- Folha de S. Paulo
Por que Bolsonaro fez pouco caso da pandemia?
A resposta canônica de líderes iliberais frente à pandemia é apontar a magnitude da ameaça como justificativa para a concentração de poder. O caso exemplar é o de Viktor Orbán na Hungria, que governa virtualmente por decreto.
Bolsonaro, Trump, e Johnson (este mais bufão que iliberal), no entanto, fizeram pouco caso dela.
Este paradoxo pode ser explicado pelo fato de que os dois últimos depararam-se com ameaças —impeachment e Brexit— que precediam a pandemia. Contavam com maiorias parlamentares disciplinadas: Trump foi inocentado no Senado, onde tem maioria; apenas um senador de seu partido (Mitt Romney) votou a favor. Contudo deparavam-se com checks and balances robustos e opinião pública ativa.
Bolsonaro é liderança iliberal hiperminoritária, o que é um oxímoro. Mas a contradição desfaz-se quando se examina as condições excepcionais de sua ascensão: a formação de uma maioria negativa que o rejeitava menos que o rival. Sua crescente vulnerabilidade explica a aliança com o centrão. Ela fortalece seu escudo legislativo (em equilíbrio instável), mas piora a popularidade. Ele também se depara com instituições de controle que adquiriram densidade.
Bolsonaro fez pouco caso da pandemia porque é weak strongman e também por esperar não ser responsabilizado pelo caos sanitário —afinal os serviços de saúde estão a cargo de governadores e prefeitos, que arcarão com seus custos políticos.
Mas importa-lhe o caos econômico —daí ter se antecipado em transferir responsabilidade para governadores. Aqui a jogada é radical: dos 12 governadores que o apoiaram, apenas 3 o fazem agora (ante 26 em 50, nos EUA, que são co-partidários de Trump).
Sua declinante popularidade eleva a probabilidade de derrocada. Mas a emergência sanitária e o afastamento do presidente são mega questões que tendem a ser mutuamente excludentes na agenda pública.
Disputa semelhante —mas de sinal contrário— ocorreu nos EUA, onde o impeachment ocupou a agenda congressual, deslocando a questão da pandemia.
O pedido de impeachment foi aprovado em 18/12/2019 pela Câmara dos Representantes, e o voto no Senado ocorreu em 5 de fevereiro. Já no Reino Unido, a disputa de agenda envolvendo o Brexit teve desenlace após as eleições gerais de 13/12/2019 e rodada de três votações entre 19/12/19 e 23/01/20, quando recebeu o Royal Assent. A pandemia só entra na agenda de Reino Unido e EUA em março e abril.
Se o afastamento e o horror sanitário mantiverem-se separados na agenda, Bolsonaro dificilmente será afastado. Mas, se suas ações cotidianas são vistas como ameaça, abrem-se possibilidades para fazê-lo.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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