Motivos
para processo de impeachment há, o que não há são condições políticas e
objetivas
Que
o governo Jair Bolsonaro é
um desastre nas mais variadas áreas, senão em todas, ninguém minimamente
informado e conectado à realidade tem dúvida. Daí a imaginar que o impeachment
está à vista é apenas um sonho de verão, ou de tempos de pandemia. Motivos há
de sobra. O que falta são ambiente político e condições objetivas, por
enquanto.
Como
esquecer a reação do presidente quando o Brasil ultrapassou cinco mil mortes
por covid-19: “E daí? Querem que
faça o quê?”. Como esquecer a cena do presidente passeando
de jet ski no dia em
que o número de mortos passou de dez mil? A gota
d’água é a falta de gotas de vacina. “Querem que eu faça o quê?” Que governe o
País, garanta e defenda as vacinas, salve vidas.
Bolsonaro, porém, nunca deixou de passear no seu jet ski pela realidade virtual em que vive, feliz, todo sorrisos, fazendo campanha antecipada pela sua reeleição, em vez de fazer campanha imediata pela vacinação. Ultrapassa todos os limites de provocação, irresponsabilidade, falta de respeito e bom senso. E é o principal culpado por trazer de volta a palavra impeachment ao cotidiano nacional.
Pelo
temor de a pandemia gerar processo de impeachment e descambar para crise
social, política e institucional, o procurador-geral da República, Augusto Aras, deixou o País de
prontidão com uma nota em que admite até estado de
defesa, previsto pelo artigo 136 da Constituição para
restringir liberdades individuais em cenários de caos.
Soou como ameaça, por vários motivos: Aras é aliado e se sente devedor do presidente, que o pinçou para a PGR fora da lista tríplice; Bolsonaro ultrapassa limites todo santo dia; a incúria do governo compromete a vacinação da população; o auxílio emergencial acabou e milhões ficarão na miséria, cara a cara com a fome. Logo, a hipótese de impeachment não é mais absurda.
A
reação a Aras foi forte, de ministros do Supremo, parlamentares e dos próprios
procuradores, que focaram em dois pontos da nota: 1) a ameaça de estado de
defesa, num ambiente em que o presidente enaltece ditadores e atiça as Forças
Armadas e 2) a versão de Aras de que crimes de responsabilidade praticados por
agentes públicos são de competência do Legislativo. A avaliação é de que o
procurador tenta lavar as mãos e que uma autoridade saber com antecedência do
risco iminente de falta de oxigênio e não evitar que pessoas morram sufocadas é
crime comum, logo, compete aos tribunais e ao Ministério Público.
A
nota de Aras embola Bolsonaro, pandemia, os erros do governo e algo de imensa
importância no mundo e no Brasil, que é a troca de Donald Trump por Joe Biden
nos EUA. O governo é um desastre internamente e o último fiapo da política
externa esgarçou. Em vez de reagir corrigindo os erros, Bolsonaro dobra a
aposta e teme-se que, acuado, sinta-se tentado a chutar o pau da barraca,
recorrendo a instrumentos excepcionais, como o estado de defesa.
Como
imaginar impeachment, porém, se o candidato de Bolsonaro é favorito a
presidente da Câmara, o PT apoia o candidato dele no Senado, governadores e
prefeitos são investigados por desvios de recursos para leitos e respiradores
e, agora, políticos, empresários e imorais de toda sorte furam fila para roubar
as (já poucas) vacinas dos profissionais de saúde?
É dramático admitir, mas Bolsonaro é resultado e parte desse descalabro e conta com súditos fiéis para garantir pontos nas pesquisas e até bater bumbo pelas duas milhões de doses que devem pingar hoje no País, vindas da Índia. Chegam atrasadas, não resolvem nada, são uma gota no oceano para os brasileiros, mas os seguidores de Bolsonaro são craques em trocar a realidade pela versão do mito. Que vai ficando.
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