• É preciso criar as condições para o retorno ao trabalho – Editorial | Valor Econômico
Presidente nada sabe sobre o assunto e perdeu a noção da realidade
As respostas econômicas aos efeitos da pandemia do coronavírus foram rápidas e radicais, assim como o recurso às quarentenas, que quase paralisam nações que produzem mais de metade da riqueza mundial. Os desdobramentos das políticas fiscais e monetárias em curso são, em geral, previsíveis. Os do enfrentamento sanitário, não.
Há dificuldade em avaliar a extensão do contágio e capacidade de destruição do vírus, que são diferentes nos países. Diante do desconhecido, os governos buscaram a máxima proteção possível - os severos prejuízos na economia foram considerados colaterais na primeira fase. Se bem-sucedida, haverá a fase seguinte: a volta a alguma normalidade, com isolamento dos grupos de risco. Não se sabe ainda como isso ocorrerá, nem a ciência tem respostas claras sobre isso.
No tratamento de choque, há ao mesmo tempo aumento rápido do número de infectados e de mortes e um mergulho rápido e intenso das atividades econômicas. Sua magnitude pode ser aferida pelo exemplo da maior economia do mundo, os EUA. Há 386 mil infectados, mais de 11,9 mil mortos. Medidas de isolamento, tardiamente adotadas, produziram em duas semanas pedidos de auxílio-desemprego de 10 milhões de pessoas e previsões de queda anualizada de 20% no PIB no segundo trimestre, uma depressão.
A permanência do distanciamento social é insustentável ao longo do tempo, como já se sabe. A OCDE estima que a cada mês a mais de bloqueio social o PIB mundial cai 2%, cerca de US$ 1,8 trilhão. As epidemias anteriores, como a Sars, não servem de guia, embora a experiência com elas tenha sido determinante para a reação rápida e incisiva de países asiáticos, como China e Coreia do Sul, diante da covid-19. O contágio do coronavírus é maior, mais rápido e sua letalidade bem superior. Pior: portadores assintomáticos espalham o vírus e dificultam a obtenção de dados vitais para um combate racional: não se sabe a quantidade de infectados sem sintoma, por exemplo, logo faltam informações vitais para a estratégia de defesa sanitária, como propagação, localização e taxa de mortalidade.
Há alguns parâmetros para o início do fim gradual do distanciamento social. Um deles é que a curva ascendente de novos casos passe a fazer o caminho inverso. Outro, que os sistemas de saúde tenham se fortalecido e equipado o suficiente para suportar o aumento da demanda de casos graves, condições que variam de país para país. No Brasil, a covid-19 ainda está em ascensão e há lugares onde 50% dos leitos de hospitais estão disponíveis - uma das condições estabelecidas pelo Ministério da Saúde para que o distanciamento possa ser relaxado. Parece insuficiente.
A insistência do presidente Jair Bolsonaro na volta já ao trabalho - preocupação natural - é puramente eleitoral. Há dias, pensando em voz alta, disse que se a economia acabar, seu governo também acaba. Esse argumento é mesquinho, mas compreensível. Já os outros são fruto de ignorância pura e desumana. O isolamento dos grupos de risco (“vertical”) só é possível depois que há declínio do contágio, e quando o distanciamento puder ser substituído por testes em massa para detectar infectados e imunes, rastrear focos do vírus, isolá-los e, assim, proteger os mais vulneráveis.
Bolsonaro quer o retorno ao trabalho, sem pré-condições. Nunca mencionou testes. Encomendados com atraso, milhões deles provavelmente chegarão ao país com, ou após, o pico da pandemia. Testagens em massa só começarão a ser feitas em breve e os resultados só aparecerão um mês depois. Sem isso, não se sabe para onde o vírus está se deslocando, quem já se tornou resistente a ele e possíveis novos focos de contágio.
