segunda-feira, 11 de maio de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Assombrações – Editorial | O Estado de S. Paulo

No Brasil sob a Presidência de Jair Bolsonaro, todos os que não devotam total lealdade ao governo são vistos não como opositores, mas como inimigos que almejam destruir o País

Estão bem longe da perfeição as instituições republicanas do Brasil. Não são poucos os exemplos de abusos ou omissões do Supremo Tribunal Federal ou de corrupção e irresponsabilidade do Congresso. Ainda assim, se o Brasil pretende permanecer uma democracia, é preciso lutar para aperfeiçoar e prestigiar esses pilares, e não sugerir, como fazem os bolsonaristas, que estaríamos melhor sem eles.

Do mesmo modo, a saúde da democracia se mede pelo vigor da oposição. Nenhum grupo no poder que se considere democrático pode tratar a oposição como se fosse uma ameaça existencial. No Brasil sob a Presidência de Jair Bolsonaro, contudo, todos os que não devotam total lealdade ao governo são vistos não como opositores, mas como inimigos que almejam destruir o País.

O bolsonarismo, como todo movimento de corte autoritário, vive de cevar fantasmas para atemorizar a sociedade. A todo momento, vozes muitas vezes autorizadas por Bolsonaro – quando não o presidente em pessoa – invocam das trevas imaginárias a assombração da volta do lulopetismo ao poder. Segundo esse discurso, quem contraria Bolsonaro – na imprensa, no Congresso e no Judiciário – faz parte de uma grande conspiração para ressuscitar a turma de Lula da Silva, o Belzebu do bolsonarismo.

Nada nem ninguém escapa desse julgamento sumário – até o ex-ministro Sérgio Moro, outrora herói bolsonarista, foi chamado de “Judas” pelo presidente Bolsonaro porque ousou contestá-lo. Se o Supremo toma decisões que atrapalham o projeto de poder bolsonarista, como tem acontecido com frequência ultimamente, isso significa que os ministros togados estão a serviço do diabo, que não é vermelho à toa. Se o Congresso não vota os projetos do governo e não aceita sem discussão todas as medidas, inclusive as esdrúxulas e as ilegais, emanadas do Palácio do Planalto, então está claro que os políticos continuam a ser o grande empecilho para a redenção nacional prometida por Bolsonaro.

O bolsonarismo empenha-se em fazer o País acreditar que poucos brasileiros hoje se abalariam em defender o Supremo e o Congresso, especialmente quando estes se negam a atender aos desejos de Bolsonaro. Afinal, dizem, Bolsonaro é justamente a resposta natural e necessária a um sistema podre, que só pode ser aniquilado de vez por alguém como ele, que deliberadamente ignora os mais básicos princípios do exercício da Presidência. Sendo assim, quando desrespeita as instituições republicanas, Bolsonaro, segundo os ideólogos do movimento que leva seu nome, na verdade está enfrentando corajosamente os responsáveis pela destruição do Brasil.

Nessa mistificação que faria inveja aos fabuladores petistas em seus bons tempos, Bolsonaro surge como o campeão da guerra para livrar o País da corrupção e do “marxismo cultural”, cuja máxima expressão é o Foro de São Paulo, organização de partidos esquerdistas latino-americanos que só petistas nostálgicos e bolsonaristas paranoicos ainda levam a sério.

Para o bolsonarismo, o Foro de São Paulo e o PT de Lula da Silva são mais perigosos para o País do que o coronavírus, tratado pelo presidente Bolsonaro como uma “gripezinha”. Pouco importa que Lula da Silva seja hoje praticamente um zumbi político, que só aparece no noticiário quando sofre suas rotineiras derrotas na Justiça nos diversos processos a que responde por corrupção.

Lula, o PT e a esquerda latino-americana são as estrelas do bestiário bolsonarista, que o presidente brande sempre que precisa justificar os atos injustificáveis de sua funesta Presidência. Mais de uma vez, Bolsonaro cobrou apoio incondicional a seu governo sob o argumento de que, sem isso, “o PT volta” ou então “o Brasil vai se transformar numa Venezuela”.

