Governos
ignoraram alertas científicos e demoraram a tomar medidas para conter contágio
O
pior aspecto da tragédia causada pelo novo coronavírus em Manaus é que ela era
não apenas previsível, mas foi prevista. Desde novembro, os números de
infectados e mortos por Covid-19 vêm subindo em todas as regiões, em especial
no Norte do país. Os sinais de que o colapso se aproximava eram evidentes.
Pacientes chegavam a todo momento a hospitais despreparados para o aumento da
demanda. Alguém se preocupou com isso? Não. Todos os níveis de governo
ignoraram os alertas emitidos por epidemiologistas, infectologistas e outros
cientistas para o risco das aglomerações das festas de fim de ano.
O
resultado não poderia ser outro que não o caos. A capital do Amazonas é hoje um
microcosmo do Brasil, onde incúria, negligência, amadorismo e improviso se
juntam para provocar um morticínio. Em vez de impor restrições mais duras no
período de festas, o governo do estado relaxou a prevenção, aderindo à visão
negacionista do bolsonarismo, que encheu as redes sociais de incentivos
irresponsáveis à aglomeração. Tardiamente, o governador do Amazonas, Wilson
Lima (PSC), decretou o fechamento dos serviços não essenciais, entre 26 de
dezembro e 6 de janeiro. Depois de protestos da população, ele próprio permitiu
a reabertura, transformando uma decisão técnica em política. Foi preciso que a
Justiça, a pedido do Ministério Público, determinasse o fechamento.
Em
paralelo, uma nova variante do vírus com maior facilidade de contágio se
espalhou a partir do Amazonas e preocupa o mundo todo. Aqui, é ignorada pelas
autoridades que deveriam proteger a saúde da população. O alerta sobre a
mutação partiu do Japão, onde, em 10 de janeiro, a variante foi detectada em
recém-chegados da Amazônia.
Como de praxe, a resposta do governo federal foi tíbia — e tardia. Somente no dia 11, quando o caos já estava instalado (o estado não dispõe nem sequer de oxigênio), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, desembarcou em Manaus para apresentar um plano de contingência. Atribuiu o agravamento da pandemia a toda sorte de espantalho: a infraestrutura hospitalar precária, as chuvas e uma estapafúrdia falta de “tratamento precoce”. Ora, que significa tratamento precoce, se isso inexiste? Faltava oxigênio, e uma representante do ministério queria obrigar médicos manauaras a receitar cloroquina, droga sem eficácia nenhuma.
Não
há mistério nas medidas de prevenção: máscaras, distanciamento social, higiene
das mãos, cancelamento de grandes eventos. Mas, aparentemente, a população,
incentivada pelo presidente e políticos negacionistas, prefere acreditar que é
tudo fantasia. Ou crê no terraplanismo da turma de Bolsonaro e Pazuello.
A
tragédia que se abateu sobre Manaus no ano passado, quando as mortes mais que
dobraram em virtude do vírus, deveria ter servido de alerta. Infelizmente,
cometem-se os mesmos erros. Despreza-se a Ciência. Espera-se a situação se
agravar ao máximo para agir. Quantos mais precisarão morrer ou ficar sem
oxigênio para que as autoridades e o país aprendam?
Supremo se fortalece ao restringir ao máximo decisões monocráticas – Opinião | O Globo
Plenário
da Corte ganhará relevância com a votação imediata de liminares de forma
virtual
O
Supremo Tribunal Federal voltará a ser uma Corte colegiada se, em fevereiro,
conforme prometido, os ministros aprovarem em reunião administrativa uma emenda
ao Regimento Interno que acaba com as tão criticadas decisões monocráticas que
se eternizam.
Tomadas
por um único ministro, tais decisões entram em vigor imediatamente, mas podem
não ser avaliadas em seu mérito pelo plenário por tempo indeterminado. Ao
decidir que as liminares serão logo submetidas ao plenário virtual, o STF
começará a deixar de ser um conjunto desarticulado de “onze Supremos”, como tem
sido chamado. Sairá fortalecido como instituição.
