A bola rolava pelas Eliminatórias da Copa quando o locutor parou de narrar o jogo para mandar um “abraço especial” ao presidente Jair Bolsonaro. Aconteceu duas vezes na terça-feira, durante a transmissão de Brasil x Peru. Foi mais um lance do aparelhamento da TV Brasil pelo governo que ameaçava fechá-la.
Na campanha de 2018, o capitão disse que não
investiria mais dinheiro num canal com “traço de audiência”. Acrescentou que
pretendia privatizar ou extinguir a Empresa Brasil de Comunicação, que controla
a emissora. Em pouco tempo no poder, ele abandonou a ideia. Percebeu que
poderia usar a rede de comunicação pública para empregar amigos e fazer
promoção pessoal.
No mês passado, servidores da EBC produziram um
dossiê sobre o uso político da estatal. Contabilizaram 138 episódios de censura
e governismo desde a posse de Bolsonaro. O retorno da fome, o desmatamento na
Amazônia e os cortes na educação deixaram de aparecer na telinha. As palavras
“golpe” e “ditadura” foram proibidas em reportagens que citavam o regime
militar.
A EBC mantinha dois canais de tevê: a NBR, que
divulgava os atos do governo, e a TV Brasil, que sucedeu a antiga TV Educativa.
A pretexto de economizar, o Planalto fundiu as duas programações. A medida
produziu situações bizarras. Programas de entrevistas e até desenhos animados
passaram a ser interrompidos para transmitir solenidades oficiais e discursos
do presidente.
O Repórter Brasil, exibido em horário nobre, ganhou
cara de telejornal da Coreia do Norte. Só dá notícia a favor do governo.
Recentemente, reproduziu entrevistas de autoridades à “Voz do Brasil”, símbolo
do jornalismo chapa-branca.
Quando a TV Brasil foi ao ar, aliados de Bolsonaro
fizeram discursos indignados. Onyx Lorenzoni, atual ministro da Cidadania,
protestou quatro vezes na tribuna da Câmara. “Para a TV do Lula tem dinheiro,
mas para a saúde, não”, disse, em outubro de 2007. “Que necessidade há de o
Brasil criar uma TV para dar proteção, fazer ode e jogar confete e incenso no
presidente da República?”, emendou, em fevereiro de 2008. A emissora foi muito
criticada na era petista, mas não há registros de nada parecido com o que se vê
agora.
O jornalista Eugênio Bucci, professor da USP e
ex-presidente da extinta Radiobrás, diz que nunca acreditou nas ameaças do
capitão de fechar a TV. “Bolsonaro é um efeito da propaganda. Não fazia sentido
que, ao chegar ao poder, ele jogasse fora a EBC”, observa. “Agora acabou
qualquer veleidade de se fazer uma emissora pública e plural. A TV Brasil virou
um aparelhão para uso partidário e culto à personalidade”.
A lei que criou a EBC afirma que “é vedada qualquer forma de proselitismo na programação das emissoras públicas”. Antes do abraço no jogo da seleção, a TV Brasil já havia transmitido ao menos quatro eventos evangélicos com a presença de Bolsonaro. O último, um culto da Assembleia de Deus, ficou duas horas no ar. Nele, o presidente prometeu indicar um pastor para a próxima vaga no Supremo Tribunal Federal. “Isso não é mérito meu, é a mão de Deus”, discursou.
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