segunda-feira, 11 de maio de 2020

Alex Ribeiro - Corte de juro com sabor de aperto

- Valor Econômico

Banco Central gora parece menos preocupado com as condições financeiras

Até alguns economistas e operadores do mercado que defendiam cortes mais agressivos de juros reconhecem, de forma reservada, que a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana passada não proporcionou todos os benefícios esperados. Em muitos aspectos, teve o sabor de aperto nas condições financeiras. Faltou, para eles, comunicar melhor a estratégia de política monetária.

O Banco Central havia sinalizado, em conversas fechadas com participantes do mercado, a intenção de cortar os juros em 0,75 ponto percentual, por isso as apostas inicialmente se concentravam em um movimento dessa magnitude. Depois da saída do governo do ministro da Justiça, Sergio Moro, as chances ficaram divididas entre 0,75 ponto e 0,5 ponto. Muitos achavam que o BC, que até então vinha se mostrando conservador, não iria tomar riscos excessivos num ambiente mais incerto.

Mas, ao final, a decisão do Banco Central foi bem mais ousada: cortou 0,75 ponto e sinalizou que caminha para fazer outro corte na mesma magnitude na próxima reunião, de junho. Na prática, encomendou um corte de 1,5 ponto percentual, embora de forma envergonhada.

Mais do que a decisão em si, especialistas do mercado veem uma mudança na postura do Banco Central. Até a reunião de março, o comitê estava muito preocupado com o risco de que cortes de juros fossem contraproducentes, levando a um aperto nas condições financeiras. O comunicado da reunião da semana passada exclui essas preocupações, que constavam na versão do documento de março. “É algo que parece ter sido superado dentro do BC”, diz um gestor de fundos de investimento multimercado. Sem essa amarra, em tese não há limites para a queda dos juros, dentro da lógica do sistema de metas para a inflação.

No dia seguinte à reunião do Copom, o impacto em preços de ativos foi negativo: os juros de cinco anos aumentaram, a inclinação na curva de juros se tornou mais pronunciada e o dólar deu um salto. São três componentes muito importantes no indicador de condições financeiras calculado pelo Banco Central, que tem uma boa capacidade de previsão do Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) de meses adiante. Na sexta-feira, houve um leve recuo, mas em geral seguiam piores do que estavam antes da decisão do Copom.

Alguns especialistas argumentam que, apesar da reação do mercado, a decisão não foi inócua. A baixa da Selic se transmite automaticamente para o CDI, que é referência para a captação de muitas empresas, promovendo um alívio imediato de caixa. Os juros de cinco anos, segundo esse raciocínio, não deveriam preocupar tanto no momento atual. Essa parte da curva de juros é importante para as empresas que fazem captação para investir. Com muita incerteza e com o aumento na capacidade ociosa de produção, poucas empresas estariam dispostas a se endividar para executar projetos de risco.

A alta do dólar, por sua vez, seria benéfica, por dois motivos. Primeiro, porque favorece a demanda externa, uma das raras alavancas que podem puxar o Brasil para fora da recessão. A alta de preços de ações de exportadoras subiram depois do Copom. Segundo, porque a desvalorização cambial é uma forma de minimizar o risco de deflação.

O fantasma é a queda pontual do IPCA de março, de 0,31%, tornar-se um movimento mais perene com o maior nível de ociosidade da economia doméstica e internacional.

Ainda assim, afirmam esses economistas, o BC perdeu a oportunidade de colher mais benefícios na curva de juros longa, caso tivesse comunicado melhor suas intenções. Como o mercado não estava preparado para uma decisão mais ousada, teve que fazer um ajuste mais forte das posições no dia seguinte, pressionado os juros mais longos. Mas o principal, para muitos, é que o Banco Central não apresentou ainda a lógica que subsidia as suas decisões. Alguns esperam que faça isso na ata do Copom, que será publicada amanhã e em pronunciamentos públicos de seus dirigentes. A esperança é que, com uma comunicação mais detalhada, o mercado se convença e os juros longos e a inclinação da curva de juros voltem a se reduzir.

Uma das preocupações são as mudanças frequentes de visão. Em fevereiro, quando o coronavírus era uma novidade, o BC manteve um discurso conservador, sinalizando manutenção dos juros, então em 4,25% ao ano. Em 3 de março, porém, soltou uma nota à imprensa pouco depois de o Federal Reserve (Fed) baixar os juros de forma agressiva, reforçando as apostas em uma ação semelhante. A mensagem foi mal recebida pelo mercado, o BC voltou a atrás e, na reunião de março, o Copom adotou um tom mais conservador. Mais recentemente, mudou de novo, surpreendendo os mercados. Não há nada de errado em o BC mudar de visão quando as circunstâncias mudam, afirma um economista com experiência no Copom. Nessas ocasiões, sempre há um dano para a sua reputação, mas ele tenderá a ser menor se a mudança de curso for bem explicada e justificada.

No momento atual, uma das questões é saber porque em março o Copom estava tão preocupado com a repercussões de sua decisão nas condições financeiras e hoje não está mais. Outro ponto que muitos querem ver esclarecido é a visão do Banco Central sobre a taxa neutra pós pandemia. Não se espera que divulgue um número, mas pelo menos poderia abrir qualitativamente os fatores que foram pesados.

Essas explicações, porém, não deverão convencer uma parte do mercado que acha que o Banco Central agiu mal em cortar os juros tão rápido. A inflexão do discurso do Banco Central, de conservador para mais ousado, ocorreu em um período de clara deterioração no quadro fiscal. Nessas circunstâncias, quanto mais rápido o Banco Central cortar a Selic agora, maior é prêmio de risco para o caso de ter que reapertar com mais força mais adiante. Com isso, o BC apenas desestimula o mercado a tomar risco na curva de juros e reforça a estratégia dos fundos de investimento de aplicar em ações e assumir uma posição defensiva em câmbio.

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