Como
cantado longamente aqui, o auxílio emergencial voltará; a dúvida sendo sob que
grau de oportunismo populista. Agora parece uma obviedade, mas não foram poucos
os especialistas cujos calls — em janeiro de 2021 —bancavam a
improbabilidade da volta; talvez decorrendo daí, da fé nas palestras de Paulo
Guedes, o estado, segundo Bolsonaro, “irritadinho” do mercado.
Muita
gente bacana ficou de mau humor na semana passada — o governo de repente
afobado, preocupado com os pobres, o presidente falando em fome —, porque
acreditou na fantasia de que a economia virara o ano crescendo em V, e a
segunda onda da peste seria mero repique. Estaria tudo sob controle — mesmo que
ainda não haja orçamento para 2021. (Mas temos o direito a seis armas!) Tudo
sob controle, livres de Maia, com as reformas chegando — e, claro, com o Banco
Central independente, esta prioridade. Né?
Aí
está, porém, o IBGE a nos situar; as vendas no varejo tombando 6,1% em
dezembro. A imposição do mundo real. A premência do auxílio emergencial; o
agente que induzia o consumo, sem o qual a miséria de um país miserável se
expandirá — a miséria de um país miserável cujo governante boicota a vacinação
em massa, a única forma de gerar empregos novamente. Voltará. Virou pra
ontem.
O governo — até ontem — tinha pressa nenhuma. E agora, de súbito, o ai-jesus; porque também a popularidade de Bolsonaro geme. Guedes, aliás, precisa esclarecer se temos crescimento em V ou se é imperiosa a volta da assistência. Os dois discursos não casam.
Estava
dado que o auxílio seria a principal agenda do Parlamento, uma vez escolhidos
os novos presidentes de Senado e Câmara. Ato contínuo, procuraram o Planalto
para impor a retomada. Virem-se. Há urgência — uma demanda social que não
poderia ser condicionada por rigores fiscais. Esse foi o recado inicial;
mensagem que vem do Congresso profundo. A da imposição de uma agenda que
afrontaria o teto de gastos, ultimato em consequência do que ora vemos a
correria do Ministério da Economia. Um barata-voa que muitos chamam de
negociações com o Parlamento. Tomara. Eu desconfio.
Fala-se,
desde o fim da semana passada, em acordo. Já haveria um entre Guedes e os
presidentes das Casas legislativas para que o restabelecimento do auxílio
contemplasse, imediatamente, ajustes fiscais compensatórios. Será preciso,
contudo, combinar com as lideranças no Congresso. Recomendo prudência. A maré
ali é outra, postas as condições para o atropelo. Isso seria o normal.
Tudo
indica que o instrumento para a reconstituição a jato será algo como o
orçamento de guerra, uma guarida excepcional já testada, que autorizaria, à
margem do teto, a liberação de crédito extraordinário. Como em 2020, a âncora
fiscal seria preservada de gastos que, no entanto, integrariam a fatura do
déficit primário. Pronto. Desde que eleitos os novos comandos legislativos,
ficara evidente que a preocupação do Congresso com a balança fiscal ia até
somente a foto em que se acordaria um compromisso verbal para que, apenas em
meados do ano, fosse votada uma emenda constitucional com medidas duras de
verdade. Isso seria o normal. A promessa de austeridade projetada no amanhã.
O
governo diz que não; que haveria mesmo um pacto de responsabilidade para já, e
que se trabalha conjuntamente pela concepção do modelo. O modelo: embutir o
novo orçamento de guerra na PEC do Pacto Emergencial, o que equivaleria a usar
a pressão pela assistência para empurrar um projeto contra o qual há
resistência no Parlamento. Essa é a estratégia. Prosperará? Se sim, afinal
capaz de formar consensos, o Ministério da Economia daria uma demonstração de
competência até hoje inédita. Haja empenho de fé.
Sugiro
ceticismo. Maiores são — sob a vara do afogo — os riscos de triunfar uma
resposta fácil. Sempre se soube que o auxílio emergencial acabaria com 2020; e
que, não preenchido, o vácuo resultaria no agravamento da pobreza. O V de
Guedes sendo amassado pela realidade, a que nos esfrega a forma bruta do K na
lata; a perna que desce, a da saúde econômica dos ferrados.
O
governo teve muitos meses para formular alternativas que abrissem espaço fiscal
capaz de conciliar auxílio e teto. Houve mesmo tempo para que se estudasse, em
nome da previsibilidade, uma modalidade de flexibilização da âncora fiscal ante
uma situação excepcional. Mas se preferiu mentir sobre a saúde da economia.
Preferiu-se a inação calculada, que alivia Bolsonaro dos prejuízos de fazer escolhas
ao mesmo tempo que lhe dá a colheita das glórias.
Não é a primeira vez que o Planalto age assim. Ou seja: não age. Espera o Parlamento exigir. Forma-se o impasse. O governo, bancando o equilibrado, então solta o balão de ensaio: associar o mecanismo que viabilizaria a política pública urgente a uma PEC impopular parada no Congresso. E, dessa forma, empurra ao Legislativo o ônus de qualquer solução que não fiscalmente ponderada. Uma armadilha. Como diria Guedes, a granada no bolso do inimigo. Ganha-ganha para Bolsonaro; porque o auxílio, que nunca deveria ter cessado, voltará — um crédito extraordinário para o mito brincar de salvador.
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