Degrau
geracional no voto em SP mostra urgência de falar com eleitor jovem
Apenas
dois anos separam os jovens Bruno Covas (40
anos) e Guilherme Boulos (38). Mas as estratégias definidas pelas
duas campanhas à Prefeitura de São Paulo levaram a que se estabelecesse um
“degrau geracional” no voto de ambos que pode projetar cenários importantes
para a política nacional, além das fronteiras da capital paulista.
Em 16 de novembro, dia seguinte ao primeiro turno, o ex-jogador de futebol e comentarista esportivo Walter Casagrande postou a mesma pergunta a Boulos e Covas: ele, dependente químico em recuperação, queria saber a política de ambos para as drogas. Boulos levou menos de duas horas para responder. Covas levou dez. No último fim de semana, Boulos fez uma live com o youtuber Felipe Neto, que tem 40 milhões de seguidores no YouTube, para jogar AmongUs, um jogo eletrônico que é febre entre jovens, acompanhado das filhas. Até a noite de ontem o vídeo tinha 3,1 milhões de visualizações.
Pesquisa Datafolha divulgada na madrugada desta terça-feira explicita a diferença geracional que se estabeleceu no voto do paulistano. A idade é “O” fator de decisão de voto em Boulos, mais que renda, como poderia supor o militante de esquerda. O prefeito vence em todos os extratos sociais, mesmo entre os eleitores que recebem até 2 salários mínimos.
Quando
se analisa a faixa etária do eleitor, a coisa muda drasticamente de figura.
Boulos dá uma lavada em Covas na faixa entre 16 e 24 anos, vence com folga no
grupo imediatamente mais velho, até 34 anos, e quase chega lá entre os
eleitores entre 35 e 44 anos.
E
é aí que mora o maior risco para a reeleição de Covas, ao qual seus aliados
estão atentos: o eleitorado mais velho é também o mais suscetível a não
comparecer para votar, num ano marcado por um recorde de abstenções. O risco de
contaminação pelo novo coronavírus no momento em que os casos voltaram a subir
de forma preocupante pode impactar ainda mais o segundo turno que o primeiro.
Covas
praticamente não tem engajamento nas redes sociais. Preferiu fazer uma campanha
“old school”, com grande tempo de TV e muito profissional. Deu certo: ele passou
tranquilo pelo primeiro turno e lidera com margem de 10 pontos a poucos dias do
pleito. Mas ignorar as redes sociais e a personalidade que o eleitor jovem
adquiriu nessa campanha pode ser um erro para políticos que queiram alçar voos
futuros, e é nesse ponto que a campanha de Boulos serve como case nacional.
A
distopia bolsonarista parece ter atingido o eleitor jovem mais que qualquer
outro. A forma desrespeitosa e ameaçadora com que o presidente trata mulheres,
negros e LGBTQIA+ e questões como a preservação ambiental causa urticária
natural em um eleitorado para o qual diversidade, representatividade e
sustentabilidade não são pautas “identitárias”, mas sim o modo pelo qual
enxergam o mundo.
Falar
com esse eleitor nada tem a ver com “lacrar" na internet ou se eleger à
custa de memes e fake news, como fez Bolsonaro em 2018. Significa acordar para
a necessidade de se comunicar de forma sincera, orgânica e eficiente com um
público que vai, nas eleições vindouras, decidir qual o perfil do político para
enfrentar Bolsonaro e também para ocupar cadeiras no Congresso.
A
“virada” pregada por Boulos parece difícil, pelo voto consolidado de Covas nos
segmentos e nos bairros da cidade, além da máquina mais poderosa a seu dispor e
da avaliação consistente que tem como prefeito num ano em que as escolhas
também se pautaram pela experiência dos gestores. Mas fica o aprendizado de que
a disputa civilizada, sem gravata e dentro das balizas da política travada na
cidade pode ser laboratório para conquistar corações e mentes de um eleitor
ainda não viciado em polarização raivosa.
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