‘Alívio’ era a palavra que se ouvia ontem na
Fiocruz pela notícia de que a Índia embarcará hoje para o Brasil o lote de dois
milhões de doses. Também nesta sexta-feira a Anvisa deve liberar as 4,8 milhões
de doses a mais da CoronaVac. Isso não apaga os erros do ministro Ernesto
Araújo, que nos levou a uma situação surreal, em que a diplomacia bloqueia os
canais, apesar de ela existir para limpar os caminhos. As agressões à China
foram muitas, azedou o diálogo, e o preço a pagar por esse erro é em vidas
humanas.
O
Brasil está na seguinte situação: paga o custo de manter os salários de pessoas
altamente qualificadas, e elas não podem exercer as habilidades para as quais
foram treinadas no serviço público. Nenhum país perde da noite para o dia um
ativo desses, que é ter um corpo de diplomatas eficientes, reconhecidos no
mundo inteiro. E por que os bons diplomatas, e eles são inúmeros, não conseguem
fazer seu trabalho? A gestão caótica e delirante de Ernesto Araújo não os
deixa. Um embaixador, por exemplo, aguarda instruções para agir. Ernesto Araújo
ou não dá instruções ou elas não têm lógica, nem ganho palpável para o Brasil.
Porque o ministro vive em luta contra inimigos imaginários, como o “globalismo”
e o “comunismo” que estariam ameaçando, como escreveu outro dia, os valores dos
Estados Unidos.
O
trabalho diplomático tem vários códigos. Uma embaixada não deixa uma autoridade
ligar diretamente para o seu correspondente em outro país para ouvir um não.
Para evitar constrangimentos, ela faz uma ação antecipada para sentir o terreno
e desatar os nós antes que eles apareçam. O ministro Eduardo Pazuello ligou na
primeira semana do ano para o ministro da Saúde da Índia pedindo o envio das
doses compradas pela Fiocruz, e o indiano, que é diplomata de carreira, teve
que avisar, delicadamente, que o Brasil precisava pagar antes, dado que o Serum
é uma empresa privada. Depois veio o vexame de anunciar a ida do avião já
adesivado sem combinar com os indianos. O amadorismo está em cada iniciativa,
simplesmente porque existem regras do jogo diplomático que não são seguidas.
Ernesto virou o ministro dos conflitos exteriores. E paralisa o corpo de
funcionários do Itamaraty. Ontem finalmente anunciou-se a vinda.
A
boa política externa antecipa-se aos problemas, como um xadrez bem jogado. E
desde o começo desta pandemia estava claro que o Brasil precisaria se
posicionar estrategicamente no mercado de compra de vacinas. Como contei na
coluna “Diplomacia sem pé nem cabeça”, do dia nove, houve um episódio em que
Araújo foi procurado pelo ministro das Relações Exteriores de um país grande
desenvolvedor de vacinas, meses atrás. A conversa tinha um interesse comercial,
mas o nosso ministro preferiu discorrer sobre o “globalismo da Organização
Mundial da Saúde”. Nada foi adiante.
Quando
Araújo escreveu uma sucessão de tuítes sobre o ataque ao Capitólio,
praticamente endossando o movimento extremista, rasgando todo o manual da boa
diplomacia e do bom senso, houve uma reação da Associação dos Diplomatas. Nas
mensagens coletivas que trocaram por um aplicativo, um integrante da carreira
escreveu que a defesa da Casa não pode ficar apenas sobre os ombros dos
aposentados.
A chegada dos dois milhões de doses da vacina importadas pela Fiocruz da AstraZeneca da Índia é excelente, a liberação pela Anvisa do uso dos 4,8 milhões de doses do Butantan é outra boa notícia. O país terá a partir deste fim de semana mais 6,8 milhões de doses. Mas o fundamental agora é fabricar aqui, nos dois institutos, com os IFAs que virão da China. Quanto mais cedo, melhor.
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