- O Globo
Longe do governo há quase um ano, o ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra reconhece a sua proposta de reforma tributária nas declarações do ministro Paulo Guedes, quando ele fala sobre a criação de um imposto digital. Cintra diz que pela arrecadação esperada, a base de tributação não pode ser apenas as grandes empresas de tecnologia, mas todas as transações financeiras. Ou seja, algo semelhante a uma CPMF. Ele acha que o governo tem errado ao não expor o projeto na íntegra, porque isso tem gerado ruído e aumento de resistência à reforma. E afirma que o presidente Jair Bolsonaro foi o primeiro a interditar o debate sobre o novo tributo.
Em uma longa conversa com a coluna, o economista Marcos Cintra falou sobre o que ele define como imposto de pagamentos e as vantagens que vê nesse tipo de tributo. Ele acredita que esse é o único caminho para destravar a reforma tributária e diz que é exatamente isso que o governo pretende apresentar na quarta fase do projeto, pelo que tem entendido das declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes.
— Com muita sinceridade, tudo indica que é o mesmo projeto que estava pronto há um ano atrás. Foi apenas recalibrado. O próprio ministro falou isso na Comissão. A alíquota de 0,2% de cada lado, para gerar R$ 60 bilhões, tem que ter a base mais ampla possível. Então seria o que estava se discutindo lá atrás e que gerou a interdição do debate, primeiramente pelo presidente da República, o que levou à minha exoneração, e depois pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que disse que não o colocaria em pauta — explicou.
Ontem, em artigo no
GLOBO, o economista Rogério Werneck, da PUC-Rio, mostrou que a arrecadação da
CPMF, em 2007, foi de R$ 36,5 bilhões. Pela alíquota cobrada na época, de
0,38%, a base de incidência do imposto teria que ser R$ 9,6 trilhões, mais de
três vezes o PIB daquele ano. Isso comprovaria o forte efeito cumulativo do
tributo. “A mágica decorria da incidência em cascata da CPMF que dava lugar a
uma base fiscal fictícia”, escreveu Werneck. Marcos Cintra entende que essa
incidência em cascata é um problema menor diante da alíquota elevada que uma
contribuição como o IVA teria sobre o setor de serviços.
— Eu prefiro um
imposto cumulativo de alíquota de 1% do que um imposto de valor agregado com
alíquota de 12%. O fatiamento do projeto foi um grande erro do governo, porque
impediu as pessoas de verem o conjunto e os benefícios de um imposto de transações
— defendeu.
O ex-secretário
concorda com quem afirma que a proposta do governo é diferente do que tem sido
discutido na Europa. Por lá, apenas a Hungria tem um imposto nos moldes da
CPMF, segundo Cintra. O que se discute na França e na Inglaterra é uma forma de
taxar as grandes empresas de tecnologia — em um imposto muito parecido com a
nossa Cofins — mas ele avalia que isso teria um potencial de arrecadação baixo
no Brasil. Por esse caminho, não seria possível desonerar a folha de pagamentos
e compensar o setor de serviços pelo aumento de carga de um Imposto de Valor
Agregado (IVA).
— Sem compensar os
setores de serviços e agropecuário não haverá reforma tributária, porque eles
terão um aumento grande de carga e vão inviabilizar a tramitação. E um imposto
apenas sobre as grandes empresas de tecnologia não arrecada o suficiente para
desonerar a folha.
Na Comissão Mista do
Congresso, na última quarta-feira, Paulo Guedes falou que comparar o imposto
digital a uma CPMF é maldade ou ignorância. Cintra diz que é preciso que o
governo venha a público e apresente a proposta:
— Fica-se apenas com
as críticas e o preconceito que se tem contra esse imposto. O governo deixa
alimentar esse tipo de inquietude, sem esclarecer como funciona o tributo, qual
é a base, quais são as regras.
O economista diz que
deixou o governo sem mágoas, porque não via sentido em participar de uma
reforma sem que fosse para tentar um imposto de pagamentos — que é seu objeto
de estudo de toda a vida. Agora, de longe, vê a mesma proposta ser retomada,
mas sem que o governo tenha coragem de a assumir publicamente.
Os argumentos dos que
são contra a CPMF me convenceram. Mas aqui estão os de Cintra, que a defende.
Enquanto o ministro não apresenta seu projeto, o país perde tempo discutindo
sobre hipóteses.
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