Adriano Calcanhoto muito bem vaticinou que os cariocas não gostam de dias nublados. Não podemos nos esquecer de que na mesma canção ela alerta para o fenômeno dos cariocas não gostarem de sinal fechado. Numa liberdade poética que nos indica o quanto a cultura cívica do carioca seria rarefeita muito antes das medidas de distanciamento social. A política carioca é de um alto grau de déficit democrático aonde de tempos e em tempos faz surgir uma liderança carismática.
Ousemos em chamar “A Fábrica do Poema” (1994) um trabalho brechtiano. E, agora na canção “Inverno”, observemos uma metáfora da sociologia política da transição política desse carioca “bestializado” pela nacionalização da política. Anos e anos de ondas liberais sem compromisso com a incorporação democrática no Rio de Janeiro periférico deixou que a margem da informalidade em economia se misturasse com a política de viés autoritário.
Nos anos 80 do século passado teria sido vaticinado por um sociólogo que o “populismo” seria o cavalo de Tróia do autoritarismo. Eis que o Rio de Janeiro se deixou levar por esse caminho mais apocalíptico que um período glacial para as forças vivas da sociedade. A história da política de equívocos da cultura de identidade nessa cidade, que vive numa “nostalgia” de ter sido Capital, ocuparia inúmeras páginas sem leitores. Aliás, há poucos leitores que interpretam essa cidade e deixam levar pelos “influenciadores” novos mediadores da sociedade inorgânica com a vida política.
Todavia, voltemos a figura de um cavalo de Tróia que introduziu essa tendência autoritária o qual grupos armados se envolvem com o “mercado” (inclusive o imobililiário) acumulando muitos recursos financeiros com condições para se fizer presente no espaço da política. Além disso, os novos sujeitos da sociedade carioca se viram carentes de lideranças do campo democrático nas periferias por isso uma grande fragmentação de “coronéis da fé” emergiu nos territórios mais carentes como mediadores do voto. O Rio de Janeiro que muito se inspirou nos franceses “termidorianos” e da arquitetura da III República Francesa vive num um enredo com inúmeros “Elmer Gantry” fazendo política.
Seria essa uma profecia do caos? Melhor compreender que seria um balanço político de uma Esquerda que se deixou seduzir ou pelo liberalismo ou pelo populismo. Em décadas, a democracia foi cálculo de voto nas urnas para muitas agremiações partidárias das forças progressistas. Deixaram a periferia entregue aos Velociraptores do Parque dos Dinossauros. Não se fez alianças mais para fortalecer o campo democrático, mas para acumular “capital político” no legislativo municipal. Por fim, no limite do “mercado do voto”, se fez uma troca de “cadeiras” nas legendas partidárias sem ultrapassarem seu gueto.
Entretanto, desejam sair dessa cultura política de “gueto”? Os primeiros sinais de articulação política que já se manifestam nas pesquisas eleitorais sugerem que não houve aprendizado com a derrota eleitoral e política de 2018. Alimentam o “sonho do segundo turno” de 14 dias de articulação e campanha num ano de Pandemia. Os robôs do WhatsApp não vão se silenciar no momento decisivo. Deixar o centro político vazio será mais uma oportunidade para que os espíritos do “fascismo tupiniquim” se manifestem. A segunda onda do “Mito” na versão do populismo é uma ameaça que se aproxima. Enquanto isso se comemora estar acima dos 5% das intenções de voto.
*Vagner Gomes de Souza é professor
Nenhum comentário:
Postar um comentário