa prioridade”.
Oxalá o exemplo desses líderes políticos responsáveis frutifique. No momento, o único oportunista que deve ser combatido sem tréguas é o coronavírus.
• A Argentina e o Mercosul – Editorial | O Estado de S. Paulo
Temporariamente, pelo menos, não há risco de Buenos Aires rejeitar o acordo com a UE
A decisão unilateral da Argentina de se retirar das negociações de acordos comerciais conduzidas pelo Mercosul – com exceção das já concluídas, mas ainda não formalizadas, com a União Europeia (UE) e a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta) – abala um dos pilares do bloco econômico-comercial do Cone Sul. Embora o governo argentino deixe claro que não será obstáculo às negociações realizadas pelos demais membros do bloco, sua decisão rompe uma das principais regras do Mercosul, a de que os tratados comerciais só podem ser fechados se todos os integrantes do bloco concordarem.
A retirada foi anunciada de modo inusitado, pois não foi precedida, como seria da praxe diplomática, de comunicação prévia aos demais parceiros do bloco para exame e aprovação. A Argentina afirma, ainda, que se resguarda o direito de voltar a participar das negociações das quais agora se retira. Para assegurar a segurança jurídica dos demais membros do Mercosul, a decisão do governo do presidente argentino, Alberto Fernández, deveria ter sido formalizada por um ato do Mercosul – e não por decisão unilateral, tacitamente aceita pelo Paraguai, que está na presidência pro tempore do bloco e tornou público o fato. “Medidas jurídicas, institucionais e operacionais” terão de ser estudadas pelo bloco, reconheceu o Paraguai.
Razões de ordem interna não faltam ao governo do presidente Alberto Fernández para se afastar das negociações de acordos comerciais pelo Mercosul. A causa imediata, como justificou Buenos Aires, é a necessidade do país de se concentrar na política econômica, duramente afetada pela pandemia da covid-19. Nota do Ministério das Relações Exteriores da Argentina afirma que as ações econômicas do governo de Fernández estão voltadas para a contenção dos efeitos da pandemia e para a proteção das empresas, dos empregos e das famílias mais humildes. “Isso é diferente das posições de alguns parceiros, que propõem uma aceleração das negociações de acordos de livre comércio”, diz a nota.
A pandemia, na verdade, acentuou graves problemas que o país já enfrentava, como a recessão iniciada há dois anos, a aceleração da inflação, o custo da dívida externa e o aumento da pobreza. Mas o governo de Alberto Fernández parece ter visto nessa conjugação de problemas uma oportunidade política para se diferenciar ainda mais do governo brasileiro, que tem pregado a abertura comercial do Mercosul. Daí a nota da chancelaria argentina ter se referido a “alguns parceiros” que querem acelerar as negociações de acordos comerciais.
A atitude do governo argentino contrasta com a do brasileiro, que, respeitando os termos do Tratado de Assunção, há tempos propôs aos demais membros do bloco a discussão da flexibilização e redução da Tarifa Externa Comum (TEC). Em tese adotada por todo o bloco, que por isso é formalmente considerado uma união aduaneira (que implica aplicação de uma tarifa comum a todos os produtos originários de terceiros países e a livre circulação de bens e serviços dentro do bloco), a TEC tem muitos furos e é aplicada com alíquotas diferentes por cada país. O governo argentino ainda não se manifestou sobre a proposta brasileira. Ou seja, o Brasil não pode baixar unilateralmente a tarifa externa, pois se o fizesse estaria descumprindo o documento básico do Mercosul.
Como o governo Fernández vinha demonstrando desconforto com o acordo com a União Europeia, concluído na gestão anterior, de Mauricio Macri, a saída da Argentina das negociações foi vista com algum alívio pelos europeus. O acordo precisa ser aprovado por todos os Parlamentos nacionais e, pelo menos temporariamente, não há risco de Buenos Aires rejeitá-lo.
Para o Brasil, interessado em negociar acordos comerciais, o que contraria a política de Fernández, podem se abrir portas para entendimentos diretos com outros países. A forma como a Argentina se retirou das discussões, no entanto, suscita dúvidas jurídicas.
Eis a questão – Editorial | Folha de S. Paulo
Na pauta nacional, impeachment divide eleitores; Bolsonaro conta com apoio fiel
É espantoso que um presidente ainda no segundo ano de mandato, sem nem mesmo enfrentar uma oposição forte e organizada, apresente os indicadores de fragilidade política de Jair Bolsonaro.
Um novo dado se faz conhecer agora em pesquisa Datafolha: 45% dos brasileiros aptos a votar defendem que o Congresso abra processo de impeachment do mandatário, parcela semelhante, na margem de erro, à dos que se opõem à providência drástica (48%).