O presidente não quis se instruir sobre o assunto. Os que agiram como ele, como o presidente americano Donald Trump e o britânico Boris Johnson (infectado), voltaram atrás, desperdiçaram tempo precioso e viram o número de infectados e mortos aumentar.
A capacidade de enfrentar a pandemia depende das condições prévias do sistema de saúde pública do país. O do Brasil é mal equipado, com número de leitos desigualmente distribuído e ocupação média alta, de 85%. Bolsonaro também não disse palavra sobre a importância de equipá-los preventivamente com ventiladores, máscaras etc. Quando um presidente acha, em meio à maior crise sanitária e econômica do pós-guerra, que seu problema não é o vírus, mas o ministro da Saúde, que faz o que o mundo inteiro está fazendo, é porque perdeu completamente a noção de realidade - e precisa ser isolado.
• Poder destrutivo – Editorial | Folha de S. Paulo
À falta de ideias e liderança, Bolsonaro ameaça usar caneta para agravar crise
Ofuscado por seu ministro da Saúde, a reboque do Congresso e impotente diante de decisões tomadas por governadores e prefeitos, o presidente Jair Bolsonaro preserva o poder de agravar a já trágica crise sanitária e econômica do novo coronavírus. À falta de ideia melhor, ameaça exercê-lo.
Assim se deu na segunda-feira (6), quando Brasília ficou paralisada por temores e especulações acerca da demissão iminente do ministro Luiz Henrique Mandetta, de trabalho amplamente aprovado pela população no combate à disseminação da Covid-19.
O próprio Bolsonaro se encarregara de semear as incertezas nos dias anteriores, ao manifestar de público seu incômodo com a desenvoltura do titular da pasta da Saúde —que, além de reunir as experiências de médico e gestor, é político capaz de aproveitar bem a intensa exposição midiática proporcionada pela pandemia.
Na véspera, o presidente havia bravateado, diante de um grupelho de religiosos aglomerados em frente ao Palácio da Alvorada, sobre seu suposto destemor em usar a caneta contra auxiliares que “viraram estrelas”. A coragem não chegou ao ponto de nominar alvos em potencial, mas o recado foi dado.
Na segunda, sua agenda fazia saber que receberia em almoço, além do primeiro escalão palaciano, o deputado Osmar Terra (MDB-RS), um ex-ministro cujas ideias tacanhas incluem críticas de escassa fundamentação científica às políticas de isolamento —o bastante para ser tido como candidato a substituir Mandetta.
Convocou-se ainda reunião ministerial cuja utilidade permanece um mistério. Dela, Bolsonaro saiu calado, enquanto o titular da Saúde voltou ao ministério para um pronunciamento sobre a importância de persistir nas políticas recomendadas por especialistas e superar os obstáculos que enfrenta.
Nesse meio tempo, segundo se noticia, o presidente ouviu ponderações da ala militar do governo e recebeu pressões do Legislativo. Mandetta, recorde-se, é ligado ao DEM, partido dos presidentes da Câmara e do Senado.
Nada disso deveria ser necessário. A eventual demissão do auxiliar, para além de sua motivação torpe, não faz sentido nem como cálculo político interesseiro. Nessa hipótese, o demitido sairia como herói, e todo o desgaste resultante das duras semanas que se avizinham recairia sobre Bolsonaro.
O Brasil empobrecido enfrentará mais uma recessão econômica, que não será evitada por diatribes contra quarentenas ou propagandas de cloroquina. Espera-se de um líder que dê sentido aos sacrifícios —salvar vidas— e demonstre com atos, em vez de tagarelice estéril, a disposição de minorá-los.
• Máscaras para todos – Editorial | Folha de S. Paulo
Mal não fará recomendar o uso geral dos dispositivos, inclusive os caseiros
Assim que o público tomou ciência da gravidade da pandemia de Covid-19, uma corrida por máscaras respiratórias deflagrou compreensível reação de autoridades médicas desaconselhando o uso por pessoas sem sintomas. Chegou o momento de revisar tal orientação.
