Como
se fosse uma sina, aqui faz-se de tudo para dar errado
Há
fortes indicações de que a recuperação em V foi curta, durou dois trimestres
(terceiro e quarto trimestres de 2020) e perdeu fôlego. Um voo de galinha já
bem conhecido dos brasileiros, animado pelo vigoroso programa de auxílio
emergencial que beneficiou mais de 70 milhões de pessoas e que se encerrou em
dezembro.
Segundo
os prognósticos da economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do
Ibre/FGV, o cenário desenhado para este novo ano é ruim para o primeiro
semestre, quando a atividade ainda estará em contração, mas melhora no segundo,
de maneira que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) encerraria o
exercício em 3,5% - percentual insuficiente para repor a recessão estimada de
4,5% no ano passado. Como o carregamento estatístico responde por cerca de
2,5%, o efetivo crescimento este ano, segundo as previsões do Ibre, deverá ser
de apenas 1%.
Tudo vai depender, porém, do sucesso (ou fracasso?) da vacinação contra a covid-19. Quanto mais incerta e demorada for, maior será a perda de PIB (Produto Interno Bruto). Os dados acima foram calculados com base em um processo de vacinação que envolveria grande parte da população no primeiro semestre. A partir do meio do ano, a situação seria de normalidade. As informações de atraso na obtenção do insumo necessário para a preparação das vacinas coloca mais dúvidas sobre o que poderá acontecer com o nível de atividade.
Há,
ainda, uma grande heterogeneidade na performance dos diversos setores da
economia, sobretudo o de serviços. Os serviços prestados às famílias e os
serviços públicos, com o peso de educação e saúde - que respondem por quase um
quarto do PIB -, com a pandemia estão contraindo muito em relação a 2019. No
último trimestre de 2020, houve uma queda da atividade de 2,8%, segundo as
previsões da economista, sobre igual período do ano anterior, com indústria
crescendo, mas serviços caindo. Estes estão 25% menores do que eram antes da
propagação da covid-19.
“Falta
perspectiva de superação da pandemia. Eu esperava uma normalização no segundo
semestre, com vacinação em massa, mas agora não sei”, disse ela.
Com
o repique da pandemia e a possibilidade de voltarem algumas restrições ao
funcionamento das cidades, o mercado de trabalho, que já está péssimo, pode
piorar. Empresas que aderiram aos programas de manutenção do emprego podem,
agora, optar por demitir caso não vejam perspectivas de recomposição e expansão
da demanda.
A
confiança de consumidores e empresários está em queda. “Já esperávamos um
crescimento muito baixo no início do ano, com o fim do auxílio emergencial e
com o mercado de trabalho fraco”, contou ela. A intensificação da doença deixa
a economia sujeita a um novo perigo, de o “V” se transformar em um “W”, com o
temível duplo mergulho da atividade.
“A
vacina é o melhor investimento para a atividade econômica”, ressaltou Silvia.
Pena que o presidente Jair Bolsonaro parece ter imensa dificuldade de
compreender essa simples correlação.
A
triste constatação, diante do bate-cabeças que está o governo, é de que o país
não se preparou para um prolongamento da pandemia. Gastou o que tinha e não há
mais, no Orçamento, recursos para prover renda para os trabalhadores informais
e para os desvalidos; e destratou a China, que é o principal fornecedor do
insumo da vacina, o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA).
Silvia
acredita que o mercado até compraria um aumento do gasto social se o governo
entregar alguma reforma que reduza a despesa obrigatória. Para fazer isso,
porém, seria preciso que o país tivesse uma liderança forte, um programa
tecnicamente bem feito de renda mínima e um programa de governo apoiado pelas
forças políticas do Congresso Nacional.
“Ficar
à deriva e com ausência total de liderança em um momento em que o país está em
situação frágil é muito difícil. É trágico!”, lamentou.
Um
dos sinais de que estamos fazendo escolhas erradas é que os preços das
commodities sobem, mas a taxa de câmbio não se valoriza. Isso traz o perigo de
desancoragem da inflação e de elevação da taxa de juros.
É curioso que estejamos em situação difícil em um momento em que as condições externas são boas: há enorme liquidez disponível no mundo, as taxas de juros são negativas e os preços das commodities agrícolas e minerais que o Brasil exporta aumentam. Mas, como se fosse uma sina, aqui faz-se de tudo para dar errado.
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