- The Washington Post /O Estado de S. Paulo
Para superar os rivais republicanos é preciso abraçar a diversidade, como uma tenda que inclui a todos
A convenção democrata começou como um mosaico de americanos recitando o preâmbulo da Constituição dos EUA – uma impressionante exibição de diversidade étnica, racial e de gênero. Mas o mais importante é o fato de que, desta vez, os democratas tomaram cuidado para comemorar o tipo de diversidade ideológica que é crucial para chegar à Casa Branca.
A convenção apresentou destacados ícones progressistas, como Bernie Sanders e Stacey Adams, moderados como Hillary Clinton e o ex-republicano Mike Bloomberg, e conservadores como John Kasich, Cindy Mccain e Colin Powell.
Na mídia social, muitos reagiram furiosamente com a inclusão de republicanos, e um usuário perguntou sarcasticamente: “Quando Dick Cheney vai falar?”
Mas Joe Biden parece compreender que o Twitter não dará o voto decisivo na eleição. Ele está retomando uma fórmula vencedora para os democratas, que é o partido abrangente como uma grande tenda. “Não sou membro de nenhum partido político organizado, sou um democrata”, brincou Will Rogers. A brincadeira expressou uma verdade importante.
Os democratas dominaram a política americana dos anos 30 aos 60, porque incluíram todo tipo de pessoa, dos segregacionistas do Sul aos liberais do Norte. Foi uma espécie de pacto com o diabo. Entretanto, aquela coalizão resgatou o país da Grande Depressão e aprovou o seguro social, o medicare, os cartões alimentação, o programa Head Start de ajuda às famílias e uma série de outros que ajudaram tanto os americanos brancos quanto as minorias.
Não se tratava apenas de uma fórmula democrática. Quando Ronald Reagan reformulou o Partido Republicano, nos anos 80, destacou reiteradamente que ele havia sido democrata e um organizador sindical, que respeitava as bases democratas e compreendia quão difícil era para elas romper com um sentimento de lealdade política de décadas. Cultivou a direita religiosa, mas à distância. Nos oito anos de sua presidência, nunca participou do comício anual contra o aborto – preferindo dar o seu apoio pelo telefone –, embora o evento se realizasse a 800 metros da Casa Branca.
No início deste ano, quando perguntaram que papel ela poderia desempenhar se Biden se tornasse presidente, a deputada democrata Alexandra Ocasio-cortez disse: “Oh, Deus. Em qualquer outro país, Joe Biden e eu não estaríamos no mesmo partido.” Ela provavelmente está certa, mas nos EUA é diferente. Principalmente porque o país é muito grande.
Na realidade, os seus fundadores se preocuparam com o fato de que, no passado, a democracia havia florescido somente nas pequenas cidades-estado. Eles acreditavam que um grande país diferenciado, como os EUA, poderia esbarrar em desafios cruciais para o processo democrático. E eles pensavam apenas nas 13 colônias, todas a leste dos Montes Allegheny.
Em uma nação tão vasta, continental, de 330 milhões de habitantes, com uma enorme diversidade geográfica, de atividade econômica, de história e cultura, deveria ser óbvio que nem todo mundo tem a mesma visão das coisas.
Para alguns guerreiros ideológicos, aceitar esta realidade é assumir compromissos sórdidos. No entanto, é a única maneira durável para realmente conseguir que se faça o que deve ser feito. Sanders é uma força poderosa nos EUA e levantou várias questões importantes. Mas, em seus 30 anos no Congresso, ele foi o patrocinador de apenas sete projetos de lei que foram promulgados – dois dos quais sobre os correios. Se quiser traduzir ideias em ação, será preciso lidar com as realidades políticas do país.
No caso da imigração ou da infraestrutura, provavelmente, só se conseguirá fazer mudanças duradouras se for criada uma coalizão. Ezra Klein afirma que os democratas precisam ter um apelo muito grande. Em primeiro lugar, o seu eleitorado é mais variado do que o dos republicanos – desde os brancos do Norte aos negro do Sul, e aos latinos do Oeste.
Acrescente-se a redistribuição dos distritos e o colégio eleitoral, que ajudam os republicanos a ganhar o poder, mesmo quando não conseguem a maioria dos votos, e os democratas precisarão de uma forte razão prática para serem um grande partido, como uma tenda que inclui a todos.
Pode até haver uma virtude maior neste tipo de abordagem mais ampla. Um estudo recente concluiu que equipes ideologicamente variadas produzem um trabalho melhor do que as homogêneas. Resumindo, na Harvard Business Review, os pesquisadores notaram que, no nível individual, uma visão que toma um partido pode levar a investimentos tolos e conclusões errôneas. Mas as pessoas com fortes preconceitos políticos são também inflamadas e trabalhadores esforçados que vão fundo na busca de informação para provar que estão certos. “Coletivamente, equipes com uma mistura de preconceitos, que estão dispostas a se engajar e a colaborar, podem apresentar um desempenho superior”, concluíram.
No ano passado, estudiosos de Stanford reuniram 523 eleitores registrados para falarem sobre as suas discordâncias em pequenos grupos. Depois de vários dias, progressistas e conservadores haviam mudado os seus pontos de vista de maneira significativa e a parcela de participantes que acreditava que a democracia americana estava “funcionando bem” havia dobrado de 30% para 60%.
Se os democratas continuarem a abraçar este tipo de democracia deliberativa, terão a oportunidade de fazer mudanças políticas, e o que é talvez mais importante, de sanar a sua combalida cultura democrática.
Mudanças duradouras só são possíveis quando se forma uma coalizão política ampla/ Tradução de Anna Capovilla
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