No mais recente exemplo disso, durante a vergonhosa intrusão no Supremo Tribunal Federal protagonizada por Bolsonaro e um punhado de sindicalistas patronais, para pressionar aquela Corte a flexibilizar as medidas de isolamento adotadas contra a pandemia de covid-19, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que “a economia está começando a colapsar e não queremos o risco de virar uma Venezuela” ou “de virar sequer a Argentina”.

Cruz-credo!

• Pobreza, paraíso para o vírus – Editorial | O Estado de S. Paulo

Contágio é facilitado em casas pobres, superlotadas e sem saneamento básico

Dinheiro curto, falta de esgoto e lixo acumulado fazem parte do mesmo drama, o da desigualdade, ainda muito ampla no País, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Milhões de pessoas em busca de R$ 600 para enfrentar o impacto econômico da pandemia são personagens dessa história. O novo coronavírus deu visibilidade a essa população, ao criar o risco de uma catástrofe sanitária e social provavelmente inédita no Brasil. Ações de apoio foram definidas, mas foi difícil atingir as parcelas mais miseráveis, menos informadas e quase nunca lembradas na formulação de políticas em Brasília. Até o vírus, trazido por gente da classe média e da classe alta, levou algum tempo para chegar à gente pobre. Mas chegou, enfim, causando estragos difíceis de comprovar e de estimar, porque faltam testes e socorro médico até para doentes mais abonados.

O Brasil se mantém como um dos líderes mundiais da desigualdade, em posição destacada mesmo entre os emergentes. As novas informações publicadas pelo IBGE são de 2019, mas o quadro certamente continua atual e poderá piorar com a pandemia. Cerca de metade dos brasileiros – 105 milhões de pessoas – sobrevivia com R$ 438 mensais, em média, ou cerca de R$ 15 por dia. Um em cada cinco trabalhadores tinha renda mensal de R$ 471, menos da metade do salário mínimo. Na metade de baixo a remuneração média chegava a R$ 850, também abaixo do salário-base de R$ 998. Os novos dados foram obtidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.

A concentração fica bem clara quando se confrontam os poucos mais afortunados com os demais. O grupo de 1% dos trabalhadores com maior remuneração ganhava em média R$ 28.659. Os 10% com menores ganhos tinham renda mensal de R$ 267 mensais, menos que um centésimo do valor recebido mensalmente por aquele 1% do topo.

Educação, gênero e cor refletem-se na distribuição da renda do trabalho. Trabalhadores com ensino superior completo ganhavam em média R$ 5.108. Isso era quase o triplo da remuneração daqueles com ensino médio e cerca de seis vezes a daqueles com a instrução mais modesta. Homens ganhavam 28,7% mais que mulheres e brancos, quase o dobro da renda de negros e pardos. No caso da cor, o critério da pesquisa foi a autodeclaração.

Desigualdade de renda é associada, em geral, à desigualdade de condições de moradia e de acesso a saneamento. Menor acesso a serviços de limpeza urbana e a redes de saneamento caracteriza, também de modo geral, o dia a dia de pessoas agrupadas em habitações pequenas, com pouco espaço para abrigar oito ou mais pessoas. Também essa desvantagem se tornou especialmente relevante com a chegada do novo coronavírus.

Recomendado como primeira proteção contra o contágio, o isolamento é muito difícil para quem vive nessa situação. O risco de contaminação se torna dramaticamente elevado, nessas famílias, quando alguns de seus membros têm de sair para trabalhar e podem voltar com o vírus. Mas, no caso desses grupos, a covid-19 tem sido apenas um risco a mais para quem já suporta condições sanitárias muito ruins.

Segundo o IBGE, cerca de 32% dos domicílios estavam fora da rede geral de esgoto sanitário, em 2019, ou sem fossa ligada à rede. O quadro havia melhorado em relação a 2018, mas permanecia insatisfatório e, além disso, persistiam amplas desigualdades entre regiões. Os lares com acesso à rede eram 27,4% no Norte, mesmo com aumento de 5,6 pontos porcentuais. No Nordeste, um avanço de 2,6 pontos elevou para 47,2% a parcela dos domicílios servidos pela rede. No Centro-Oeste, a taxa havia chegado a 60%.

Em todo o País os domicílios com fossa séptica sem ligação com a rede geral ainda eram 19,1%. Os dejetos eram, pois, despejados em fossa rudimentar, rios, córregos, lagos e mar.

Além de preservar a saúde de dezenas de milhões e salvar vidas, obras de saneamento criariam empregos e ajudariam a mover a economia. Autoridades deveriam colocá-las no topo das prioridades, sem depender do alerta disparado por um vírus.

• A pandemia expõe as desigualdades – Editorial | O Estado de S. Paulo

Quanto mais a epidemia avança, mais as disparidades vêm à tona

Apesar dos sentimentos generalizados de interdependência e das mensagens inspiracionais do tipo “estamos todos juntos”, a verdade é que o atual choque sanitário e econômico será muito mais devastador para os cidadãos mais pobres de cada nação e para as nações mais pobres da comunidade global. A crise pode comprometer décadas de esforços dos países em desenvolvimento para tirar as pessoas da miséria e deve intensificar a tendência à desigualdade nos países desenvolvidos, que vinha crescendo desde a crise financeira de 2008. Quanto mais a pandemia avança, mais as disparidades vêm à tona.

Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) mostram que, apesar dos avanços na redução da pobreza, 1 em 4 pessoas vive na pobreza, e mais de 40% da população mundial não tem qualquer proteção social. Em média, os países mais desenvolvidos têm, para cada 10 mil habitantes, 55 leitos hospitalares, 30 médicos e 81 enfermeiros, enquanto os países menos desenvolvidos têm 7 leitos, 2,5 médicos e 6 enfermeiros. O confinamento provocou uma aceleração brusca da digitalização global, mas mais de 85% da população mundial não tem pleno acesso à rede digital.

A Organização Internacional do Trabalho estima que 195 milhões de empregos serão pulverizados e 1,6 bilhão de trabalhadores informais sofrerão “danos massivos”, com quedas médias de 60% em sua renda. O Banco Mundial advertiu que a pandemia pode lançar entre 40 milhões e 60 milhões de pessoas na extrema pobreza. Segundo o Programa Alimentar Mundial, 135 milhões de pessoas estão sofrendo algum nível de fome e 135 milhões estão à beira da inanição.

Os países ricos estão despendendo proporcionalmente muito mais que os pobres no combate ao vírus e seus efeitos. Pelos cálculos do FMI, enquanto os sete países mais industrializados do mundo gastam cerca de 6% do PIB com estímulos econômicos, os integrantes do G-20 gastam 3,5%. O pacote japonês, por exemplo, chega a 20% do PIB e o americano, a 10%. Já no Brasil ou na Malásia não chega a 3%.

Segundo a Pnud, “sem apoio da comunidade internacional os países em desenvolvimento correm o risco de uma reversão massiva nos ganhos das duas últimas décadas e de toda uma geração perdida, quando não em vidas, em direitos, oportunidades e dignidade”.

O FMI está disponibilizando US$ 1 trilhão em empréstimos – 4 vezes mais do que na crise financeira. Seu pacote de ações inclui US$ 100 bilhões para desembolso rápido; alívio da dívida de US$ 1,4 bilhão aos 29 países mais pobres; um fundo para redução da pobreza de US$ 17 bilhões (até agora foram captados US$ 11,7 bilhões); e a criação de uma linha de liquidez de curto prazo. Além disso, o FMI concertou com o Banco Mundial e o G-20 a suspensão das dívidas bilaterais para os países mais pobres em 2020, totalizando US$ 12 bilhões. São medidas que podem ser emuladas e adaptadas por instituições financeiras globais e nacionais.