Que a própria questão esteja em pauta a esta altura já configura uma triste anomalia. Mas está —e porque Bolsonaro vai, com persistência, eliminando alternativas.
A calamidade do coronavírus desencadeou uma espiral vertiginosa de desatinos presidenciais. O chefe de Estado insurgiu-se contra as medidas de isolamento social, pregando que a população voltasse às atividades mesmo que ao custo de uma explosão da doença.
Seguiu-se o apoio presencial e descarado a um ato em que se defendia uma intervenção militar no país. Pouco depois, uma troca despropositada do comando da Polícia Federal levou à saída de Sergio Moro da pasta da Justiça —com relatos assombrosos de tentativas de ingerência na instituição policial.
Já se contam quase três dezenas de pedidos de impeachment no Legislativo, onde a sustentação a Bolsonaro se mostra frágil e desarticulada. Às pressas, o Planalto tenta cooptar, a preço elevado, parlamentares de tradição fisiológica.
O quadro que se apresenta às forças políticas e institucionais do país, no entanto, é complexo. Se os fatos conhecidos bastam com sobras para justificar a abertura imediata de investigações, o apelo que o presidente mantém em uma fatia não desprezível do eleitorado eleva em muito os riscos da tarefa.
Segundo o Datafolha, um terço dos brasileiros (33%) considera o desempenho de Bolsonaro ótimo ou bom —percentual similar aos observados antes da pandemia em pesquisas presenciais. Ainda que relativamente modesto, trata-se de apoio que chama a atenção pela fidelidade em cenário tão adverso.
Em comparação, o governo Dilma Rousseff contava com apenas 13% de aprovação às vésperas do impeachment da petista. Recorde-se, no entanto, que ela entrava em seu sexto ano de mandato e o país já sofria com um biênio inteiro de recessão profunda.
A nova derrocada econômica que se inicia, de proporção ainda imprevisível, vai se juntar a uma crise sanitária em processo de agravamento e a uma crise política já instalada. Em nenhum dos casos o caminho da superação parece claro.
• Desmate sem trégua – Editorial | Folha de S. Paulo
Más notícias para o ambiente proliferam na pandemia, com contribuição do governo
Embora provisoriamente afastado do topo das preocupações nacionais, hoje voltadas à epidemia de Covid-19 e à crise política em Brasília, o desmatamento na região amazônica segue inclemente.
Dados do Inpe mostram que o primeiro trimestre registrou aumento alarmante de 51% de alertas de destruição florestal, na comparação com o mesmo período de 2019. Até 31 de março, foram devastados 796 km² de mata, ante 526 km² nos três primeiros meses de 2019. Como bem resumiu o pesquisador Paulo Moutinho, do Ipam, desmatador não faz home office.
Se for contabilizado o desflorestamento acumulado desde agosto, período de referência para o cálculo da taxa anual, o quadro é ainda mais grave. São 5.260 km² de área devastada, ante 2.661 km² no mesmo período de 2018 e 2019, crescimento de quase 100%.
O aumento do desmate traz ainda um prenúncio alarmante. Quando a estação seca chegar à Amazônia, em meados do ano, as árvores abatidas se tornarão combustível para as queimadas. Esse foi o principal fator por trás da temporada de fogo de 2019, uma das mais severas da última década.
Com uma calamidade sanitária em curso no país, surge outro risco: o alastramento do novo coronavírus entre povos indígenas. Em São Gabriel da Cachoeira (AM), porta de entrada de uma área onde habitam dezenas de etnias, já há casos confirmados da doença.
A ameaça do Sars-Cov-2 na Amazônia levou o Ministério Público Federal a requerer na Justiça que Ibama, ICMBio e Funai estabeleçam bases fixas nos locais onde mais ocorrem crimes ambientais na região, a fim de coibir invasores.
A situação tampouco é melhor em outros biomas. As poucas áreas de mata atlântica restantes na cidade de São Paulo vêm sendo devastadas pelo crime organizado para loteamentos clandestinos.
Relatório preparado pelo vereador Gilberto Natalini (PV) identificou 160 pontos de desmatamento na capital, a maioria na região das represas, totalizando 7,2 km².
Fazendo par com o aumento da destruição vem a intenção de anistiar crimes já cometidos. Despacho recente do Ministério do Meio Ambiente reconheceu como áreas consolidadas aquelas de preservação permanente (APPs) desmatadas e ocupadas até julho de 2008.
Trata-se de decisão contrária a lei da mata atlântica, que exclui essa possibilidade, determinando que as APPs devem ser todas regeneradas —e constitui sinal inequívoco de que, a salvo de qualquer crise, segue sem quarentena a máquina antiambiental do governo.