O propósito era saudável: evitar desabastecimento que pusesse em risco o acesso dos que mais necessitam desses equipamentos de proteção individual. Ainda hoje a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que pessoas saudáveis só usem máscaras se estiverem espirrando, tossindo ou cuidando de doentes.
Médicos e enfermeiros a lidar com pacientes infectados são os mais vulneráveis a contrair a doença pela exposição contínua. Devem ter prioridade, por óbvio, no acesso aos recursos de proteção.
Entretanto houve algum equívoco em disseminar, como justificativa para a recomendação de não usar máscaras, a noção de que elas seriam pouco eficazes. Com efeito, dispositivos mais simples, de tipo cirúrgico, não são de todo eficientes na filtragem de partículas virais, sobretudo quando envergados por pessoas não habituadas.
Com o avanço da pandemia veio a firmar-se a convicção de que as altas taxas de infecção têm a ver com a transmissão do vírus por portadores assintomáticos. Mesmo que a pessoa não espirre, pode haver ejeção do agente infeccioso pela respiração e sua deposição sobre superfícies.
Não é tanto para evitar a inspiração de vírus no ar que as máscaras têm mais serventia, mas para diminuir a veiculação de gotículas diminutas contendo o CoV-2 expelidas por contaminados sem sintomas.
O dispositivo não elimina a necessidade imperiosa do isolamento social e da higiene das mãos, mas seu uso por grande contingente da população traria um reforço na luta contra a Covid-19.
O disseminado emprego de máscaras na Ásia, uma herança da pandemia de gripe H1N1 em 2009, parece estar associado ao relativo sucesso no controle do coronavírus em países da região.
Está longe de ser o fator principal, condição reservada à aplicação maciça de testes diagnósticos, ao rastreamento de infectados e à eficiência do confinamento, mas é provável que tenha contribuído.
Mal não fará recomendar o uso generalizado de máscaras, inclusive as de origem caseira, desde que com orientação precisa sobre a proteção limitada que oferecem.
• Os incendiários e os bombeiros – Editorial | O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro esteve a ponto de demitir seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, segundo informações de bastidores que circularam em Brasília ao longo de toda a segunda-feira. Não o fez, mas isso não significa que não venha a fazê-lo no futuro próximo, a julgar pelo clima de crispação criado pelo próprio Bolsonaro, empenhado nos últimos dias em desmoralizar publicamente o ministro Mandetta mesmo diante da brutal crise sanitária causada pela epidemia de covid-19.
O motivo do recuo de Bolsonaro não ficou muito claro, assim como já não eram muito claros os motivos pelos quais o presidente estava investindo contra um de seus ministros – e não um qualquer, mas sim, justamente, aquele sobre cujos ombros está a responsabilidade de organizar os esforços do governo federal para enfrentar a epidemia. Sob a Presidência de Bolsonaro, a rigor, nada parece fazer muito sentido, a não ser para a chamada ala “ideológica” que assessora o presidente, e para a qual tudo se resume à luta pelo poder contra os “comunistas” – nome genérico de todos os que essa turma considera como inimigos.
Seja como for, o recuo de Bolsonaro em sua escalada contra o ministro Mandetta, ainda que provavelmente seja apenas momentâneo, é um indicativo de que o presidente se viu limitado pelas circunstâncias. Ou seja, teve que se conformar com as coisas como elas são, e não como os bolsonaristas radicais que o cercam gostariam que fossem.
A julgar pelo que tem sido o comportamento de Bolsonaro até aqui, no entanto, é difícil acreditar que o presidente tenha se dado conta sozinho de que não é prudente brigar tanto com a realidade, especialmente no momento em que o País mais precisa de paz para enfrentar a calamidade sanitária e econômica causada pela epidemia. No caso específico da quase demissão do ministro Mandetta, Bolsonaro voltou atrás depois de ser convencido pelo seu ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto, segundo revelou reportagem do Estado.
