Suspensão de testes mostra que não há milagre: o caminho até a vitória contra a Covid promete ser longo
A corrida pela vacina contra o novo coronavírus tem quebrado todos os recordes científicos e tecnológicos. A perspectiva de que as primeiras candidatas vençam todas as fases de pesquisa em um ano — vacinas anteriores levaram no mínimo cinco — enche a humanidade de esperança. A vacina é vista como um milagre ou passe de mágica, capaz de fazer a vida voltar ao normal. Políticos se aproveitam disso. Nos Estados Unidos, Donald Trump planeja começar a vacinar a população antes da eleição de novembro. No Brasil, o general-ministro interino Eduardo Pazuello diz que o governo terá a vacina em janeiro. Mas, hoje, nem Trump, nem Pazuello, nem ninguém pode prometer nada.
Não que a esperança seja de todo infundada. Das 180 candidatas, nove estão na terceira e última fase de pesquisa, quatro delas em testes no Brasil. Quanto mais tentativas, maior a chance de alguma dar certo. Só que a realidade está sujeita a percalços. É na fase três, quando testes atingem dezenas de milhares, que aparecem os efeitos menos prováveis. É o que demonstra a suspensão, anunciada anteontem, dos testes da vacina desenvolvida pela anglo-sueca AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, em virtude da reação adversa num paciente.
Trata-se de um alerta: pesquisas mais velozes também acarretam riscos maiores. É essencial não acelerar a aprovação, para evitar repetir fracassos trágicos, como a vacina contra um vírus respiratório associada à morte de duas crianças em 1966, ou uma vacina contra o rotavírus recolhida em 1999, 14 meses depois de aprovada, por ampliar o risco de uma rara condição intestinal.
As adversidades não se resumem às reações imprevistas. Testada em larga escala, uma vacina pode não conferir o grau de imunidade necessário para ser viável. Pode conferir imunidade apenas transitória. Pode oferecer desafios intransponíveis à produção ou à distribuição (as duas principais apostas americanas, baseadas em tecnologia jamais aprovada, demandariam condições de refrigeração inviáveis no Brasil). Pode empacar pela mera falta de frascos de vidro (não há como envasar bilhões de doses no curto prazo).
A esperança na vacina contra o novo coronavírus se inspira em exemplos como varíola, pólio ou sarampo, males controlados graças à eficácia da imunização. Mas tais doenças são a exceção. A resposta mais comum da medicina é o tratamento, por meio de terapias descobertas em pesquisas de décadas, como nos casos da aids ou da tuberculose. A Covid-19 ainda é um mal cercado de incógnitas. Fora as vacinas, várias drogas têm sido testadas contra ela, com resultados tímidos. O que será mais eficaz, vacinas ou remédios? A esperança maior nas vacinas hoje não encontra respaldo na ciência. Apenas na fé.
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