- O Estado de S.Paulo
Teto de gastos está caindo de maduro com todos os movimentos que têm ocorrido em Brasília
Após quase cinco meses dos efeitos da pandemia no Brasil, já era tempo de o governo ter apresentado um mapa de navegação para os gastos na travessia deste segundo semestre. Isso inclui um plano efetivo de transição do auxílio emergencial de R$ 600.
Um planejamento mínimo do que pretende fazer até o fim do ano, inclusive para os que estão recebendo os diversos auxílios do governo (pessoas físicas, empresas e governos regionais), quando está previsto o fim do estado de calamidade decretado por conta da pandemia.
Quanto se espera gastar? Tirar o País do escuro e dizer de fato o que quer fazer com o teto de gastos e as prioridades para os próximos meses. Aumentar a previsibilidade. Não teria sido melhor traçar uma estratégia clara e objetiva até o fim do ano, como recomendaram os especialistas?
Mais do que nunca é preciso insistir na mesma tecla (o assunto já foi abordado na coluna da semana passada) porque só piora empurrar a discussão para debaixo dos panos. Muito menos por meio de balão de ensaio, com consultas mandrakes no TCU e tentativas atabalhoadas lançadas por aliados no Congresso, inclusive com propostas de prorrogação da calamidade para 2021 – o que garantiria a retirada das travas fiscais também no ano que vem.
Como se viu nas últimas semanas, o Tesouro já sofre com o encurtamento da dívida. Investidores estão no escuro porque não querem comprar os títulos públicos, que financiam a dívida e colocam dinheiro no caixa, sem saber qual é o compromisso do governo para a recuperação econômica no curto e médio prazos. O problema de liquidez é preocupante.
É tema técnico, árido, quase burocrático, mas de enorme importância porque afeta a maneira pela qual o governo pretende encaminhar o Orçamento de 2021. Perdoem alguns, mas o assunto tem efeito na vida da população.
A encruzilhada está logo ali, no fim de agosto, quando o governo terá de enviar o projeto de Orçamento de 2021. Por isso, o tema “aumento de gastos” ganhou nos últimos dias a dimensão que teve. Viralizou em Brasília.
É pressão por todos os lados. Desta vez, nem os militares que costumam tachar tudo de secreto escondem mais o jogo: queremos e cobramos mais dinheiro para as Forças Armadas. Ponto pacífico. Vão ganhar.
Como ainda não conseguiu viabilizar o Renda Brasil, o seu programa social e também uma plataforma eleitoral rumo a 2022, o presidente dá corda para os seus auxiliares e líderes lançarem os seus balões de ensaio.
O teto é um empecilho para os planos e o TCU avisou esta semana que não vai aceitar manobras no orçamento de guerra aprovado na pandemia para enfrentar a covid-19 para driblar o teto de gastos. O recado foi dado, durante sessão virtual da Corte de Contas, pelo ministro Bruno Dantas, que é responsável pelas contas do Ministério da Economia. Foi o mais importante alerta até agora.
Uma saída que passou a ser discutida é a aprovação de uma espécie de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para definir o caminho do orçamento de guerra em 2021.
Bolsonaro quer fazer a mudança do teto via mão do Congresso. Se der errado o plano de estimular a economia com a flexibilização fiscal, a responsabilidade será dos parlamentares. A prática comum até aqui do presidente tem sido a de transferir responsabilidades. Essa não será a primeira vez.
O que se vê até agora é que o teto de gastos está caindo de maduro com todos os movimentos que têm ocorrido em Brasília.
Até os mais fiscalistas dentro do próprio governo concordam nesse ponto e vão além: a certeza de que será preciso aumento de impostos. Esse caminho já estaria “contratado” na reforma tributária, mesmo com o discurso do governo e do Congresso de que não haverá aumento da carga tributária.
Muitos vão dizer que o trabalho tem sido intenso na pandemia. É verdade. Mas falta organização das prioridades e sobra desgaste com coisas de menor importância.
A essa altura do avanço da pandemia, após o presidente recomendar à população “tocar a vida para buscar uma maneira de se safar desse problema”, mesmo diante da perspectiva de que o Brasil atinja a trágica marca de 100 mil mortes pelo coronavírus, fica mais difícil convencer que precisará de regras fiscais mais brandas para gastar mais em nome da pandemia que ele mesmo nega todo o tempo.
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