Logo
no início da presidência de Luiz Fux, ficou decidido que inquéritos e ações
penais seriam julgados em plenário, não mais nas duas turmas da Corte, onde o
resultado se tornou previsível, dependendo dos cinco nomes que integram essas
turmas.
As
decisões monocráticas representam problema ainda maior. Correspondem hoje a
mais de 80% das decisões do tribunal. No mais das vezes, terminam não indo a
julgamento no plenário. Isso transforma a Justiça numa espécie de loteria,
decidida no sorteio do relator (advogados reapresentam processos até que caiam
numa relatoria favorável). Criou-se, por meio delas, um sistema que contraria a
própria razão de ser da Justiça: mediar conflitos e proferir um veredito (nem
que seja não julgar o caso).
O
fim da liminar que se eterniza dará mais força à decisão tomada pelo conjunto
de ministros. É assim que deve ser em qualquer tribunal de instância elevada.
Ainda mais no STF e no momento em que o país se encontra, com um presidente
incapaz de respeitar os limites que a Constituição estabelece para o Executivo.
Jair Bolsonaro no Planalto é risco constante de judicialização de decisões de
governo. A Corte precisa, mais que nunca, estar preparada para arbitrar os
conflitos fortalecida.
E
a força do Supremo está justamente em seu plenário. É verdade que cada um de
seus integrantes é indicado pelo presidente da República. Mas, juntos, eles
formam um todo maior. Qualquer ideologia embutida numa ou noutra indicação
individual termina diluída pela diversidade que forma o conjunto da Corte.
Deriva daí toda a legitimidade institucional do Supremo. É a profusão de
decisões monocráticas, tomadas muitas vezes por idiossincrasias ou
circunstâncias, que acaba por corroê-la.
CORREÇÃO
O
nome correto do presidente do Banco do Brasil é André Brandão, e não Beltrão,
como saiu publicado ontem no editorial “Intervenção no BB é mais um ataque ao
liberalismo” (p.2)
Displicência mortal – Opinião | O Estado de S. Paulo
O
colapso de Manaus é o retrato cruel de como a negligência e o negacionismo do
poder público, aliados à irresponsabilidade de cidadãos, são mortais quando se
está diante de uma crise como a da covid-19.
Não foram poucas as vozes que no fim do ano passado alertaram para a iminência de uma explosão de contaminação e mortes por covid-19 no País nas primeiras semanas de 2021. É exatamente o que se vê agora. Não foi presságio e tampouco mau agouro dos especialistas em saúde pública. Foi apenas a antevisão de uma consequência lógica da irresponsabilidade com que muitos governantes e cidadãos se portaram diante da ameaça de contágio pelo novo coronavírus durante os festejos e férias de fim de ano. Agora, a incúria, o egoísmo e o desmazelo de tantos que puseram a fruição individual acima do interesse coletivo apresentam uma pesada conta.
Na
quinta-feira passada, o País registrou recorde na média móvel de casos diários
de covid-19. De acordo com a apuração do consórcio de veículos de imprensa,
foram 56.453 casos em 24 horas. A Nação pranteou a morte de cerca de 1,2 mil
brasileiros por dia. Alguns hospitais particulares da capital paulista já não
têm vagas em UTI para atender pacientes acometidos pela covid-19. Na capital
fluminense também não há mais leitos de terapia intensiva exclusivos para o
tratamento da doença.
Em
nenhum município, no entanto, a situação é tão dramática como em Manaus.
Chegou-se ao ponto em que médicos e enfermeiros não têm outra coisa a fazer a
não ser administrar morfina em pacientes graves que agonizam nos leitos pela
falta de oxigênio. A sensação de impotência levou ao desespero muitos desses
profissionais. Por meio das redes sociais, eles publicaram pungentes pedidos de
ajuda enquanto viam seus pacientes, um após o outro, morrerem afogados no seco.
Só ontem começaram a chegar cilindros de oxigênio a Manaus vindos do Rio e de
São Paulo em aviões da FAB.