Mas uma crise sem precedentes exige respostas sem precedentes. O papa Francisco, por exemplo, afirmou “que este talvez seja o tempo de considerar uma renda mínima universal”. Programas como o Bolsa Família, por mais imperfeitos que sejam, podem servir de modelo a muitos países. Uma dúzia de nações está experimentando algo do gênero. A Espanha caminha para implementar um programa permanente para os mais pobres, e mesmo os EUA estão distribuindo cheques de US$ 1.200 aos mais vulneráveis. “Se os países pobres devem visar uma renda mínima universal além da crise é uma questão em aberto”, disse em editorial o jornal Financial Times. “Implementá-la temporariamente dará informações úteis para fazer a escolha depois. Mas, acima de tudo, os governos devem aos seus cidadãos mais pobres um salva-vidas incondicional já.” A comunidade internacional deveria pensar de maneira análoga em relação aos seus membros mais pobres.

A verdade é que, na crise, não estamos “todos juntos”, mas, se indivíduos, organizações e governos seguirem a máxima moral – “aja como se estivéssemos todos juntos” –, talvez saiam dela menos separados.

• É preciso preparar a base industrial para o SUS – Editorial | O Globo

Hoje 90% da produção global de insumos e equipamentos se concentram na China e na Índia

Empresas químicas e farmacêuticas começaram a debater alternativas de produção local de insumos, produtos e equipamentos essenciais ao setor de saúde, para reduzir a alta dependência de fornecedores externos, sobretudo da China e da Índia, que concentram 90% do mercado global.

Tem sido grande a mobilização pública e privada para assegurar insumos e equipamentos essenciais ao Sistema Único de Saúde nessa crise provocada pela pandemia. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta apelou a empresas privadas (Vale, Lojas Americanas, Bradesco, Itaú e Santander, entre outros) para mapear fornecedores. Já chegaram as primeiras cargas de máscaras, luvas, insumos químico-farmacêuticos, respiradores e outros equipamentos médico-hospitalares comprados na China e na Índia.

Quando ultrapassada a emergência, será necessária uma revisão da estrutura produtiva brasileira nessa área. Como mostrou O GLOBO, empresas como EMS, Braskem, Guararapes e outras dos segmentos de higiene, perfumaria e cosméticos já planejam a substituição de importações, das quais dependem, e a diversificação da produção. É oportunidade de negócios num país cuja vulnerabilidade está expressa no aumento do déficit setorial da saúde. Há duas décadas era de US$ 3 bilhões. Saltou para cerca de US$ 20 bilhões. Importar, preferencialmente, foi uma decisão política baseada no critério de custo-benefício em relação à produção local. Está visível que levou-se ao extremo a dependência externa.

Na pandemia, governos passaram a considerar produtos de saúde como estratégicos à segurança nacional. Os Estados Unidos, por exemplo, decidiram que a produção da 3M de máscaras do tipo N95 deve ser integralmente reservada para consumo dos cidadãos americanos. Nas palavras do secretário de Estado, Mike Pompeo, países como o Brasil poderão “contar com nosso apoio para conseguir itens importantes no combate ao coronavírus, mas terão de esperar que a situação melhore no território americano antes.”

Sem um plano preventivo de reconversão industrial, o governo tenta estimular uma produção doméstica de 15 mil respiradores para entrega em 90 dias. A experiência pode ser didática: será preciso estabelecer uma base industrial de saúde que possa ser ampliada rapidamente — esta é a segunda pandemia em uma década, considerando-se a da gripe H1N1, em 2009.

O debate é relevante, mas a intervenção estatal merece ressalvas. Uma elas é a necessidade de se evitar a repetição do clássico erro das reservas de mercado. Não faria sentido, por exemplo, privilegiar empresas públicas ou privadas com quaisquer incentivos, sem mecanismos de cobrança de eficiência e produtividade, além de real capacidade de competição no mercado mundial.

• Crise vai impor uma reestruturação ampla à indústria global de petróleo – Editorial | O Globo

Entre mudanças de regulação que o abalo neste mercado força está o fim do regime de partilha no Brasil

O rumo da indústria mundial de petróleo começou a ser esboçado nos resultados das maiores empresas do setor nos Estados Unidos e na Europa durante o primeiro trimestre. As cinco maiores produtoras dos EUA e da Europa preveem cortes de custos em torno de 23% nos próximos meses, além de redução drástica em dividendos e suspensão parcial de produção. Shell, Exxon, Chevron, Total e British Petroleum perderam valor de mercado nos três primeiros meses do ano. O lucro da BP entre janeiro e março caiu 67% (para US$ 800 milhões). No Brasil, a Petrobras divulga resultados na quinta-feira.

Nada indica uma recuperação do setor nos próximos meses. Há excesso de estoques, guerra de preços e a pandemia do novo coronavírus só começou a ter impacto econômico fora das fronteiras da China a partir de meados de fevereiro. A Petrobras já paralisou 62 plataformas. Ao colapso nos preços soma-se uma queda de 30% no consumo global devido à pandemia.

Sobra petróleo em terra e no mar. Os EUA começam esta semana com 85% de ocupação do armazenamento terrestre, além de manter navios carregados com 20 milhões de barris ancorados na costa oeste, segundo a consultoria francesa Kpler. A Petrobras já reduziu sua produção em 23 mil barris/dia e, talvez, precise ir além, porque o frete para exportação subiu muito. Para portos chineses, por exemplo, aumentou de US$ 3 para US$ 11 por barril no espaço de 12 meses — e esse nível de custo supera o de extração em alguns campos brasileiros. O preço de referência mundial, o do óleo tipo Brent, caiu de US$ 70 em janeiro para US$ 20 por barril.

Esse cenário vai impor uma ampla reestruturação em toda a indústria.

No caso brasileiro, por exemplo, constata-se um otimismo governamental que contrasta com a realidade. Pelas projeções oficiais, na etapa pós-crise seria possível atrair até US$ 100 bilhões em investimentos privados na área de petróleo. Tudo é possível, sempre, mas a dinâmica recessiva da indústria petrolífera em todo o mundo sugere ser essa retórica reveladora de um governo ansioso por fontes externas de financiamento.

Mais realista seria uma união do Executivo com o Legislativo para empreender reformas na regulação setorial. Por exemplo, acabando com regimes de partilha e de cessão onerosa, e adotando um sistema único de concessão. Facilitaria a atração de capitais, até porque as reservas nacionais têm parâmetros de custos de produção bem competitivos.

• Pressão deflacionária – Editorial | Folha de S. Paulo

Queda de preços em abril reforça corte de juros; dólar e dívida são riscos

Com a queda de 0,31% dos preços ao consumidor em abril, a maior para o mês desde 1998, vai se confirmando o diagnóstico de que o impacto da pandemia de Covid-19 é deflacionário. Fora alimentos, todos os outros grandes grupos de produtos experimentaram pressão de baixa, o que sugere falta geral de demanda na economia.

Medida pelo IPCA, a inflação em 12 meses ficou em 2,4%, inferior à meta de 4% fixada para este ano —e mesmo ao piso de 2,5% admitido pela política do Banco Central.

A tendência, ao menos por enquanto, é de queda adicional. Para 2021, as projeções também apontam para inflação bem abaixo da meta de 3,75%, o que confere espaço para o Banco Central reduzir ainda mais sua taxa de juros, a Selic.

Há decerto dúvidas quanto à duração do fenômeno. O risco de surpresa inflacionária mais adiante existe, dada, por exemplo, a forte desvalorização do real, que encarece as mercadorias importadas.

Mas, com estoques em alta e a possibilidade de mudança duradoura nos hábitos do consumidor, reduz-se o espaço para uma grande recomposição de preços por parte das empresas.

Diante desse cenário, o BC cortou os juros em 0,75 ponto percentual, desta vez para 3% ao ano, novo recorde baixista. A autoridade monetária indicou, além disso, que, se não houver mudança significativa na conjuntura, deverá promover mais uma queda de magnitude similar, levando a Selic a 2,25%, algo impensável poucos meses atrás.

Há riscos na estratégia, sem dúvida. Um deles é o incentivo, em tese, para saída de capitais do país, ocasionando perdas ainda maiores do valor do real ante o dólar. Em algum momento, haveria repasses de custos para os preços locais.

A cotação da moeda norte-americana, com efeito, atingiu R$ 5,85 na quinta (7), maior cifra da história do real, em termos nominais.

A inflação muito abaixo das metas, no entanto, tende a pesar mais na decisão. A opção clara do BC foi por afrouxar as condições monetárias internas. Busca nem tanto estimular a demanda, que a esta altura enfrenta restrições físicas, mas minimizar o custo financeiro para empresas e famílias e, assim, facilitar uma retomada mais adiante.

A grande ameaça que paira sobre a permanência dos juros baixos, na verdade, é a fragilidade do Orçamento. A despeito da necessidade indiscutível de elevar despesas públicas para mitigar os efeitos da pandemia, o país não pode prescindir da devida cautela com as contas do Tesouro Nacional.

Sinais de desconforto aparecem, por exemplo, nos juros ainda elevados para prazos mais longos, os que mais importam para financiamentos. A própria queda do real, ademais, pode estar ligada à desconfiança quanto a solvência do governo a longo prazo.

A política monetária, sozinha, não conseguirá estabilizar a economia. Com a dívida pública mais alta, governo e Congresso precisam emitir sinais inequívocos de que retornarão à agenda de reformas no pós-crise. Do contrário, a experiência dos juros baixos será efêmera

• Álcool no isolamento – Editorial | Folha de S. Paulo

Pandemia eleva consumo caseiro de bebida; dano deve ser tratado com informação

Do bar para a casa: entre fevereiro e março, serviços de venda pela internet e entrega de bebidas registraram aumentos de até 50% na demanda por etílicos, segundo dados de plataformas do setor.

Fenômeno similar ocorre em outros países. Nos Estados Unidos as vendas de bebida alcoólica elevaram-se em 55% em meados de março, conforme pesquisa divulgada pelo jornal Washington Post.

O acréscimo no consumo doméstico sugere mais um deslocamento de local do que propriamente uma alta da demanda na pandemia. A Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) registrou uma queda média de 52% no faturamento do setor entre os dias 15 e 31 de março.

O álcool pode ser visto por muitos como uma forma de lidar com os efeitos decorrentes do isolamento social, como ansiedade e solidão. Ademais, eventos virtuais, muitos deles promovidos por celebridades e artistas populares, não raro são regados a bebida.

Os excessos, como se sabe, podem gerar consequências sombrias. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para mulheres e pessoas com mais de 65 anos o máximo recomendado é de até três doses por dia ou sete por semana. Para homens, o limite é de até quatro por dia ou 14 por semana.

Especialistas apontam que o álcool reduz a imunidade, além de trazer riscos para a saúde física e mental durante o período.

Cabe lembrar ainda que o consumo caseiro está entre os fatores apontados para a maior ocorrência de violência contra a mulher. Dados da Secretaria da Segurança Pública mostram que, desde o início das restrições à circulação, os pedidos de socorro emitidos de dentro de casa aumentaram em 19,8% no estado de São Paulo.

A OMS recomenda que governos e empresas restrinjam as vendas de bebida, mas a experiência histórica mostra que a estratégia repressiva é ineficaz nesses casos.

Restam paliativos, como incluir em campanhas alertas sobre o uso excessivo de álcool e outras drogas. A conscientização se mostra o caminho menos imperfeito para lidar com o problema.

