quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Celso Ming - Inflação real e inflação percebida

- O Estado de S.Paulo

Nada indica disparada dos preços que levante preocupações especiais com eventual erosão do poder aquisitivo da população

A inflação de agosto medida pelo IPCA foi de apenas 0,24%, mais baixa do que o 0,36% de julho e, no entanto, a sensação de alta de preços provocou inesperada tensão política que lembrou os velhos tempos da hiperinflação.

Os dirigentes dos supermercados pediram providências urgentes do governo para conter os preços dos produtos da cesta básica. Em resposta, o presidente Bolsonaro, às vésperas das comemorações de 7 de Setembro, fez apelos ao patriotismo dos empresários para que segurassem as remarcações.

Esses apelos sugeriram que o principal instrumento de controle dos preços teria mais a ver com o comportamento humano e com a moralidade do que com os imperativos da lei da oferta e da procura.

De todo modo, nada indica uma disparada dos preços que levante preocupações especiais com eventual erosão do poder aquisitivo da população. A alta acumulada no ano até agosto foi de apenas 0,7%, e os analistas de economia consultados pelo Banco Central para o Boletim Focus apontam, para todo o ano de 2020, uma inflação de 1,78%. Por que, afinal, a apreensão?

Por trás dela há algumas distorções. A primeira tem a ver com uma alta real de itens importantes da cesta básica. Os preços do arroz, por exemplo, acumularam avanço de 19,2% nestes primeiros oito meses do ano. E os do óleo de soja, o mais consumido pela população, alta de 18,6%.

Esse avanço dos preços do óleo de soja tem uma explicação. Trata-se de um produto cotado em dólares, porque largamente exportado, e, neste ano, as cotações da moeda americana em reais subiram mais de 30%. O aumento dos preços do arroz foi produzido pelo aumento do consumo interno. O confinamento, por si só, puxou a demanda de alimentos básicos. E há o auxílio emergencial, que pôs algum dinheiro no bolso das pessoas de baixa renda, que, por sua vez, aumentaram a procura por itens básicos.

Mas isso não é tudo. Como já comentado por esta Coluna em outras oportunidades, os índices de preços sofreram certa deformação estatística que se imagina temporária. O confinamento mudou a estrutura de consumo. Despesas com viagens, serviços pessoais (como cabeleireiro, manicure), roupas, academia, restaurantes, bares, etc., foram substancialmente reduzidas. Em compensação, aumentaram as com alimentos.

No entanto, o IBGE seguiu com as coletas de preços nos mercados e nas unidades de serviços, como se a cesta média de consumo não tivesse sofrido alterações. E calculou a variação do custo de vida levando em conta os mesmos pesos apresentados pelos itens de consumo vigentes antes da pandemia.

Quando a vacina estiver disponível e à medida que a vida se normalizar, essa distorção técnica também deve desaparecer ou, pelo menos, reduzir-se. Abaixo está um gráfico que mostra os pesos de cada uma das grandes áreas de consumo no custo de vida.

Outra distorção é meramente psicológica. As pessoas tendem a dar mais importância às variações dos preços dos alimentos do que às de outras áreas da economia, especialmente nos serviços.

Essa é a principal razão pela qual tão frequentemente se ouve a observação de que o comportamento dos preços nas feiras e nos supermercados não guarda proporção com os índices oficiais de inflação. Nessa hora, as pessoas não levam em conta que as despesas com aluguel, condomínio, condução, mensalidades escolares e outros serviços não subiram ou até caíram, embora continuem a fazer parte importante do orçamento doméstico.

Boa questão está em saber como o Banco Central vai lidar com essas novas tensões na hora de rever os juros básicos (Selic) na próxima reunião do Copom, marcada para dia 16.

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