Jussara
Soares e Paulo Cappelli / O Globo
BRASÍLIA
— Duas semanas após ajudar a eleger Arthur Lira (PP-AL) como novo presidente da
Câmara negociando emendas e cargos com partidos políticos, o presidente Jair
Bolsonaro enfrenta o primeiro teste de fogo de sua aliança com o Centrão para
sua agenda pessoal. Os quatro decretos editados na última sexta-feira para
flexibilizar regras para compra e uso de armas no país sem passar pelo
Congresso são questionados tanto por parlamentares de oposição como por
deputados de siglas que compõem a nova base do governo.
A
reação aos decretos das armas, segundo parlamentares ouvidos pelo GLOBO, vai
dar a dimensão ao presidente de que, apesar de ter saído vitorioso na eleição
no Congresso, não terá apoio irrestrito, mesmo do Centrão, em suas pautas. E
sinaliza ao governo que a cada nova pauta a negociação deverá ser retomada do
zero, principalmente nos projetos que tratam de costumes.
Lideranças
de siglas como PL e PSD, duas das maiores do Centrão, e do MDB, já se
manifestaram de forma contrária aos decretos. O Cidadania apresentou ontem um
decreto legislativo para derrubar as novas normas, sob alegação de que o ato do
presidente usurpa poderes do Congresso de legislar. Em sua primeira
manifestação, Lira afirmou discordar dessa avaliação. Veja ao final desta
reportagem os principais pontos dos decretos.
O
posicionamento mais emblemático até o momento é o do vice-presidente da Câmara,
deputado Marcelo Ramos (PL-AM), eleito na chapa de Lira com o apoio do
Planalto. No Twitter, o parlamentar criticou o conteúdo dos decretos e afirmou
que que Bolsonaro exacerbou sua competência.
“Mais
grave que o conteúdo dos decretos (...) é o fato de ele exacerbar do seu poder
regulamentar e adentrar numa competência que é exclusiva do Poder Legislativo.
O presidente pode discutir sua pretensão, mas encaminhando um PL (projeto de
lei) à Câmara”, escreveu. Em entrevista ao G1, Ramos disse que há “o uso da questão
dos CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) para dissimular o desejo de
armar a população”.
Vice-líder do Cidadania, o deputado Daniel Coelho (PE) ingressou, ontem, com uma proposta de decreto legislativo (PDC) para derrubar o decreto 10.630, que julga ser o mais “amplo” dos quatro. Se aprovada, a medida poderá suspender boa parte dos atos de Bolsonaro que tratam de cadastro, registro, porte e compra de armas e munição, além do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Para isso, Coelho precisará do apoio de três quintos dos votos.
O
líder do PSDB na Câmara, deputado Rodrigo de Castro (MG), disse que o partido
apoia a iniciativa do Cidadania e também estuda apresentar um PDC para derrubar
os decretos do presidente Jair Bolsonaro.
—
É um ato revestido de ilegalidade, um ato extemporâneo e é uma falta de noção
muito grande por parte do governo, que não está olhando os pressupostos legais
— disse o líder tucano na Câmara. — Somos radicalmente contra esse aumento (de
armas), até porque ele é feio sem critérios.
O
deputado Fábio Trad (PSD-MS) se posicionou contra os decretos e diz que no seu
partido, embora tenha parlamentares armamentistas, não tem a ampla maioria
apoiando a medida.
—
O governo enfrentará resistência no Centrão. Eu, individualmente, sou contrário
tanto por vício de iniciativa quanto pelo conteúdo, que me parece fora da
prioridade do que o Brasil precisa. Não vejo coesão no Centrão hoje em relação
a essas medidas — disse Trad.
Líder
do MDB, Isnaldo Bulhões (AL) disse ser “totalmente inoportuno” o governo
publicar decretos que ampliem o acesso a armas em meio à pandemia. A bancada do
partido se reunirá na próxima terça-feira para tratar do assunto. A expectativa
é que, salvo exceções, a maioria do MDB se manifeste contra os decretos publicados
por Bolsonaro.
Outras
lideranças aliadas de Bolsonaro no Congresso evitaram se posicionar diretamente
e afirmam que ainda analisam os textos publicados na última sexta-feira. Aliado
de Arthur Lira, o líder do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB), disse que
o partido ainda fará uma reunião para consolidar uma posição majoritária sobre
o tema. A bancada evangélica, grupo majoritamente contra ampliação da posse de
armas, também ainda não se manifestou.
Bolsonaro
já teve uma derrota semelhante no ano passado quando tentou, por decreto,
flexibilizar as regras de posse e porte de armas. Um projeto de decreto
legislativo (PDL) para derrubar a medida foi protocolado pelo senador Randolfe
Rodrigues (Rede-AP) e aprovado por 47 votos a 28. O texto seguiria para a
Câmara, mas, antes disso, Bolsonaro recuou e revogou o decreto.
O
presidente da Câmara, em entrevista ao G1, defendeu as medidas de Bolsonaro e
disse que o Executivo não ultrapassou sua competência:
—
Ele não invadiu competência, não extrapolou limites já que, na minha visão,
modificou decretos já existentes. É prerrogativa do presidente. Pode ter
superlativado na questão das duas armas para porte, mas isso pode ser corrigido
— disse Lira.
Ontem,
o ministro Luís Roberto Barroso liberou a continuidade do julgamento que
analisará uma resolução do presidente Jair Bolsonaro que busca zerar a alíquota
de importação de revólveres e pistolas. A medida entraria em vigor em janeiro,
mas foi suspensa por liminar do ministro Edson Fachin após ação movida pelo
PSB. O processo começou a ser discutido no plenário virtual da Corte no último
dia 5, mas havia sido suspenso após Barroso pedir vista do processo. A
expectativa é que, agora, o tema entre na pauta do plenário virtual desta
sexta-feira ou da sexta da semana que vem.
Principais
pontos dos decretos
Limite
de armas
Agora
o cidadão comum pode adquirir seis em vez de quatro armas, desde que preencha
requisitos necessários. Esse limite sobe para oito no caso de policiais,
agentes prisionais, membros do Ministério Público e de tribunais.
Porte de
armas
Agora
é permitido o porte simultâneo de duas armas, o que significa poder circular
com elas.
Munição
para CACs
Antes,
caçadores, atiradores e colecionadores poderiam comprar, por ano, até mil
munições para cada arma de uso restrito (submetidas a maior controle do Estado)
e cinco mil para cada arma de uso permitido. Agora, poderão comprar também, por
ano, insumos para recarga de até dois mil cartuchos nas armas de uso restrito e
insumos para recarga de até cinco mil cartuchos nas de uso permitido.
Armas
para CACs
Os
caçadores, atiradores e colecionadores agora só precisarão da autorização do
comando do Exército para comprar armas acima do limite estabelecido em decreto
anterior: cinco unidades de cada modelo para colecionadores; 15 unidades para
caçadores; 30 para atiradores. Essas quantidades valem tanto para as armas de
uso restrito quanto para as de uso permitido.
Controle
do Exército
Não serão produtos controlados pelo comando Exército itens como projéteis de munição para armas de porte ou portáteis, até o calibre máximo de 12,7mm — não vale para projéteis químicos, perfurantes, traçantes e incendiários; miras como as holográficas, reflexivas e telescópicas; armas de fogo obsoletas que tenha projeto anterior a 1900 e utilizem pólvora negra.
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