Gerenciar dívida mobiliária exige cuidado redobrado – Editorial | Valor Econômico
Tesouro tem colchão de proteção confortável, mas dívida pública subirá bastante
O apoio externado pelo presidente Jair Bolsonaro ao ministro da Economia, Paulo Guedes, ontem, antes da abertura dos mercados, colaborou para acalmar os negócios com títulos da dívida mobiliária e reduzir os juros no mercado futuro. Mas a certeza de que os gastos públicos vão crescer para o combate aos efeitos da pandemia é uma pressão inevitável, que traz um complicador extra ao gerenciamento da dívida mobiliária.
Apesar de o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, ter sinalizado nova redução na taxa básica de juros na reunião do Copom da próxima semana, os juros vêm subindo no mercado futuro, inflados também pela escalada do dólar e pela perspectiva de que tendem a ser pontuais as compras de títulos públicos pela autoridade monetária. Mas o principal motivo de preocupação dos investidores é com o crescimento das despesas públicas.
Desde a primeira semana de março, o Tesouro cancelou sucessivamente oito leilões de títulos, deixando de vender especialmente as Notas do Tesouro Nacional da série F (NTNs-F), títulos prefixados longos, e também Letras Financeiras do Tesouro (LFTs). No fim da primeira quinzena, o Tesouro chegou a divulgar nota assumindo estar enfrentando dificuldades para financiar a dívida pública.
Com uma franqueza pouco habitual, a nota salientava que o Tesouro estava tendo dificuldades para vender seus títulos no mercado e que nenhum governo pode se endividar infinitamente e controlar a inflação simultaneamente. “Ainda que, em tese, um governo possa ofertar quantos títulos quiser, ele só poderá emitir se tiver alguém que os compre”, sublinhava a nota, que não abordava o receio de técnicos do Tesouro com a possibilidade de o BC passar a “competir” com o Tesouro na venda dos títulos públicos caso a compra de títulos do Tesouro no mercado seja aprovada na PEC do “Orçamento de Guerra”.
É bem verdade que o governo federal estava em plena disputa em torno do tamanho do pacote de ajuda a Estados e municípios e queria comover os parlamentares a serem comedidos no socorro. Mas o tom da nota assustou o mercado. Em seguida, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, veio a público no dia seguinte para dizer que não há problemas de financiamento no momento. “Vendemos R$ 10 bilhões hoje e outros R$ 10 bilhões na semana passada. Poderíamos vender mais, mas não estamos desesperados para voltar ao mercado. O Tesouro não tem nenhum problema de financiamento, temos uma situação bastante confortável”.
Na semana passada, houve a retomada dos leilões de títulos prefixados de longo prazo. Foi a primeira oferta de NTN-F após a crise da covid-19 ter atingido o país com mais força. O Tesouro vendeu o lote integral de 50 mil NTN-Fs com vencimento em janeiro de 2027 e mais 50 mil para janeiro de 2031.
Mansueto lembrou que o Tesouro tem um “colchão de liquidez”, uma reserva de recursos que permite passar alguns meses sem fazer leilões para rolar a dívida pública. O Tesouro tem, na verdade, duas reservas. Uma é a conta única que, segundo o Instituto Fiscal Independente (IFI), que assessora o Senado, montava a R$ 668 bilhões em fevereiro e caiu para cerca de R$ 450 bilhões agora, com os resgates feitos. Outra reserva é formada pelo lucro do BC com as operações cambiais e, principalmente, a valorização das reservas, que supera um pouco R$ 493 bilhões.
Mas Mansueto não negou que a dívida é elevada e já chega a 100% do Produto Interno Bruto (PIB), pelo critério utilizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), patamar bastante elevado em relação aos demais países emergentes. Pelos critérios locais, a dívida bruta deve fechar o ano entre 80% e 90% do PIB.
No entanto, o governo não pode menosprezar o fato de que são crescentes - e necessárias - as despesas com as medidas adotadas para amenizar o impacto da pandemia na sociedade e na economia. A agenda de vencimentos de títulos públicos impõe um desafio extra.
Em julho, vencem nada menos do que R$ 178,3 bilhões, especialmente prefixados de curto prazo (LTN). Em agosto, são mais R$ 62,85 bilhões em papéis lastreados à inflação (NTN-B) e, em setembro, R$ 71,43 bilhões em indexados à Selic (LFT).
Para complicar a demanda está reduzida diante do cenário da pandemia, redução da atividade econômica e preocupações fiscais. Somar a isso o fator político carrega ainda mais as tintas, aumentando as chances de mais inflação maior e juros mais altos à frente.
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