• Toffoli disse o óbvio ao presidente Bolsonaro – Editorial | Valor Econômico

O presidente gostaria de poder reabrir a economia por decreto

Na semana passada, depois de comandar uma inusitada e despropositada marcha de empresários e de ministros do governo até o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro certamente ouviu do titular daquela Corte, José Dias Toffoli, o que não gostaria.

Com ponderação e bastante equilíbrio, mesmo naquela situação constrangedora a que foi submetido, com o seu gabinete sendo ocupado por dezenas de pessoas sem acerto prévio, Toffoli disse ao presidente que é necessário um planejamento, de forma articulada com governadores e prefeitos, para a reabertura da economia. O presidente do Supremo disse o óbvio, que pode ser entendido por qualquer pessoa de bom senso.

É insondável a razão que levou Bolsonaro a comandar a passeata, que foi filmada e colocada em sua rede social em tempo real. O presidente gostaria de poder reabrir a economia por decreto e parece culpar Toffoli pelo fato de o Supremo ter decidido que os governos estaduais e municipais, além do governo federal, podem determinar regras de isolamento, quarentena e restrição de transporte e trânsito em rodovias em razão da pandemia do novo coronavírus.

Essa decisão foi tomada pelos ministros do STF de forma unânime. Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento sobre o funcionamento das instituições brasileiras sabe que Toffoli não poderia alterar a decisão colegiada. Então, por que Bolsonaro foi ao Supremo? Após o lamentável episódio, alguns empresários disseram que não sabiam que iriam participar da marcha e que não foram consultados sobre ela antecipadamente. Mas, o fato é que dela participaram.

Desde o anúncio da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o que se viu no Brasil foi uma completa desarticulação entre os governos estaduais, municipais e o federal sobre as medidas de combate ao novo coronavírus. Em grande medida, por causa do primeiro mandatário do país, que considerou a covid-19 como “uma gripezinha”. Preocupados em salvar a vida dos seus cidadãos, governadores e prefeitos foram adotando medidas de isolamento social, em alguns casos de maneira atabalhoada e com excessos.

Caberia ao governo federal, no entanto, fixar as regras para o isolamento social, estabelecendo limites e responsabilidades para cada ente da federação. Isto não foi feito e, ao contrário, o presidente adotou uma atitude radicalmente contrária a medidas de isolamento, chegando a demitir o ministro da Saúde, em plena pandemia, por ele discordar das suas teses.

Com dados sobre a atual situação da economia, que registra forte aumento do desemprego e paralisia de setores industriais importantes, Bolsonaro volta a defender o fim do isolamento, sem apresentar à sociedade um plano com essa finalidade. No dia 22 de abril, o novo ministro da Saúde informou que o governo iria lançar uma diretriz para que Estados e municípios possam criar políticas e programas próprios relacionados ao isolamento social.

Na quarta-feira passada, o ministro disse que a tal diretriz estava pronta, mas que o governo ainda estudava a melhor forma de divulgá-la. Na sexta-feira, ele voltou a dizer que é preciso uma articulação do governo federal, dos Estados e municípios para melhor enfrentar a pandemia e evitar o pior. Com isso, parece que apenas o presidente da República não concorda.

A maioria dos países adotou o isolamento social no combate à pandemia, alguns decretaram até mesmo um bloqueio total das atividades (o que é chamado de “lockdown”), com prisão daqueles que não obedecessem. As economias de todos eles apresentaram retrações recordes, com aumento expressivo do desemprego. Depois de passado o pico do contágio, com a situação dos hospitais sob controle, vários deles estão agora reabrindo, de forma planejada e gradual, suas atividades econômicas.

Os dados disponíveis indicam que o contágio da população brasileira pelo vírus ainda é ascendente e, diante dessa realidade atroz, vários governadores estão decretando o fechamento completo das atividades de seus Estados e outros, adiando a data da reabertura da economia que haviam programado. Por causa do número alarmante de novos casos da covid-19, a reabertura desejada por todos deverá demorar um pouco mais. Até lá, talvez o governo consiga apresentar um planejamento minimamente coerente de como isso será feito.

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