Essa informação confirma o papel de “gerente” do governo assumido pelo ministro Braga Netto, formalmente escalado para comandar o comitê de crise que coordena as ações do governo durante a epidemia. A Casa Civil tem entre suas funções primárias justamente a de coordenar a ação do Ministério, mas atualmente, em razão das características caóticas da governança de Bolsonaro, seu titular também está tendo de fazer entrar em forma a própria Presidência.
Assim, o ministro Braga Netto, general que se destacou ao liderar a intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018, parece trabalhar ao mesmo tempo como uma espécie de moderador no Palácio do Planalto em face do avanço da ala “ideológica” dentro do governo – a ponto de um de seus principais expoentes, o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente e líder do chamado “gabinete do ódio”, ter ganhado uma sala ao lado do gabinete do pai. Não à toa, partem de Carlos Bolsonaro alguns dos piores ataques nas redes sociais aos militares que estão no governo e que, como Braga Netto, tratam de temperar os ímpetos voluntaristas do presidente.
A tarefa dos militares hoje lotados no governo, portanto, tem sido a de proteger o presidente Bolsonaro de si mesmo e do tal “gabinete do ódio”, dirigido a distância por um ex-astrólogo que mora nos Estados Unidos. Essa figura extravagante, ao exigir a demissão de Luiz Henrique Mandetta, escreveu nas redes sociais que o ministro da Saúde “é o exemplo típico do que acontece quando um governo escolhe seus altos funcionários por puros ‘critérios técnicos’, sem levar em conta a sua fidelidade ideológica”.
Ao desestimular a demissão do ministro Mandetta, o general Braga Netto e outros que nisso se empenharam provavelmente atuaram pela lógica segundo a qual essa atitude intempestiva minaria o governo a ponto de ameaçar sua própria continuidade. É justamente esse clima de confronto e até de ruptura que interessa muito aos fanáticos do “gabinete do ódio”, que apostam no caos, mas não interessa nada ao País, que precisa desesperadamente de tranquilidade política para atravessar a tormenta.
• O mês em que o Brasil parou – Editorial | O Estado de S. Paulo
Acuados pela pandemia, milhões de consumidores se isolaram em casa, em março, e um recorde sinistro foi batido no comércio varejista. As vendas caíram 16,2%, no maior tombo registrado em um mês na série histórica da Serasa Experian, iniciada em 2000. “Com as pessoas ficando mais em casa e muitas lojas físicas fechadas, cai automaticamente o consumo, principalmente de itens não essenciais, como veículos e materiais de construção, que apresentaram a maior retração em março”, comentou o economista da Serasa Luiz Rabi. O tamanho dos males causados à economia real pelo surto do novo coronavírus começa a ficar mais claro, agora, com esses e outros poucos números já divulgados. A maior parte da informação publicada nas últimas semanas mostrou principalmente os impactos nas bolsas de valores e nos mercados financeiros e de câmbio. No mundo das coisas tangíveis, de comer, beber e usar, as primeiras contagens mostram grandes danos.
Houve estragos em todos os grandes segmentos do comércio, mas foram menos extensos no varejo de bens essenciais. As vendas caíram 8,1% em supermercados, hipermercados e lojas de alimentos e bebidas. As de combustíveis e lubrificantes diminuíram 5,5%. Em contrapartida, as de veículos, motos e peças despencaram 23,1% e as de material de construção, 21,9%. O mês também foi muito ruim para móveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos e informática (-19,3%) e para tecidos, vestuário, calçados e acessórios (-16,6%).
O governo demorou a reconhecer o novo coronavírus como grande risco para a saúde pública e para a economia. Mas houve medidas para prevenir uma quebradeira de empresas e para proteger o emprego. Empresas comprometeram-se a evitar demissões. Alguns cortes têm ocorrido. Faltam dados para estimar sua extensão, mas a piora das perspectivas já aparece no Indicador Antecedente de Emprego da Fundação Getúlio Vargas.
