Presidente brasileiro participa de dois encontros importantes nesta semana, do Brics e do G-20, em ambos no papel de maior negacionista da covid-19
Jair
Bolsonaro participará de duas cúpulas virtuais nesta semana: a do Brics, hoje,
com líderes de Rússia, Índia, China e África do Sul; e a mais ampla, do G-20,
com os líderes das maiores economias desenvolvidas e emergentes, representando
85% da produção mundial, no sábado e domingo (21 e 22).
O
pano de fundo das duas cúpulas será a pandemia de covid-19. A segunda onda do
vírus faz com que metade do mundo volte a lockdowns de diferentes tipos. Um
ressurgimento mais forte do vírus, ou confinamento mais rigoroso, poderia
cortar 2 a 3 pontos percentuais do crescimento global em 2021, provocar mais
desemprego e afetar investimentos, pela projeção feita em setembro pela
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Indicadores
da OCDE que antecipam inflexão no ciclo econômico confirmaram em outubro uma
desaceleração no ritmo de melhora nas principais economias, incluindo o Brasil,
antes do recente aumento de restrições provocadas pela pandemia de covid-19.
No
entanto, a queda na atividade econômica global no quarto trimestre deste ano
deverá ser menor do que na primeira onda da pandemia. Mais setores da economia
permanecem abertos, e os apoios de vários governos continuam fortes. Empresas
agora sabem melhor como reagir aos efeitos do confinamento. Algumas
multinacionais americanas, que tinham fechado suas matrizes até dezembro e
imposto o home office, já decidiram só reabrir os escritórios em março de 2021.
Mas
há também agora um começo de esperança com anúncio de potenciais vacinas
seguras e eficazes disponíveis provavelmente no primeiro semestre de 2021. Isso
altera as perspectivas econômicas. A própria OCDE estima que, nesse caso, uma
baixa de um a dois pontos percentuais na taxa de poupança das famílias no
começo do próximo ano poderia impulsionar o crescimento da economia global para
7% em 2021, dois pontos percentuais a mais do que estimado.
Sobre
quando a economia mundial sairá do patamar muito baixo de hoje e voltará a
funcionar no mesmo nível de antes da crise sanitária global, em todo caso,
ainda é difícil de responder. Na primeira onda da pandemia, durante três a seis
meses, grande parte das empresas conseguiu segurar as dificuldades. Mas estudos
recentes mostram que boa parte das pequenas e médias empresas (PMEs) não sobrevive
mais de três meses de inatividade. Na América Latina, na falta de capacidade
para absorver os choques causados pela pandemia, 2,7 milhões de empresas
poderão fechar, a maioria de microempresas.
As
PMEs são as maiores empregadoras, o que ilustra o desastre do desemprego. Uma
massa importante de pessoas não voltará a conseguir emprego com facilidade.
A
recuperação econômica em 2021 continuará portanto altamente dependente de três
fatores, como notam economistas da Moody’s: desenvolvimento e distribuição da
vacina, efetiva gestão da pandemia e as políticas de apoio dos governos. Na
expectativa que uma vacina esteja disponível pela de metade do ano que vem, até
lá a gestão da pandemia é essencial para assegurar uma retomada menos
problemática.
Um
certo controle da pandemia não significa que o vírus será completamente
debelado, e sim que os países terão um numero de casos que não sobrecarregue
excessivamente seus sistemas de saúde. Alem disso, não significa a retomada
logo ao nível de 2019 de uma economia baqueada com empresas quebradas, governos
querendo aumentar impostos, empresas segurando investimentos em meio a
persistentes incertezas.
Mas
a evidência é que há luz no fim do túnel. A vacina da Moderna, americana, teria
94,5% de eficácia. A vacina da Pfizer /BioNTech, 90%. A Sputnik, russa, 92%. Há
outras 48 em fase de testes clínicos. Mas os obstáculos para imunização em
massa são grandes. Primeiro, para obter autorização para colocar a vacina no
mercado. Segundo, é preciso ter capacidade de produção. Terceiro, tem a questão
da venda. Os preços variam, com estimativa de US$ 39 no caso da vacina da
Pfizer a cerca de US$ 3 para a da AstraZeneca. O quarto desafio é como colocar
as vacinas à disposição das populações. A vacina da Pfizer deve ser guardada a
uma temperatura de -72 ºC. E enfim, quem será vacinado?
A
ONG Oxfam calculou que os países ricos, com apenas 13% da população mundial, já
encomendaram 51% das doses das principais vacinas em estudo. Quanto ao Brasil,
com 5,8 milhões de infecções e mais de 166 mil mortos, depois de hesitações o
governo entrou no pool de compra de vacinas chamado Covax, na Organização
Mundial da Saúde (OMS). Mas o compromisso foi de comprar vacinas pelo Covax
para imunizar apenas 10% da população brasileira, comparado ao padrão de 20%
seguido por um bom número de países. Agora, uma eventual tentativa de adquirir
mais pelo mecanismo não é impossível, mas é complicado. O governo federal
fechou também acordo de compra com a AstraZeneca e o Butantan trabalha com a
Coronavac, chinesa.
Provavelmente,
Bolsonaro ouvirá no discurso do presidente chinês, Xi Jinping, hoje, que a
vacina chinesa será um bem público mundial, para o máximo de pessoas ter acesso
a ela. A China tem preocupação em ser respeitada e em ter seu lugar como um
centro de excelência de produção de tecnologia de ponta. Quem conhece bem as
práticas chinesas nota que a última coisa que Pequim vai querer é arriscar a
jogar sua imagem no chão com uma vacina ineficiente. No meio da pandemia,
apesar da busca angustiada de alguns países, a China proibiu a exportação de
alguns medicamentos porque Pequim considerou que eram de baixa qualidade. Os
chineses têm interesse menos monetário e mais de reputação, para alimentar uma
imagem humanitária. Vladimir Putin, que dirigirá a cúpula do Brics, quer seguir
a mesma linha, tem menos credibilidade, mas Moscou tampouco vai vender vacina
fraudulenta.
A Bolsonaro restará nas duas cúpulas o papel de o maior negacionista do vírus. Enquanto a pandemia continua matando milhares de brasileiros, ele é lembrado dentro e fora do país como o dirigente que considera o vírus “uma gripezinha” ou uma “conversinha”.
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