sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Claudia Safatle - Um país à deriva

- Valor Econômico

Como se fosse uma sina, aqui faz-se de tudo para dar errado

Há fortes indicações de que a recuperação em V foi curta, durou dois trimestres (terceiro e quarto trimestres de 2020) e perdeu fôlego. Um voo de galinha já bem conhecido dos brasileiros, animado pelo vigoroso programa de auxílio emergencial que beneficiou mais de 70 milhões de pessoas e que se encerrou em dezembro.

Segundo os prognósticos da economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, o cenário desenhado para este novo ano é ruim para o primeiro semestre, quando a atividade ainda estará em contração, mas melhora no segundo, de maneira que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) encerraria o exercício em 3,5% - percentual insuficiente para repor a recessão estimada de 4,5% no ano passado. Como o carregamento estatístico responde por cerca de 2,5%, o efetivo crescimento este ano, segundo as previsões do Ibre, deverá ser de apenas 1%.

Tudo vai depender, porém, do sucesso (ou fracasso?) da vacinação contra a covid-19. Quanto mais incerta e demorada for, maior será a perda de PIB (Produto Interno Bruto). Os dados acima foram calculados com base em um processo de vacinação que envolveria grande parte da população no primeiro semestre. A partir do meio do ano, a situação seria de normalidade. As informações de atraso na obtenção do insumo necessário para a preparação das vacinas coloca mais dúvidas sobre o que poderá acontecer com o nível de atividade.

Há, ainda, uma grande heterogeneidade na performance dos diversos setores da economia, sobretudo o de serviços. Os serviços prestados às famílias e os serviços públicos, com o peso de educação e saúde - que respondem por quase um quarto do PIB -, com a pandemia estão contraindo muito em relação a 2019. No último trimestre de 2020, houve uma queda da atividade de 2,8%, segundo as previsões da economista, sobre igual período do ano anterior, com indústria crescendo, mas serviços caindo. Estes estão 25% menores do que eram antes da propagação da covid-19.

“Falta perspectiva de superação da pandemia. Eu esperava uma normalização no segundo semestre, com vacinação em massa, mas agora não sei”, disse ela.

Com o repique da pandemia e a possibilidade de voltarem algumas restrições ao funcionamento das cidades, o mercado de trabalho, que já está péssimo, pode piorar. Empresas que aderiram aos programas de manutenção do emprego podem, agora, optar por demitir caso não vejam perspectivas de recomposição e expansão da demanda.

A confiança de consumidores e empresários está em queda. “Já esperávamos um crescimento muito baixo no início do ano, com o fim do auxílio emergencial e com o mercado de trabalho fraco”, contou ela. A intensificação da doença deixa a economia sujeita a um novo perigo, de o “V” se transformar em um “W”, com o temível duplo mergulho da atividade.

“A vacina é o melhor investimento para a atividade econômica”, ressaltou Silvia. Pena que o presidente Jair Bolsonaro parece ter imensa dificuldade de compreender essa simples correlação.

A triste constatação, diante do bate-cabeças que está o governo, é de que o país não se preparou para um prolongamento da pandemia. Gastou o que tinha e não há mais, no Orçamento, recursos para prover renda para os trabalhadores informais e para os desvalidos; e destratou a China, que é o principal fornecedor do insumo da vacina, o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA).

Silvia acredita que o mercado até compraria um aumento do gasto social se o governo entregar alguma reforma que reduza a despesa obrigatória. Para fazer isso, porém, seria preciso que o país tivesse uma liderança forte, um programa tecnicamente bem feito de renda mínima e um programa de governo apoiado pelas forças políticas do Congresso Nacional.

“Ficar à deriva e com ausência total de liderança em um momento em que o país está em situação frágil é muito difícil. É trágico!”, lamentou.

Um dos sinais de que estamos fazendo escolhas erradas é que os preços das commodities sobem, mas a taxa de câmbio não se valoriza. Isso traz o perigo de desancoragem da inflação e de elevação da taxa de juros.

É curioso que estejamos em situação difícil em um momento em que as condições externas são boas: há enorme liquidez disponível no mundo, as taxas de juros são negativas e os preços das commodities agrícolas e minerais que o Brasil exporta aumentam. Mas, como se fosse uma sina, aqui faz-se de tudo para dar errado.

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