O
colapso do sistema de saúde em Manaus é o retrato cruel de como a negligência e
o negacionismo do poder público, aliados à irresponsabilidade dos cidadãos que
fazem pouco-caso das medidas protetivas contra o vírus, são mortais quando se
está diante de uma crise sanitária da magnitude da pandemia de covid-19. Não se
chega a um estágio desses sem uma longa esteira de erros e omissões.
Fiel
à sua índole, o presidente Jair Bolsonaro foi rápido ao fazer circular a
informação de que o governo federal repassou R$ 8,91 bilhões ao Estado do
Amazonas e R$ 2,36 bilhões à cidade de Manaus, sugerindo que nada tem a ver com
o desastre havido na capital amazonense. “Fizemos a nossa parte”, disse o
presidente ao grupo de apoiadores que batem ponto na entrada do Palácio da
Alvorada.
Em
primeiro lugar, repasses da União aos Estados e municípios decorrem das leis e
da Constituição, não da boa vontade do presidente da República. Bolsonaro não
fez nada além de sua obrigação ao repassar os recursos do Fundo de Participação
dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), além dos
recursos extraordinários aprovados pelo Congresso para dar conta do
enfrentamento da pandemia. Segundo, em nenhum momento desta emergência
sanitária o resultado trágico em Manaus ou em qualquer outro município decorreu
da falta de dinheiro. Faltou ao governo federal compromisso com os fatos, com a
ciência, com a vida. Faltou a coordenação, no âmbito federal, dos esforços
nacionais para debelar a peste.
Sobre
o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), também recai uma boa parcela da
responsabilidade pelo colapso da saúde pública em Manaus por ter cedido à
pressão de empresários e autorizado a flexibilização das atividades comerciais
no Estado, contrariando as recomendações das autoridades sanitárias. “Eu
preciso ouvir a voz das ruas”, justificou o governador. Por esta sua “insurgência”
contra a “ditadura do lockdown”, Lima foi bastante festejado por apoiadores do
presidente Bolsonaro.
Manaus
foi uma das cidades que sucumbiram ao falso dilema entre a “liberdade”
individual e o “arbítrio” das medidas de contenção ao novo coronavírus. Como a
natureza é implacável, o resultado não haveria de ser outro: o aumento do
número de mortes por um dos meios mais cruéis, a asfixia.
As
três esferas de governo agora se mobilizam para socorrer os manauaras. Para
muitos, entretanto, a ajuda chega tarde demais. Até onde irá o desgoverno?
Resposta
à altura – Opinião | O Estado de S. Paulo
Cabe
agora ao Senado dos EUA responder aos estragos provocados por Donald Trump.
A presidência de Donald Trump representou uma ruptura política e social jamais vista nos EUA em seus 244 anos de independência. Para o bem dos cidadãos americanos, e de todos os países que têm nos EUA um modelo de liberdade e vigor democrático, igualmente inaudita foi a resposta das instituições daquele país às perigosas pretensões liberticidas do atual mandatário, exacerbadas a partir de sua derrota em uma eleição rigorosamente limpa.
Pela
segunda vez em pouco mais de um ano, a Câmara dos Representantes aprovou o
impeachment de Donald Trump, agora pelo fato de o presidente americano ter
incitado uma turba de terroristas domésticos a tomar o Capitólio de assalto, no
dia 6 passado, a fim de impedir que o Congresso certificasse a vitória do
democrata Joe Biden no Colégio Eleitoral. A tentativa de golpe fracassou, mas
expôs as fraturas de um país estruturalmente dividido.
A
abertura do segundo processo de impeachment contra Trump foi aprovada por 232
votos a 197, 14 votos além do mínimo necessário. O placar é semelhante ao
registrado em dezembro de 2019, quando os deputados aprovaram o impeachment do
presidente por 230 a 197 (por abuso de poder) e 229 a 198 (por obstrução do
Congresso).
