O
Judiciário reconheceu sua responsabilidade pelo sequestro, tortura e morte de
opositores da ditadura
No
final de 1973, passei uma semana no DOI-Codi do 2° Exército, em São Paulo.
Nesse período, fui interrogada pelo então major Carlos Alberto Brilhante Ustra,
a quem os subalternos chamavam de Doutor Tibiriçá. Nos porões da repressão,
nenhum agente usava o nome verdadeiro —vários adotavam o mesmo pseudônimo. O
major "doutor" era uma pessoa vulgar, meio fanfarrona, que
demonstrava prazer em infundir medo e gostava de alardear conhecimentos que não
tinha. Não sofri maus-tratos físicos, mas, entre os poucos prisioneiros que vi,
havia pelo menos um com marcas visíveis de tortura.
Os
especialistas chamam de justiça de transição diferentes procedimentos adotados
em países que se democratizaram ou saíram de conflitos armados internos para
lidar com violações de direitos humanos cometidos no passado recente. Incluem
Comissões da Verdade ou outras formas de tornar público o sofrimento das
vítimas; instrumentos judiciais para o reconhecimento dos crimes praticados,
responsabilização ou punição de seus autores; reparações simbólicas e monetárias;
expurgo de funcionários; anistia aos perpetradores.
A
justiça de transição caminha lentamente, com recuos e avanços, sobre a linha
fina que separa o compromisso com os direitos humanos do sempre movediço
cálculo político alimentado pelo receio da reação de quadros e adeptos do
regime anterior.
Ela
não é exclusiva de um país. Nos últimos 30 anos, a América Latina foi um
laboratório de experiências hoje bem documentadas por muitos estudos. Entre
eles, o livro organizado por E. Skaar, J.Garcia-Godos e C. Collins
—"Transitional Justice in Latin America" (justiça de transição na
América Latina)—, que trata das medidas adotadas em nove países da área, entre
eles o Brasil. Ali se vê que, ao contrário do ocorrido na vizinhança, neste
país raros foram os recursos à Justiça.
Ustra,
que chefiou o DOI-Codi entre 1970 e 1974, foi objeto de duas das escassas ações
judiciais impetradas. Acabou condenado em ambas, numa delas ainda sem sentença
final. A Justiça reconheceu sua responsabilidade pelo sequestro, tortura e
morte de opositores da ditadura. Em depoimento à Comissão da Verdade, afirmou
sem corar que, na pele do Dr. Tibiriçá, "cumpria ordens de seus superiores
no Exército".
Falecido
em 2015, Ustra é considerado herói pelo ex-capitão alçado à Presidência e pelo
general seu vice, para quem se tratava de uma "pessoa honrada". Os
louvores falam por si dos valores morais de ambos —antagônicos aos que deveriam
inspirar Forças Armadas cuja missão é proteger o país e sua Constituição
democrática.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Um comentário:
Esse tal de Doutor Tibiriçá ao qual vc se refere, Hermínia, presidiu solenemente as sessões de tortura a que eu, Eduardo Merlino e Eduardo Mattoso fomos submetidos, entre outros mais, centenas, talvez! Se ele respeitava os direitos humanos dos seus subordinados - incluindo os que nos torturavam - que mérito haveria em agradecer aos céus pela oportunidade de afastar a presença do Diabo, aos padres da Inquisição Católica? Esse cara foi um facínora e como tal deveria ser julgado. E os que cultuam a sua imagem, idem!
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