Bolsonaro fala no ‘patriotismo’ dos supermercados, como se isso houvesse funcionado alguma vez
Não é a primeira vez nem será a última que os alimentos encarecem por um aumento de demanda, interna e externa, como o que acontece nos últimos meses. Não deve causar espanto, trata-se de uma lição prática do funcionamento da lei da oferta e da procura. A inflação como um todo continua baixa. O IPCA de agosto, divulgado ontem pelo IBGE, foi de 0,24%, acumulando alta de 2,44% em 12 meses, ainda abaixo da meta de 4%, estabelecida para este ano, inferior mesmo ao limite mínimo de 2,5%.
É preciso consultar a composição do índice para constatar que há nos alimentos alguma pressão inflacionária. Muito à frente dos 2,44% da inflação anualizada, o conjunto de alimentos encareceu 8,83% no período. Entre eles, há casos extravagantes: nos 12 meses encerrados em julho, as carnes aumentaram 75,9%; o feijão carioca, 47,6%; o arroz, 18,3%; o açúcar, 13,1%; e o óleo de soja, 10,7%. É automático o aperto no orçamento das famílias. A situação piora com recessão e desemprego.
Por trás desse movimento de elevação de preços, há, entre outras explicações, o grande poder de compra da China, que, além de tratar de abastecer seu amplo mercado com produtos escassos — carne de porco, por exemplo, porque seu plantel teve de ser dizimado devido a uma gripe suína —, forma estoques para continuar a travar a guerra comercial com os Estados Unidos.
O efeito da ida às compras da China com vigor está evidente no preço das carnes e do óleo de soja cobrados aos brasileiros. O aumento da procura externa, por sua vez, foi turbinado pela valorização de mais de 30% do dólar de um ano para cá, de R$ 4,02 para a faixa de R$ 5,30 hoje. O produtor no campo, compreensivelmente, prefere estocar à espera de cotações ainda melhores.
A isso, some-se a injeção de poder aquisitivo dada ao mercado interno pelo auxílio emergencial de R$ 600, cortado pela metade e prorrogado até dezembro. Cerca de 65 milhões de pessoas têm recebido algum tipo de auxílio governamental. O abono, necessário na crise, também ajuda a pressionar o custo da cesta básica.
O presidente Bolsonaro, em clara inspiração populista, falou para um grupo de seguidores que apelará ao “patriotismo dos supermercados”. O Ministério da Justiça exigiu explicações dos varejistas. Pura balela. Nada acontecerá, como nada aconteceu com o tabelamento da época do Cruzado — a não ser o sumiço de produtos — ou dos “fiscais do Sarney”. O que o governo pode fazer é adotar respostas tópicas, como a redução da alíquotas de importação do arroz anunciada ontem, ainda que medidas do tipo possam provocar a grita dos produtores internos.
Resta esperar os mercados se ajustarem, o que acontecerá inevitavelmente pelo estímulo ao plantio gerado pela demanda. É assim que os mercados funcionam — e é por isso mesmo que não funciona, como nunca funcionou, qualquer controle de preços disfarçado de “patriotismo”.
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