Deixar
um ato tresloucado como aquele sem a devida resposta institucional teria sido
um gesto equivalente à rendição dos democratas aos métodos brutais de Trump. Ao
autorizar uma nova abertura de processo de impeachment contra Trump, a Câmara
dos Representantes não faz outra coisa senão uma vigorosa defesa do Estado
Democrático de Direito, reafirmando que ninguém está acima das leis e da
Constituição, nem mesmo o presidente dos EUA, considerado por muitos o homem
mais poderoso do mundo.
O
mais provável é que o Senado, novamente, não autorize a cassação do mandato de
Trump. No entanto, a possibilidade de o presidente ter seus direitos políticos
cassados é bem maior agora do que era no fim de 2019. Um Capitólio sitiado é
imagem por demais chocante para que as lideranças republicanas permaneçam
inertes diante do ataque perpetrado pelos apoiadores de Trump, com ardoroso
estímulo do presidente. Como apurou o jornal The New York Times, o líder da maioria no Senado, Mitch
McConnell, mostra-se mais inclinado a votar pela cassação de Trump desta vez.
Caso isto se confirme, outros senadores republicanos deverão acompanhá-lo. Para
que Trump seja afastado do cargo, pelo menos 17 senadores republicanos
precisarão votar contra o presidente junto com a bancada do Partido Democrata.
Além
do futuro político de Donald Trump, o que estará em jogo no julgamento do
impeachment no Senado é o futuro do próprio Partido Republicano. O Grand Old
Party (GOP) mostra-se dividido entre republicanos escrupulosos e legalistas,
como Mitt Romney e Lisa Murkowski, e incendiários inconsequentes, como Ted Cruz
e Josh Hawley, que representam a ala do partido a serviço das falsidades de
Trump. Como escreveu Thomas Friedman em artigo publicado pelo Estado, os republicanos terão
de decidir se o partido ainda pertence ao conjunto de seus membros – e
representa seus valores históricos – ou se tornou um vassalo de Trump.
Além
da inédita abertura de um segundo processo de impeachment contra o presidente
no curso do mesmo mandato, chamou a atenção o manifesto assinado pela cúpula
das Forças Armadas dos EUA repudiando a insurreição e reassegurando a defesa da
Constituição americana. Liderados pelo general Mark Milley, chefe do
Estado-Maior Conjunto, os militares comprometeram-se a assegurar a posse de Joe
Biden no próximo dia 20 e exortaram as tropas a “manter os olhos no horizonte”,
focadas na missão de proteger o país.
Tanto
a Câmara dos Representantes como as Forças Armadas mostraram firmeza ao deixar
claro para Trump e seus apoiadores que há limites que simplesmente não podem
ser ultrapassados sem que haja consequências. Agora cabe ao Senado dar uma
resposta à altura dos estragos provocados por Trump, cassando seus direitos e
dando aos extremistas norte-americanos um salutar exemplo.
Voto impresso, uma discussão descabida – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
Nação não só pode confiar na segurança do voto eletrônico, como dele deve se
orgulhar.
O presidente Jair Bolsonaro está obcecado pelo retorno do voto impresso como nenhuma autoridade jamais o foi desde que o voto eletrônico foi implementado com sucesso no País, em 1996. Diante da miríade de temas que afligem a Nação – uma pandemia mortal, desemprego em alta, produtividade e investimentos em queda, milhões de brasileiros jogados na extrema pobreza e educação pública em colapso –, custa crer que o presidente da República dedique tanto tempo e energia a um tema rigorosamente irrelevante. Não bastasse sua incompetência para lidar com os problemas reais que se acumulam sobre sua mesa de trabalho, Bolsonaro ainda impõe à sociedade um falso problema.
Há
poucos dias, Bolsonaro voltou a falar em voto impresso horas após uma horda de
terroristas tomar o Capitólio de assalto para interromper a sessão conjunta do
Congresso americano que acabou por certificar a eleição do democrata Joe Biden
como presidente dos Estados Unidos. A um grupo de apoiadores, Bolsonaro afirmou
que, “se no Brasil não tivermos voto impresso em 2022, vamos ter problema pior
do que está acontecendo lá (nos
Estados Unidos)”.
