- Folha de S. Paulo
Presidente está comprando o centrão para aprovar pautas autoritárias e, sobretudo, para evitar o impeachment
O ex-deputado Roberto Jefferson postou uma foto em que carrega um fuzil e se diz pronto para defender o Brasil do comunismo sob as ordens de Jair Bolsonaro.
Sem querer, produziu a melhor síntese do bolsonarismo até agora: o bolsonarismo é o momento em que a corrupção brasileira passou do furto ao assalto à mão armada.
Não foi, a propósito, o primeiro contato do ex-deputado com a extrema direita. Vamos lá, tente adivinhar, o que foi que Roberto Jefferson fez antes com a extrema direita? Resposta no próximo parágrafo.
Você acertou, ele roubou da extrema direita. Em 19 de março de 2010, Jefferson publicou um artigo na seção Tendências/Debates deste jornal, em que argumentava que era a ideologia esquerdista que fazia o PT roubar. Não se sabe que ideologia o inspirou nesse caso, mas o fato é que o artigo era roubado: era plágio de um artigo de Olavo de Carvalho, que escreveu à Folha no dia seguinte reclamando. Jefferson colocou a culpa em “um antigo colaborador”.
O centrão, a propósito, sempre teve uma facção armada, a bancada da bala.
O sujeito ouve “bancada da bala” e pensa, “nossa, deve ser tudo capitão Nascimento, tudo sujeito violento, mas honesto”. Não, filho. O chefe da bancada da bala, deputado Alberto Fraga, foi gravado em 2009 reclamando que um de seus assessores, Júlio Urnau, estaria, supostamente, recebendo mais suborno do que ele. Ao fim da conversa, concluía: “E eu com cara de babaca aqui, entendeu?”.
Jair Bolsonaro sonha em dar um ministério para Fraga. Pensou em entregar-lhe o Ministério da Segurança Pública como forma de enfraquecer Sergio Moro. E nós com cara de babaca, aqui, entendeu?
Mas se engana quem pensa que tudo isso faz do bolsonarismo “mais do mesmo”.
Bolsonaro é muito pior do que “o mesmo”. Os outros governos compravam o centrão burlando as regras da democracia, mas preservavam a democracia.
Ao contrário do PT, por exemplo, Bolsonaro poderia, se quisesse, ter construído uma maioria parlamentar ideologicamente coesa. A esquerda sempre foi muito minoritária no Parlamento, mesmo quando vencia a eleição presidencial. Mas o atual Congresso Nacional é o mais conservador de todos os tempos.
O PSL poderia ter facilmente se tornado um partido grande, se o próprio Bolsonaro não o tivesse rachado ao meio. Partidos como o DEM poderiam ter fornecido quadros liberais para uma coalizão que se contentasse em ser conservadora dentro da democracia.
Se quisesse, Bolsonaro poderia ter montado um governo mais limpo, não por ser mais honesto –nunca, em hipótese alguma– mas porque há muitos deputados que defendem pautas conservadoras mais ou menos de graça.
Bolsonaro não quis compor uma maioria conservadora dentro da democracia.
Fez guerra ao DEM e ao PSDB o tempo todo, e ainda faz, mesmo quando eles defendem propostas do governo. Se Bolsonaro topou entregar todos os cargos que o centrão quis, mas não os que o DEM quis, é porque não está comprando votos para aprovar reformas liberais.
Bolsonaro está comprando o centrão para aprovar pautas autoritárias e, sobretudo, para evitar o impeachment. Ele sabe que a República qualquer dia desses acorda. E que, quando acordar, vai querer saber por que tem dez mil filhos a menos.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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