- Folha de S. Paulo
São vários os mitos e falácias sobre o voto dos pobres
Há uma perplexidade descabida com o crescente apoio de Bolsonaro no Nordeste. Reação semelhante ocorreu quando ele propôs o 13º ao Bolsa Família.
A perplexidade está ancorada em argumentos equivocados sobre a natureza do voto dos setores pobres.
Na sua versão, digamos, maximalista (ou "milenarista"), assume-se que os pobres em certas conjunturas são despertados do seu torpor e adquirem "consciência de classe". Uma delas teria ocorrido, nesta visão, em 2006, quando o voto no PT deslocou-se dos centros urbanos para os "grotões".
Na versão mais difundida, há o suposto de que o eleitorado pobre da região sempre premiará as políticas redistributivas da esquerda, ignorando que a competição política cria incentivos para todos os atores envolvidos promoverem políticas semelhantes (vide o teorema do eleitor mediano).
Nesse debate, há muita falácia ecológica: inferem-se atributos de eleitores a partir de atributos da região.
Aqui não estamos sós: nos EUA é frequente a incompreensão sobre o fato de que indivíduos de mais baixa renda votam nos democratas, mas os republicanos ganham nos estados mais pobres do sul. E vice-versa.
Trata-se de um jogo em dois níveis: estadual e federal, em que o governador é ator central. O caso do Maranhão é exemplar: em 2016, quando o PC do B elegeu 46 prefeitos —um aumento de 920% em relação à 2012, época em que o partido controlava cinco prefeituras—, a esquerda festejou a transformação, em apenas quatro anos, do Maranhão na maior concentração já vista de prefeitos comunistas em democracias. Mas isso foi um claro subproduto da conquista pelo partido do governo do estado em 2014; era uma manifestação extremada de "qualunquismo" —combinação de governismo resultante da impotência somado à uma certa indiferença e cinismo cívico.
O eleitor —do Maranhão ou do Paraná— maximiza a mesma função de bem-estar. O que muda regionalmente é a centralidade do governo estadual na política. Nos estados pobres, o/a governador/a controla a máquina que alimenta as redes políticas locais e depende mais do governo central.
Para o eleitor pobre, a estratégia dominante é votar nos candidatos dessas redes --por suas conexões federais e também pelo receio de ser excluído dos benefícios gerados por elas. O eleitor será o árbitro de trade offs entre ganhos "federais" e "locais". O mapa do voto reflete incentivos múltiplos e não se reduz a identidades partidárias ou ideológicas.
O bloco de governadores oposicionistas no Nordeste reflete a hegemonia do PT no plano federal por 14 anos. Esse equilíbrio político foi alterado pela eleição inesperada de Bolsonaro, o que engendrou a inusitada geografia do voto atual.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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