Necessário
ainda pesar todos os números da eleição, nos 5.568 municípios do Brasil, de
modo a verificar quem está realmente distribuído em território nacional. Como,
por exemplo, ficou o Centrão de Jair Bolsonaro, nos rincões do país. Mas,
olhando exclusivamente para resultados de maior visibilidade, já é possível
fazer algumas afirmações sobre o saldo da eleição.
Antes
de definir vencedores e vencidos, uma questão estrutural já parece clara: em
2020 o eleitor foi às urnas com ressaca do porre político de 2018. Há dois
anos, as urnas se moveram pelo ressentimento contra a política – aquilo que os
singelos e, também, os espertos chamaram de “velha política”, que na verdade
era mais ou menos a política de sempre.
A
“nova política” – de resto um clichê – não vingou; foi nada mais que uma
cachaça de má qualidade, responsável por considerável dor-de-cabeça, cujo maior
exemplo, até aqui, é o destino de Wilson Witzel. Mas, claro, não só: são
vários os Witzels que podem ter o mesmo destino.
Desiludido
com os frutos de sua própria desilusão, nascida possivelmente lá em 2013, o
eleitor de 2020 se manifestou diante do que lhe foi entregue pelo ressentimento
de 2018. Parece compreender que não será pela truculência e estupidez que os
problemas se resolverão. Nesta eleição, a demagogia e o populismo contaram
muito menos – embora, é claro, existam e sempre existirão no reino da Política.
Isto
posto, o primeiro balanço é possível. A extrema-direita não teve o êxito que
esperava: a vitória em 2018 foi eleitoral, mas não política. Não expandiu os
limites de adesão orgânica que vigoram desde o Integralismo, de Plínio Salgado
O grande desafio da democracia é manter seu reacionarismo atado à coleira.
Outro
ponto: a polarização entre PT e PSDB parece superada. Os dois partidos – como
os conhecemos – parecem ultrapassados pela história, embora continuem vivos
aqui e acolá. Isso não significa que a velha disputa entre a esquerda e o
centro tenha desaparecido. Essa continua, possivelmente com novos atores ou,
pelo menos, com uma reviravolta no elenco: coadjuvantes de ontem almejam o
protagonismo.
É
o que se pode dizer inicialmente de PSOL e Democratas: apêndices de PT e PSDB,
se descolaram. A despeito de São Paulo (Capital) onde o Dem nunca teve grande
expressão, a jovem-guarda do antigo PFL ganhou corpo em várias e relevantes
capitais, se desvencilhou do Centrão, assumiu-se como centro-centro. Já
percebido no Congresso Nacional, isso parece ter ganho as cidades.
Por
sua vez, o PSOL pede passagem em duas frentes. Na primeira, representando a
esquerda nova – mais identitária e cultural, nas jovens periferias do Brasil;
gente que vê o PT como “coisa de tios”. Na outra, onde exatamente está boa
parte desses “tios”, que buscam no PSOL o PT do passado, na pureza e romantismo
perdidos. Isso demonstra a necessidade de reinvenção nesses dois campos:
o centro e esquerda. Se os dirigentes não o fizeram, a sociedade o fará. — já
começou a fazê-lo, neste domingo.
No
mais, como se intuía, os padrinhos perderam: Jair Bolsonaro, como a raposa da
fábula, hoje diz que “as uvas estão verdes”, jogando o fracasso para o quintal
do vizinho – a esquerda –, camuflando a grande derrota, cujo maior símbolo é a
queda expressiva de votação de seu filho, Carlos, como vereador do Rio de
Janeiro, e a não eleição de sua ex-esposa. Não há bolsonarismo, mostrou a
eleição: há Bolsonaro, seu mito e sua seita.
Lula,
que, de última hora, entregou a cabeça de Jilmar Tatto para não se comprometer
com a derrota, tenta agora se associar a sucessos esparsos: se de fato era
Boulos desde criancinha, por que não contornou interesses e evitou a vexaminosa
derrota de seu partido? Já João Doria ou de Ciro Gomes passaram ao largo da eleição,
com o governador “explicitamente escondido” por Bruno Covas – uma contradição
em termos, mas reveladora. Enfim, 2020 pode demarcar uma interessante inflexão
na política nacional. A história dirá.
*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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