Ranier Bragon, Danielle Brant / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Apesar dos tuitaços, panelaços e carreatas, congressistas da oposição admitem nos bastidores que lhes interessa mais a manutenção de "clima de impeachment" e sangria de Jair Bolsonaro (sem partido) até as portas de 2022 do que a efetivação real de um processo para a saída do presidente do cargo.
O
cálculo se baseia na avaliação principal de que o presidente tem hoje amparo do
centrão para derrotar qualquer pedido. Ou seja, na hipótese de ser deflagrado
na Câmara, o impeachment
seria derrotado por Bolsonaro, que sairia fortalecido
politicamente.
Mesmo
em um improvável cenário de sucesso, assumiria o governo o general Hamilton
Mourão (PRTB), que, embora seja visto como mais sensato e eficiente em relação
a Bolsonaro, está longe de ser do agrado da esquerda.
Ele
teria um tempo relativamente longo para arregimentar apoio e estrutura, podendo
vir a se tornar, inclusive, um real adversário da oposição em 2022.
O
descrédito com o impeachment ganhou mais força com a folgada eleição de
Arthur Lira (PP-AL) para presidência da Câmara, amparado por um
guarda-chuva de emendas e cargos oferecidos pelo governo.
Se
sob o comando de Rodrigo Maia (DEM-RJ) já havia dificuldade —ele deixou o cargo
com mais 60
pedidos de abertura de processo de impeachment sem análise—,
com o líder do centrão no comando as chances rareariam mais ainda.
"O
Maia tinha motivos suficientes para iniciar o processo, mas não havia interesse
de integrantes do centrão de dar esse passo", afirma a deputada Talíria
Petrone (RJ), líder do PSOL na Câmara.
"Agora,
a correlação de forças é muito pior do que antes da eleição do Lira. Não vemos
com otimismo os 68 pedidos [de
impeachment] irem para frente."
Lira
recebeu 302 votos e foi eleito em primeiro turno na disputa para o comando da
Casa. Ele teve apoio da direita, do centro e até da oposição.
Pela
legislação, cabe ao presidente da Câmara decidir, de forma monocrática, se há
elementos jurídicos para dar sequência à tramitação do pedido.
Nesse
caso, o impeachment só é autorizado a ser aberto com aval de pelo menos dois
terços dos deputados (342 de 513), depois de votação em comissão especial.
Formalmente, a esquerda conta com apenas 130 votos na Câmara.
Nesse
contexto, uma ala da esquerda avalia que apresentar pedidos de impeachment com
a certeza de que eles não serão aceitos tem um saldo positivo para os
opositores de Bolsonaro: a cada nova controvérsia em que o mandatário se
envolve, haveria uma nova chance de capitalizar em cima do episódio e
"sangrar" o capital político do presidente.
O jogo de cena ajudaria ainda a manter os erros da gestão Bolsonaro em evidência até que a vacinação contra Covid-19 ganhe ritmo no país e possibilite o retorno de manifestações de rua, fundamental para qualquer processo de destituição.
Esse
é apontado como um dos motivos que resguardam o governo atualmente. Quando a
economia está ruim ou há uma situação em que o presidente perde apoio político,
o reflexo mais visível da perda de popularidade são os protestos.
Na
avaliação de alguns membros da esquerda, uma parcela de insatisfeitos já
estaria disposta a sair às ruas. Porém o risco da pandemia impediria uma adesão
maior aos atos.
Em
janeiro, pesquisa Datafolha mostrou que 53% dos entrevistados avaliavam que a
Câmara não deveria
abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro —42% achavam
que deveria.
Essa
leitura "pragmática" de desgastar Bolsonaro,
embora forte nos bastidores, não é consenso na oposição.
Muitos
defendem a tentativa constante e imediata de destituir Bolsonaro como uma forma
de viabilizar um combate mais efetivo à crise sanitária e uma chance de impedir
o avanço de pautas conservadoras defendidas pelos bolsonaristas.
"Há
aqueles que defendem o impeachment como meramente um discurso político, para
esgarçar o presidente até as eleições. Esses estão preocupados exclusivamente
com o processo eleitoral", afirma Júlio Delgado (PSB-MG).
"Mesmo
não tendo clima nas ruas, acho que o impeachment é necessário porque o Brasil
não suporta mais dois anos disso. Falo, em especial, dos aspectos sanitário,
ambiental e diplomático", diz o deputado.
Para
Carlos Zarattini (PT-SP), a oposição também não pode arrefecer na defesa do
impeachment por temer vitaminar Mourão.
"O
governo Mourão teria de fazer um acordo político para sobreviver. Ele não tem o
mesmo respaldo das urnas que o Bolsonaro tem. Evidentemente que ele não vai
levar à frente um programa radical como o Bolsonaro, ele vai ter de se moderar,
e isso vai dar uma situação melhor para o Brasil. Cada dia a mais do Bolsonaro
no governo é um dia a mais de desgraça para o povo brasileiro."
Talíria
Petrone tem opinião similar. "É óbvio que a gente entende que não é um
cenário satisfatório para a vida do povo brasileiro ter Mourão presidente. Mas
quem hoje, por incrível que pareça, tem posições que resguardam a democracia
brasileira é o Mourão. Tem uma questão do que cabe em uma democracia e o que
não cabe", diz.
"A
divergência cabe numa democracia. Estimular atos autoritários, negacionismo
insano, não. Mourão, em alguma medida, tem sido um ponto de equilíbrio nesta
chapa", afirma a líder do PSOL.
TRAMITAÇÃO
DO IMPEACHMENT
Cabe
ao presidente da Câmara aceitar ou não pedido de impeachment, que deve apontar
crime de responsabilidade do chefe do Executivo
Se
acolhido, o pedido segue para uma comissão especial, onde é elaborado um
parecer que segue para votação no plenário
No
plenário, a abertura do processo depende do aval de pelo menos 342 dos 513
deputados
Em
caso de aprovação na Câmara, cabe ao Senado, por maioria simples, referendar ou
não a decisão
No
Senado, uma comissão especial elabora um parecer. Se o documento for aprovado
por maioria simples no plenário, o presidente é afastado do cargo por 180 dias
e assume o vice
A condenação final depende do voto de 54 dos 81 senadores
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