A
fala do presidente brasileiro pode ser interpretada, se não como ameaça, como
sinal inequívoco de que ele pretende reproduzir aqui a estratégia de seu xamã,
Donald Trump, qual seja: alegar uma fraude que não houve a fim de justificar a
eventual derrota em uma eleição legítima e, quem sabe, tentar se aferrar ao poder
por meios ilegais. A intentona de Trump foi malsucedida, como se viu. Mas a
mera tentativa foi suficiente para tensionar ainda mais uma sociedade já
polarizada.
Agora,
Bolsonaro volta a martelar a tecla do voto impresso. “Já estou conversando com
lideranças do Parlamento (sobre
uma PEC de autoria da deputada Bia Kicis, do PSL-DF). Quem decide o
voto impresso somos nós, o Poder Executivo e o Parlamento. Ponto final. E,
acima de nós, o povo, que quer o voto impresso”, disse Bolsonaro a um grupo de
apoiadores na saída do Palácio da Alvorada.
É
importante que se diga que não há nada errado no fato de o chefe do Poder
Executivo defender uma determinada proposta ou ideia e negociar sua aprovação
com o Poder Legislativo. Trata-se de uma prática comezinha nas democracias
presidencialistas. O erro está na insistência do presidente da República em
algo que só interessa a ele, e não à Nação. Ao contrário do que diz Bolsonaro,
não há qualquer indicação de que “o povo quer voto impresso”. Há, sim, razões
para que o presidente se dedique com tanto afinco a uma pauta totalmente
descabida e inoportuna.
As
supostas fraudes denunciadas por Bolsonaro na eleição americana de 2020 e na
eleição brasileira de 2018, da qual saiu vencedor, jamais foram provadas. E não
serão porque simplesmente não ocorreram, como já atestado por autoridades
judiciárias dos Estados Unidos e do Brasil.
Ora,
se houve fraudes nos pleitos realizados no País, elas ocorreram justamente no
tempo em que aqui se utilizava o voto impresso. Sempre foi mais fácil “aparecer”
o voto de um morto em uma urna de lona. Ou em uma ata manuscrita de seção
eleitoral. Um eleitor bem vivo, por sua vez, não conseguirá registrar seu voto
duas vezes ou mais em uma eletrônica, cujo sistema é completamente auditável
por meio dos detalhados relatórios que gera. É absurdo pôr em dúvida a
segurança da urna eletrônica passadas tantas eleições bem-sucedidas realizadas
por meio delas, sem quaisquer contestações fundamentadas dos resultados.
A
Nação não só pode confiar na segurança do voto eletrônico, como dele deve se
orgulhar. Poucos países têm uma apuração eleitoral tão rápida e segura como o
Brasil. E toda essa agilidade não implica qualquer ameaça às legítimas escolhas
que são feitas pelos eleitores a cada eleição.
Bolsonaro
continuará sua cruzada pelo voto impresso. À sociedade e ao Congresso cabe não
lhe dar ouvidos sobre este assunto.
Manaus, Brasil – Opinião Folha de S. Paulo
Tragédia
na cidade reproduz desídia do país, e Bolsonaro diz ter feito sua parte
Difícil
manter a racionalidade e evitar o desalento, quando não a revolta, diante dos relatos
da nova tragédia da Covid-19 em Manaus. Pacientes morrem sem oxigênio,
médicos revezam-se na ventilação manual e precisam escolher quem receberá
atendimento, bebês prematuros ficam a um passo de serem transferidos para
outros estados.
A
capital amazonense já havia sido devastada nos meses iniciais da chegada do
coronavírus ao Brasil. Em abril e maio do ano passado, a cidade enterrava
mortos em covas coletivas, tamanha era a multiplicação dos casos e a
precariedade dos serviços hospitalares.
Passado
o pior da primeira vaga de infecções, as atividades foram gradualmente
retomadas, a despeito de dúvidas quanto à segurança dos procedimentos.
