É
mais do que Manaus, é o Amazonas inteiro. É mais do que o Amazonas, é o Brasil
que não consegue respirar. A tragédia dos amazonenses é a de todos nós. No
pescoço do país, retirando o oxigênio, há uma pandemia e o peso de um péssimo
governo. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o submisso, na quinta-feira à
noite, ao lado do presidente, disse que Manaus estava em colapso. Falou como se
não fosse ele o ministro. Era o reconhecimento do seu próprio fracasso, mas ele
responsabilizou a localização geográfica da cidade e a falta da cloroquina.
“Outro fator é que Manaus não teve a efetiva ação no tratamento precoce”,
disse, usando o novo nome do remédio ineficaz prescrito por Bolsonaro.
O promotor que entrou no hospital carregando o cilindro com ar, comprado por ele, e que chegou no momento exato em que seu filho iria parar de respirar. O choro dele dizendo que viu pessoas morrendo no caminho até salvar o filho. A cidadã que gravou um vídeo explicando o drama que a cidade vivia. A enfermeira que pediu “orem pelo Amazonas”. Estados se preparando para receber bebês prematuros. São pedaços de um filme de horror que pode se espalhar pelo país.
Agora
é a hora da emergência, e tudo o que se fizer para abastecer Manaus de oxigênio
será pouco, porque vidas estão sendo perdidas. Mas é preciso entender o que se
passou por lá. O ministro, que esteve dias antes na cidade, tinha que ter visto
os sinais da tragédia e agido para preveni-la. O que fez foi dar ordens de que
usassem cloroquina, o “tratamento precoce”.
A
transmissão de quinta-feira do presidente e de seu ministro, com a presença do
presidente da Caixa, era o retrato do descaso com a vida humana que este
governo tem exibido desde o primeiro dia desta pandemia. Pazuello leu de
soslaio algo escrito por Bolsonaro num papel e elogiou como “inteligentíssima”
uma pergunta que colocava em dúvida a eficácia do uso de máscaras. No mesmo
dia, circulava nas redes um vídeo com parlamentares governistas e uma juíza
estimulando as pessoas a tirarem as máscaras. E cantando música que invoca a
“pátria amada”. Seria patético se não fosse criminoso.
Enquanto
nas redações do país jornalistas processavam e buscavam imagens e relatos que
dessem o tom do desespero de Manaus, Bolsonaro começou sua live dizendo que
estava mandando abrir mais agências da Caixa. Empombado, o ministro da Saúde
começou dando uma lição geográfica como se palestrasse para estrangeiros.
—
Manaus é uma ilha no meio da floresta amazônica. Brasília é a última grande
cidade ao Norte e a partir daí são três horas de voo de Brasília. Em cima da
floresta. Isso é a distância e o desafio logístico — disse, e continuou com
essa fala inútil, fora do tom e da hora, com platitudes sobre o ciclo chuvoso.
A
única coisa decente a fazer era pedir demissão por incompetência. Logística é
gestão de estoques, é estudar previamente o fluxo dos produtos e equipamentos
que precisam estar no lugar certo na hora exata. Em Manaus, pessoas estavam
naquele momento morrendo por colapso logístico. Ele se atrasou em tudo, apesar
de alertado pelos produtores sobre a falta de oxigênio, como foi sobre a falta
de seringas e agulhas, o ministro deixa tudo para depois. A sua hora H é a do
atraso.
O
governo federal, na federação brasileira, coordena, articula, socorre,
pacifica, é o único que pode ter a informação centralizada de tudo o que ocorre
neste país continental. O Brasil se organizou em federação para estar unido em
suas muitas identidades e situações geográficas. O governo Bolsonaro falhou
desde o primeiro momento porque sabotou seu papel. Fez isso porque o presidente
da República debocha da doença e das recomendações médicas, espalha o vírus do
negacionismo, milita contra medidas de proteção. Lidera um governo de
invertebrados, que o seguem e não se rebelam contra os absurdos diários de
Bolsonaro.
Não há um momento bom para ter um mau governo, mas há o pior momento, que é no meio de uma pandemia, quando o que mais se precisa é de um presidente que tenha compaixão e senso de urgência, que acredite na ciência e siga a orientação dos médicos. Um bom governo não nos livraria do vírus, mas protegeria vidas humanas, agiria preventivamente, uniria o país, coordenaria os esforços. Um bom governo não atormentaria o país com agressões cotidianas no meio do nosso padecimento. Manaus é uma parábola dramática do que estamos vivendo. O país não consegue respirar.
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