No mês passado esse índice baixou 9,2 pontos e chegou a 82,6, o menor nível desde junho de 2016, quando atingiu 82,2. Todos os seus componentes caíram e as maiores quedas ocorreram na avaliação da situação presente dos negócios e nas expectativas para os seis meses seguintes. No caso das médias móveis trimestrais houve um recuo de 22,4 pontos em relação ao dado de fevereiro, com interrupção de uma trajetória ascendente.
As condições de emprego já eram ruins no começo do ano, com desocupação de 12,3 milhões de pessoas, ou 11,6% da força da população ativa, no trimestre até fevereiro. Havia, no entanto, expectativa de melhora. Com a pandemia, as perspectivas mudaram e um desemprego maior é dado como certo, mesmo com medidas anticrise.
Nos próximos meses, segundo estimativas divulgadas nos últimos dias, a desocupação englobará um contingente adicional entre 2,5 milhões e 5 milhões de pessoas. Qualquer projeção é insegura, no entanto, porque as condições do mercado de trabalho vão depender da curva da epidemia e da duração de medidas como o isolamento social e as limitações ao funcionamento de empresas.
Se as autoridades continuarem seguindo as instruções da Organização Mundial da Saúde (OMS), as limitações à movimentação de pessoas serão relaxadas com muita cautela. Especialistas têm falado em restrições significativas até o fim de maio. Se houver pressa no relaxamento das normas, a atividade poderá intensificar-se mais cedo, mas por pouco tempo. Haverá o risco de uma explosão de casos graves e de mortes e de uma duração mais longa, afinal, dos efeitos da pandemia.
Por enquanto, são escassas até as informações sobre os danos econômicos de março. Mas os estragos têm sido certamente consideráveis. No fim da primeira quinzena, as vendas acumuladas no ano pelas montadoras de veículos eram 9% maiores que as de igual período de 2019. No fim de março o total acumulado era 8% menor que o de um ano antes. Não há, no entanto, saída rápida e fácil. Qualquer tentativa de reanimar a economia sacrificando vidas resultará em fracasso econômico, além de configurar, é claro, uma criminosa inconsequência.
• A educação avança a despeito do MEC – Editorial | O Estado de S. Paulo
Lançado pelo movimento Todos pela Educação, uma das mais respeitadas organizações não governamentais do setor, o relatório sobre o desempenho do sistema de ensino do País em 2019 e suas perspectivas para 2020 surpreende. Mostra que, apesar dos desatinos cometidos por inépcia administrativa e viés político pelo Ministério da Educação (MEC) nesse período, a educação brasileira avançou.
Preparado por especialistas em políticas públicas, gestores e pedagogos, o relatório avaliou as políticas educacionais associadas a sete áreas fundamentais – governança e gestão, financiamento, Base Nacional Comum Curricular (BNCC), professores, primeira infância, alfabetização e ensino médio. Em todas elas houve vários pontos negativos e alguns importantes pontos positivos. A educação brasileira passou de ano raspando com uma nota C, diz o estudo.
Entre os pontos negativos, o relatório critica a “enorme incapacidade de gestão” do governo. Critica o atraso sistemático no repasse de recursos da União para Estados e municípios e a falta de articulação das Secretarias municipais e estaduais de Educação pela União, especialmente no campo da educação básica. Aponta os problemas que podem surgir na implementação do Plano Nacional de Alfabetização, em decorrência da incompetência administrativa. Denuncia a ausência do MEC nos debates sobre a regulamentação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, que é a principal fonte de financiamento desse ciclo de ensino. Cobra mais empenho do governo na adoção de políticas educacionais inclusivas, ou seja, voltadas para os estudantes dos segmentos mais pobres da sociedade. Por fim, adverte para o risco de a pasta ser um campo de experiências do que o deputado Eduardo Bolsonaro chama de “revolução cultural”.
