- Valor Econômico
O que se passa em áreas como educação, saúde, ambiente e relações exteriores está longe de ser normal
Com a atitude menos beligerante de Jair Bolsonaro desde junho e o aumento recente da popularidade do presidente, os graves equívocos e retrocessos do governo em diversas áreas começam a ficar em segundo plano. As políticas para setores como educação, saúde, ambiente, relações exteriores e cultura continuam preocupantes, mas esses temas têm perdido destaque, num momento em que a discussão se concentra nos contornos da política fiscal de 2021 e na formatação do Renda Brasil, um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família. A iniciativa deve ser lançada depois do fim do auxílio emergencial - o principal fator por trás da melhora da aprovação de Bolsonaro.
O futuro do teto de gastos e o desenho de um programa como o Renda Brasil são assuntos sem dúvida importantes, que terão papel relevante na definição da segunda metade do atual governo. No entanto, além do impacto negativo de curto prazo, as políticas para áreas como educação, saúde e ambiente terão grande influência nas perspectivas de longo prazo do país, e o que se vê nesses segmentos é grave.
A educação, por exemplo, será decisiva para o país enfrentar o problema crônico da baixa produtividade. A saída do inacreditável Abraham Weintraub do ministério foi uma boa notícia, mas Milton Ribeiro, o novo ministro, ainda não deixou claro qual será a sua orientação para a área. Ribeiro não deverá buscar o confronto ideológico aberto e sem sentido como fazia Weintraub, mas por ora não há indicações de que ele vai concentrar esforços em temas cruciais, como os problemas de aprendizagem na educação básica. Com mais de um ano e meio de governo, o ministério segue sem norte numa área em que o Brasil não pode perder tempo, dada a péssima qualidade do ensino na maior parte do país.
A falta de rumos é ainda mais clara no Ministério da Saúde. Depois de substituir Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich ficou menos de um mês como ministro, tendo pedido demissão em 15 de maio. No meio da pandemia, a pasta é tocada por um interino que não é da área, o general Eduardo Pazuello. Bolsonaro minimizou o tempo todo a gravidade da covid-19, defendendo o uso da cloroquina, um medicamento sem eficácia comprovada para combater a doença.
O país já registra quase 115 mil mortes pela covid-19, número que poderia ser menor se houvesse uma maior coordenação das autoridades dos três níveis de governo. Isso não existiu principalmente devido à atitude de Bolsonaro de não dar importância ao problema e pressionar o tempo todo pela reabertura da economia. Há sinais de redução da quantidade de óbitos, mas eles ainda permanecem em nível elevado.
No ambiente, a situação é crítica. De agosto de 2019 a julho de 2020, o desmatamento na Amazônia cresceu 33,3% em relação aos 12 meses anteriores. Empresários e investidores do Brasil e do exterior têm mostrado descontentamento com a política ambiental brasileira, pedindo ao governo que combata as queimadas na floresta, como na carta enviada por CEOs de grandes empresas ao vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal.
Além dos efeitos desastrosos sobre o ambiente em si, essa política pode afetar as exportações do agronegócio e afastar parte do investimento estrangeiro do país, num quadro em que empresas e fundos exibem preocupação cada vez maior com a sustentabilidade. Há também o risco para acordos comerciais, como o fechado entre o Mercosul e a União Europeia (UE). Na sexta-feira, foi a vez de a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, manifestar dúvidas sobre o acerto, dada a situação da Amazônia.
Na visão do governo brasileiro, a Alemanha seria um dos países europeus que teriam uma visão mais favorável ao acordo, que encontra oposição mais forte em nações como a França e a Holanda, por exemplo. Agora, a própria Angela Merkel indicou ter resistências ao tema.
A política externa é outra fonte de problemas. O alinhamento automático de Bolsonaro ao governo de Donald Trump pode ser prejudicial ao país. Se o democrata Joe Biden ganhar as eleições deste ano nos Estados Unidos, o Brasil deverá ter dificuldades no relacionamento com a nova administração americana. A política ambiental brasileira, por exemplo, seria vista com maus olhos por um governo comandado por Biden.
Os conflitos gratuitos com a China também são preocupantes. Entrar em confronto com o principal destino das exportações brasileiras não é obviamente uma estratégia das mais inteligentes.
Além dessas quatro áreas, há problemas graves nas políticas do governo para a cultura e para minorias. Esse inventário aponta para questões conhecidas, mas que parecem atrair hoje menos atenção, ainda que sigam preocupantes.
Bolsonaro passou a evitar os confrontos quase diários que marcaram grande parte de seu governo, embora ontem tenha tido uma recaída, ao atacar um repórter de “O Globo”, ao ser perguntado sobre depósitos feitos por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro (ler mais em Presidente ataca repórter por pergunta sobre Queiroz). De todo modo, sem o presidente entrar em conflito frequente com o Judiciário e o Legislativo e com a imprensa, parece haver uma acomodação quanto a políticas do governo que causam problemas para o país em áreas sensíveis. E, com o auxílio emergencial de R$ 600, a popularidade do presidente voltou a melhorar.
Nesse cenário, as discussões têm se concentrado principalmente no futuro do teto de gastos e no novo programa de transferência de renda. São temas de fato muito relevantes - a política fiscal a partir de 2021 será essencial para a sustentabilidade das contas públicas e para o crescimento, enquanto o Renda Brasil poderá ser uma nova etapa das políticas sociais num país extremamente desigual, nos dois casos com grande impacto sobre as eleições presidenciais de 2022.
O que se passa na educação, saúde, ambiente e relações exteriores, porém, está longe de ser normal. Dar menos atenção ao que ocorre nessas áreas tem e terá um custo elevado para o país.
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