Levantamento do Instituto Votorantim aponta que o estado já desativou
85% dos leitos de UTI criados entre fevereiro e julho de 2020 para o
enfrentamento da pandemia.
Em
dezembro, diante do recrudescimento do contágio, o governador Wilson Lima (PSC)
editou decreto que voltava a paralisar atividades não essenciais no estado, mas
recuou após as manifestações lideradas por comerciantes e trabalhadores dos
setores afetados.
Com
impactos mais sinistros, devido a deficiências sanitárias históricas, Manaus
reproduz a desídia brasileira na gestão da pandemia —que começa obviamente pelo
negacionismo mortal de Jair Bolsonaro, ainda que não se limite a ele.
Com
atraso criminoso na vacinação, o país assiste desde o final do ano passado a
uma nova escalada de infecções e mortes, sem nunca ter de fato controlado a
epidemia. A adesão às medidas de distanciamento social caiu continuamente, como
tem mostrado o Datafolha, e os governos locais operam na base do cada um por
si.
Nada
de proveitoso se espera mais do ocupante do Palácio do Planalto, mas ele ainda
é capaz de chocar com seu cinismo e sua indiferença ao sofrimento alheio. “Fizemos
a nossa parte”, disse sobre Manaus, como se tratasse de alguma barganha de
cargos e votos com os aliados do centrão.
A
tal parte consistiu, ao que parece, na recomendação de remédios e tratamentos
fajutos —papel ao qual se prestou, em texto oficial, o general sabujo que
desmoraliza o Ministério da Saúde. Ou quem sabe ainda inclua tentativas
atabalhoadas de conseguir vacinas de última hora, da Índia ou de São Paulo,
para alguma foto nos próximos dias.
Ataque à Síria – Opinião | Folha de S. Paulo
Israel
parece aproveitar últimos dias de Trump para ofensiva contra adversários
Mesmo
no cenário conflagrado do Oriente Médio, chama a atenção o ataque
desfechado por Israel contra o território da Síria na terça (13).
Segundo
o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, 57 soldados locais e combatentes
estrangeiros de milícias apoiadas pelo Irã, incluindo o Hezbollah libanês,
foram mortos em mais de uma dúzia de bombardeios aéreos.
Trata-se
do mais mortífero ataque israelense na Síria desde o início da guerra que
destroçou o país, há dez anos, e ocorre num momento de hiperatividade da nação
judaica na região —foi sua quarta ofensiva bélica contra alvos iranianos nas
duas últimas semanas.
Por
trás de tamanha movimentação encontram-se as disputas geopolíticas com o Irã e
a iminente mudança na Presidência dos EUA.
De
acordo com a agência estatal Sana, um dos locais atingidos foi Al Bukamal,
cidade síria que controla o posto de fronteira da rodovia que liga Damasco a
Bagdá, no Iraque —apontada como a principal rota iraniana para fornecer apoio a
aliados na Síria e no Líbano.
Compartilhando
fronteiras com a Síria, Israel busca evitar que o país possa se tornar um
entreposto do Irã, que desde o início do conflito fornece ajuda militar ao
ditador Bashar al-Assad.
A
nação judaica, ao que tudo indica, tem-se valido dos últimos momentos do
governo de Donald Trump para intensificar a postura agressiva contra o Irã, já
que a chegada do democrata Joe Biden à Casa Branca deve mudar a atuação
americana na região.
No
fim de novembro, por exemplo, o cientista Mohsen Fakhrizadeh, considerado o
principal pesquisador nuclear do Irã, foi assassinado enquanto viajava de carro
nos arredores de Teerã, num ataque atribuído a Tel Aviv.
Trump
impôs ao país persa sanções draconianas, além de arquitetar uma aliança
anti-Irã em conjunto com nações árabes.
Biden já mostrou disposição não só de reavaliar tais medidas como também de reviver o acordo nuclear com Teerã. Parece o caminho mais adequado para corrigir a política externa errática de Trump na região e evitar que a escalada atual degringole em algo pior.
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