“Tivemos uma subida de tom nos últimos meses com o afastamento de uma gestão voltada para resultados para um caminho mais dogmático, de uso do MEC como instrumento ideológico”, afirma a presidente do Todos pela Educação, Priscila Cruz.
Entre os avanços identificados pela pesquisa, merecem destaque a aprovação, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), das novas diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial de professores; a preparação de novos currículos da educação infantil e do ensino fundamental com base na BNCC; o aumento do número de escolas de ensino médio em tempo integral, por iniciativa dos governos estaduais; e o estímulo para que os Estados sigam o exemplo da bem-sucedida experiência posta em prática no Ceará no campo da alfabetização. Além disso, o relatório destaca a apresentação do projeto de lei que institui o Sistema Nacional de Educação, que define as responsabilidades de cada ente da Federação em matéria de ensino.
Com relação a 2020, o relatório evidencia o temor de pedagogos e gestores com a redução de 8% do orçamento do MEC, face ao ano anterior. Elogia os esforços da pasta no âmbito da primeira infância, mas lembra que até agora eles só atingiram metade dos municípios. Lembra que o governo precisa começar a elaborar uma estratégia nacional para assegurar condições de saúde e de educação para crianças de um dia de vida a seis anos. E alerta que o MEC não pode continuar sendo omisso na implementação do novo ensino médio, deixando de ajudar as Secretarias de Educação. A implementação dos programas para esse ciclo de ensino, o mais problemático de todos, “é um dos trabalhos mais complexos na história das políticas educacionais” e, nesse ponto, “a coordenação do MEC faz falta”, diz o relatório.
Sua conclusão é sensata e oportuna. Apesar do bem-sucedido esforço de ONGs, entidades sociais, prefeituras e Estados para tentar fazer a educação brasileira avançar, o Brasil só conseguirá formar o capital humano de que necessita quando o MEC passar a ser dirigido por educadores profissionais competentes e responsáveis.
• Rede de segurança institucional aparece na crise – Editorial | O Globo
Está claro que freios e contrapesos do regime democrático atuam de forma explícita e implícita
Dada a natureza política e pessoal do presidente Bolsonaro e família, está claro para todos que a permanência de Luiz Henrique Mandetta no Ministério da Saúde tem prazo de validade. Ele permanece porque construiu uma relativa blindagem com seu trabalho e da equipe na preparação do país, em coordenação com estados e municípios, para receber o impacto da Covid-19, a mais grave epidemia mundial em 100 anos. Choque que se começa a sentir agora — ontem, eram 667 mortes e 13.717 infectados, um levantamento a ser multiplicado por algum fator para compensar uma grande subnotificação. A situação é pior do que parece.
A conspirata tramada na bolha bolsonarista para trocar um ministro que conquistou grande apoio popular ao seguir a Ciência e preceitos médicos por alguém permeável às pressões presidenciais, para acabar com o isolamento social muito antes da hora, terminou felizmente esvaziada por bem-vindas articulações do Legislativo e Judiciário. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado e Congresso, Davi Alcolumbre, reforçaram, por diversos canais, o alerta ao Planalto de que haveria uma reação do Congresso à demissão de Mandetta. Do Supremo, também já haviam sido lançados sinais de que a Corte acolheria arguições sobre a saída do ministro.
O curto-circuito serviu para mostrar a existência de uma rede de segurança para conter desvarios. Dentro do estado democrático de direito, sem qualquer arbítrio. Há segurança jurídica, garantida pela Constituição. O Congresso pode bloquear atos do Executivo “que exorbitem do poder regulamentar”, conforme a Carta. Segundo juristas, acabar com o isolamento social por decreto do Planalto, devaneio bolsonarista, será revogado no Congresso porque contraria, por exemplo, a Lei do Coronavírus, a 13.979, aprovada em janeiro. Está na lei que medidas tomadas na epidemia “somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas (...)”. Esta mesma visão têm ministros do Supremo.
Confirmada a permanência de Mandetta, noticiou-se que o Ministério da Saúde passou a recomendar a municípios e estados que venham praticando o isolamento social, e não tenham mais da metade de suas estruturas de saúde ocupadas, que analisem flexibilizar este isolamento, preservando os grupos de risco (maiores de 60 anos, cardíacos etc.). Pareceu concessão do ministro, porque cidades que se enquadrem nesta situação não estarão livres de ver seus hospitais pressionados em pouco tempo, devido à rapidez com que a Covid-19 se propaga.
No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel liberou prefeitos do Norte/Noroeste Fluminense, onde há baixa incidência da Covid, para decidirem seus casos, um a um. A flexibilização feita por Mandetta, por sua vez, pode esbarrar em decretos estaduais. Se ocorrer o choque, a Justiça mediará o conflito, sem crises, dentro das regras do jogo democrático. A pandemia tem dado oportunidade para os freios e contrapesos da democracia entrarem em ação. Explícita e implicitamente.
• Tratamento com plasma de pessoas curadas da Covid é tentativa válida – Editorial | O Globo
Terapia, que começou a ser testada esta semana no Brasil, já foi usada em epidemias como a da Sars
Tem sido recorrente a imagem de uma guerra para descrever a luta de governos, sociedades e comunidade científica de todo o planeta contra o novo coronavírus, surgido na China no fim do ano passado e rapidamente transformado em agente de uma pandemia que pôs o mundo em quarentena e não para de produzir números superlativos. De fato, vive-se uma guerra, contra um inimigo extremamente letal — mesmo considerando todo o avanço da Ciência —, e que leva a grande vantagem do desconhecimento que a humanidade ainda tem sobre ele.
Embora o Sars-CoV-2 seja neste momento objeto de estudo de cientistas do mundo inteiro, que correm contra o tempo para descobrir uma forma de interromper a sua trajetória, ao mesmo tempo em que profissionais de saúde se desdobram em hospitais superlotados na heroica missão de salvar o maior número de vidas, a verdade é que ainda se sabe pouco sobre o novo coronavírus e a Covid-19. Natural, se levarmos em conta que não faz seis meses que pessoas começaram a morrer na China de uma pneumonia misteriosa, que se espalhava de forma brutal e evoluía rapidamente, levando os pacientes à morte. O médico Li Wenliang, que alertou as autoridades chinesas sobre o surto — e acabou censurado pelo governo — morreu vítima da doença.
Combate-se um vírus para o qual ainda não há remédio ou vacina. Apesar de existirem muitas pesquisas em andamento, estima-se que uma vacina contra a Covid-19 não estará disponível antes de um ano e meio ou dois anos. Tempo demais, não só pelo grande número de mortes, mas também pelos estragos exponenciais na economia mundial. Desenvolver um medicamento específico para a Covid-19 também levaria tempo. Um grupo de instituições científicas, do qual faz parte a brasileira Fiocruz, desenvolve estudos para testar medicamentos já existentes, como a cloroquina, no tratamento da doença. Mas ainda não há qualquer comprovação científica sobre eficácia.
Nesse sentido, é positiva a estratégia que começou a ser testada esta semana, numa parceria entre o Hospital Albert Einstein, o Sírio-Libanês e a Universidade de São Paulo, de usar o plasma de pessoas curadas da Covid-19 no tratamento de pacientes em estado grave, experiência que vem sendo feita em outros países. A aposta é que esses anticorpos possam ajudar a combater o invasor, aumentando as chances de sobrevivência. A terapia já foi usada em outras epidemias, como a da Sars, em 2003, e da influenza H1N1, em 2009.
Numa batalha em que a humanidade duela com o inimigo às cegas, toda tentativa de salvar vidas é válida, desde que balizada pela Ciência, obviamente. Como diz o médico Paulo Niemeyer, “o risco maior é não fazer nada”.
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