Cabe
ao próximo presidente triunfar onde os últimos fracassaram: apontar um rumo
Uma
lista de “pequenas alegrias da vida adulta” – tomo de empréstimo o título da
música de Emicida –
circula nas redes sociais. Ela traz coisas boas que só existem no Brasil:
sorvete de tapioca, mergulho vespertino em Ipanema, bateria de escola de samba,
frango com batata frita. Se ser carioca é um estilo de vida, e não uma
designação de origem, poucos cariocas são mais cariocas que o jornalista
escocês Andrew
Downie, o autor da lista. Fã de carnaval e futebol, ele é
biógrafo do doutor Sócrates e torce fervorosamente pelo Hibernian – time que
sempre chega perto do título escocês, mas não vence o campeonato desde 1952.
Saindo do terreno da memória afetiva, e indo para o universo da economia e das políticas públicas, temos várias razões para sentir orgulho do Brasil. Muitos Estados têm programas de excelência em Educação, como Espírito Santo, Pernambuco e o sempre citado Ceará. O Congresso criou um auxílio emergencial a toque de caixa durante a pandemia – programa que temos a obrigação ética de substituir urgentemente – e reduziu a pobreza em 2020. Domamos a inflação, somos referência em agricultura e a movida de startups em São Paulo é a mais vibrante da América Latina. Essa lista de façanhas surgiu, com facilidade, numa conversa com um dos maiores especialistas em Brasil, o economista José Roberto Mendonça de Barros, colunista do Estadão e personagem do minipodcast da semana.
Apesar
de tudo isso, amargamos mais uma década perdida, brasileiros morrem em Manaus
por falta de oxigênio – e, internacionalmente, somos motivo de pena pela gestão
da covid, desconfiança por causa da Amazônia e zombaria por ter abraçado o
cadáver de Donald Trump.
A Ford foi
embora, Andrew
Downie foi embora – e, acabo de lembrar, até eu mudei de
país, ainda que temporariamente. O que acontece? José Roberto arrisca uma
explicação. “Falta uma visão de rumo”, diz ele. E desenvolve: “Falta a
sociedade chegar a um acordo sobre algumas coisas, e gerar aquela visão macro
que possa ser absorvida por algum governo”.
O
Brasil é rico em recursos naturais e eficiente em diversas áreas. Falta
descobrir sua vocação, dar aquele salto que permitiu a alguns países marcar
presença no mundo. Somos um quebra-cabeça com várias peças dispersas, mas não
conseguimos formar uma figura a partir delas. Países como Austrália e Canadá
tiveram, igualmente, abundância em recursos naturais no ponto de partida.
Tornaram-se, com o tempo, economias inovadoras, com alta produtividade e área
social resolvida – ficaram ricos, enfim. Enquanto isso, por alguma razão – ou
várias razões –, o Brasil patina em suas mazelas.
Como lembrou o Estadão em seu primeiro editorial do ano, faltam algo como 17 mil horas para que o Brasil escolha seu próximo presidente. Parece uma eternidade, mas a eleição está na próxima esquina – o colunista Alberto Bombig, em podcast, fez um inventário dos candidatos que surgem no horizonte. Seria positivo se os postulantes ouvissem a sociedade e se dedicassem a montar o quebra-cabeça chamado Brasil. Se surgir uma visão coerente, é só colocar o nome “programa de governo”. Cabe ao próximo presidente triunfar onde os últimos fracassaram: apontar um rumo, sugerir uma direção. Para que o Brasil deixe de ser a terra das décadas perdidas, das empresas e cidadãos que deixam o país. Aquele time que parece fadado a disputar títulos, mas sempre perde no final do campeonato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário