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O
sofrido papel das primeiras-damas
Cada uma ao seu modo, e por motivos diversos, as primeiras-damas
padecem tanto ou mais do que seus maridos por conta de encrencas em que eles se
meteram e que elas desconheciam. Isso é especialmente verdade no caso dos
presidentes da República eleitos pelo voto direto de 1989 para cá.
O primeiro foi Fernando Collor. Seu tesoureiro de campanha,
Paulo César Farias, certa vez disparou uma frase que se tornaria famosa:
“Madame está gastando muito”. A madame Rosane Collor não sabia que seus gastos
eram pagos pelo tesoureiro com sobras do dinheiro arrecadado para financiar a
campanha do marido.
Collor foi derrubado por um pedido de impeachment. Antes de ser,
sua última tentativa de manter-se no poder foi a desastrada Operação Uruguai, o
falso empréstimo de 3,75 milhões de dólares contraído em Montevideo para
justificar as elevadas despesas do casal e tirar da história PC Farias e as sobras
de campanha.
Itamar Franco, que sucedeu Collor, foi um presidente solteiro.
Ruth Cardoso soube pelo marido, Fernando Henrique, que ele tivera um caso
amoroso com a jornalista Miriam Dutra e que era pai de um filho dela. O caso
houve. Muitos anos depois, ficou provado que o filho, reconhecido pelo
presidente, não era dele.
Marisa Letícia Lula da Silva morreu de um aneurisma cerebral.
Mas nos meses que antecederam sua morte sofria com a situação enfrentada pelos
filhos com o avanço das investigações da Lava Jato sobre o marido. Cobrava que
Lula não confrontasse a Justiça, adotando uma postura mais moderada. Não foi
ouvida.
Dilma não tinha marido para chamar de “primeiro damo”. Marcela
Temer, uma primeira-dama do lar, dedicada à criação do filho, foi surpreendida
pela revelação de que o marido fora gravado dentro do palácio onde moravam, e
depois duas vezes denunciado por corrupção. Livrou-se das denúncias, mas não de
ser preso depois.
Como deverá sentir-se a primeira-dama Michelle Bolsonaro com a
descoberta feita pelo Ministério Público do Rio de que sua conta bancária era
abastecida com dinheiro depositado por Fabrício Queiroz, à época chefe de
gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro? Talvez nem soubesse que
usavam sua conta.
Foram 27 depósitos entre 2011 e 2016, num total de 89 mil reais.
Em 2018, um relatório do Conselho de Atividades Financeiras apontou depósitos
no valor de 24 mil. Nada transpirou, para a sorte do marido candidato. Quando
transpirou, ele acabara de ser eleito. Seria pagamento de um empréstimo que
fizera a Queiroz.
Meses depois, Bolsonaro corrigiu-se. Disse que emprestara a
Queiroz 40 mil. Agora, ainda não disse nada sobre os 89 mil reais, nem sobre o
fato de que uma parcela desse dinheiro foi depositada na conta de Michelle por
Márcia, mulher de Queiroz. Os dois estão em prisão domiciliar. Deverão ser
ouvidos a respeito.
Depois dessa, é difícil que se sustente a desculpa do
empréstimo. Pela conta bancária de Queiroz, no período entre 2007 e 2018 quando
ele foi chefe de gabinete de Flávio, passaram mais de 6 milhões de reais – 1,6
milhão de salários pagos a ele, 2 milhões de depósitos de servidores do
gabinete, 900 mil sem origem.
Por que um homem com tais rendimentos precisaria tomar um
empréstimo de 40 mil reais a Bolsonaro? Por que servidores do gabinete
depositaram na conta de Queiroz 2 milhões de reais? Só de despesas pessoais de
Flávio e de sua mulher, está provado que Queiroz pagou 286 mil reais, e sempre
em dinheiro vivo.
Suspeita o Ministério Público do Rio que Queiroz foi mais do que
um financiador de Flávio, pagando despesas da família inteira. Como Paulo César
Farias fez com parte dos Collor. Bolsonaro, o pai, conheceu Queiroz quando
ainda servia ao Exército. Ficaram amigos. Foi ele que pôs Queiroz para cuidar
de Flávio.
Ao longo de quase três décadas, segundo levantamento do jornal O
GLOBO, a família Bolsonaro teve 22 dos seus integrantes empregados nos quatro
gabinetes de Jair, Flávio, Carlos, o vereador, e Eduardo, deputado
federal. Nos de Jair, Flávio e Carlos, Queiroz empregou sete dos seus
parentes desde 2006.
No slogan de sua campanha, que virou também uma marca do seu
governo, o presidente Bolsonaro fala em Brasil acima de tudo, e Deus acima de
todos. Está na hora de atualizá-lo para destacar também a importância da
família.
De
casa para a prisão
Numa deferência especial do ministro João Otávio de Noronha,
presidente do Superior Tribunal de Justiça e candidato a uma vaga de ministro
do Supremo Tribunal Federal, Fabrício Queiroz foi tirado de detrás das grades e
posto em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. A mulher de Queiroz,
Márcia, que fugira, reapareceu, aconselhada por Noronha a ir cuidar do marido.
Com isso, deu-se por exorcizado o demônio da delação da família
Queiroz que assombrava a família Bolsonaro. Delação não só do casal, mas
possivelmente de uma de suas duas filhas que foram também empregadas nos
gabinetes de Flávio Bolsonaro, hoje senador, e do pai, hoje presidente da
República. Ocorre que a deferência de Noronha pode estar com seus dias
contados.
O relator do pedido de habeas corpus impetrado pela defesa de
Queiroz é o ministro Felix Fischer, que estava de férias. Noronha, de plantão,
atendeu ao pedido por meio de liminar. Recentemente, Fischer foi internado duas
vezes para submeter-se a uma cirurgia, e deu-se como certo que ele demoraria a
reassumir seu posto. Noronha chegou a sugerir que talvez jamais
reassumisse.
Pois Fischer recuperou-se e está de volta. É um dos ministros
mais rigorosos, ee não o mais rigoroso do tribunal. À espera dele está um
parecer do subprocurador-geral da República Roberto Luís Oppermann Thomé, que
qualifica Queiroz de “operador financeiro” do gabinete de Flávio e recomenda a
sua volta à cadeia. Se isso acontecer, Márcia também irá para a cadeia.
E o demônio da delação ressurgirá.
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