“Nas disputas de segundo turno, há todo tipo
de combinações. Não se pode falar de polarização entre Bolsonaro, que saiu do
primeiro turno com fama de pé frio, e a oposição”
As
eleições municipais no Brasil, mesmo na época do regime militar, sempre
funcionaram como forças centrífugas, mitigando a polarização política das
eleições gerais, para que um novo ciclo de reaglutinação de forças ocorresse.
Tínhamos, a partir da redemocratização de 1945, um sistema partidário
consolidado, no qual três grandes partidos nacionais predominavam — PSD, PTB e
UDN —, com uma força regional importante — o Partido Social Progressista, de
Ademar de Barros, em São Paulo — e a esquerda ideológica dividida entre o PSB,
de João Mangabeira, e o então proscrito Partido Comunista, liderado por Luiz
Carlos Prestes.
Com
o golpe de 1964, para se manter no poder, os militares acabaram com os partidos
políticos, impondo artificialmente o bipartidarismo oficial, com a criação da
Arena e do antigo MDB, que se tornou uma frente legal de oposição; suprimiram
as eleições presidenciais, marcadas para 1965; e acabaram com as eleições para
governadores e prefeitos das capitais. Mas não puderam eliminar completamente
as eleições municipais — ocorrera a mesma coisa durante o Estado Novo —,
canceladas apenas naqueles municípios considerados “áreas de segurança
nacional”. Mesmo assim, não conseguiram conter as forças centrífugas da
política local, sendo obrigados a criar um subterfúgio, as sublegendas, para
impedir que as eleições municipais implodissem a Arena, com suas dissidências
migrando para o MDB, o que acabou ocorrendo com o passar dos anos,
principalmente depois das eleições de 1974.
As
eleições municipais do último domingo não fugiram à regra. Seus resultados
mostram que atuaram como forças centrífugas do quadro político nacional, que
estava muito polarizado entre Jair Bolsonaro e a oposição de esquerda. Os
números permitem múltiplas interpretações, mas algumas conclusões são
consensuais: 1) os partidos de centro cresceram muito, principalmente o PP, PSD
e DEM; 2) a esquerda tradicional perdeu terreno, principalmente o PT; 3) os
partidos de extrema-direita não hegemonizaram o pleito. Se há um grande
derrotado no primeiro turno, é o presidente, que participou da disputa como
aquele jogador de futebol que entra numa bola dividida, achando que vai chegar
primeiro e tirá-la do adversário com o bico da chuteira, mas acaba perdendo
para quem entrou na jogada mais decidido, com o pé mais firme.
A
opção que Bolsonaro fez por alguns candidatos no primeiro turno, principalmente
Celso Russomanno (Republicanos), em São Paulo, e o prefeito Marcelo Crivella
(Republicanos), no Rio de Janeiro, logo no começo da campanha, foi uma decisão
tomada muito mais com o fígado que por estratégia. Sem partido, fora
aconselhado a se manter distante das disputas municipais. Viu no apoio a
Russomanno, que despontava como líder, uma maneira de derrotar o governador
João Doria (PSDB).
No
Rio de Janeiro, de igual maneira, seria uma forma de derrotar o presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que articula ostensivamente a candidatura de
Luciano Huck para 2022. Antecipar definições para 2022 nas eleições municipais
é uma aposta de alto risco, porque não se pode combinar com os adversários nem
com o eleitor. Bolsonaro ofuscou outros resultados que poderiam até
beneficiá-lo.
Prefeituras
PSDB
e MDB perderam o maior número de prefeituras na comparação do primeiro turno de
2016 e de 2020. O PSDB foi de 785 para 512 prefeitos eleitos — ou seja, 273 a
menos. O MDB perdeu 261 prefeituras (caiu de 1.035 para 774), embora continue
sendo o maior partido do país em número de prefeituras, vereadores eleitos e
votação. O PT registrou mais uma queda, conquistando 179 prefeituras, 75 a
menos que em 2016. DEM e PP foram partidos que ganharam mais prefeituras. O
primeiro foi de 266 para 459, ou seja, 193 a mais, sendo três dos sete
prefeitos eleitos no primeiro turno nas capitais. O segundo, saltou de 495 para
682 prefeitos, 187 a mais. Destaque também para o PSD, que passou de 537 para
650 prefeituras.
Nas
disputas de segundo turno, há todo tipo de combinações: direita contra
centro-direita, esquerda contra centro-esquerda, centro-esquerda contra o
centro-direita. Nesse sentido, não se pode falar numa polarização entre
Bolsonaro e a oposição. Além disso, o presidente da República saiu do primeiro
turno com fama de pé frio — os políticos são muito supersticiosos —, o que
desaconselha seu apoio. Vamos ver o que vai acontecer entre Bolsonaro e seus
aliados neste segundo turno, no qual o objetivo de derrotar seus prováveis
adversários em 2022 subiu no telhado.
No
campo governista, digamos assim, o PP e o PSD emergiram como grandes forças
políticas, fortalecendo setores mais moderados do Palácio do Planalto. A ala de
extrema-direita ideológica do bolsonarismo foi derrotada no primeiro turno. No
campo da oposição, o hegemonismo petista também está sendo derrotado,
principalmente em razão do resultado de São Paulo, no qual Guilherme Boulos
levou o PSol a ocupar um lugar que sempre fora do PT.
Finalmente, há que se destacar que o resultado das eleições municipais inviabilizou a sobrevivência de muitos partidos, à direita e à esquerda, que terão de repensar o próprio projeto, buscando fusões e incorporações àqueles com quem tem alguma afinidade ideológica e/ou programática e mais viabilidade eleitoral em 2022.
Nenhum comentário:
Postar um comentário