sábado, 20 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Risca no chão – Opinião / Folha de S. Paulo

Corretamente, Câmara referenda prisão de deputado bolsonarista que atacou o STF

Preso após a divulgação de um vídeo com ataques aos ministros do Supremo Tribunal Federal, o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) voltou a demonstrar na cadeia que faz pouco para merecer o mandato recebido das urnas.

Em questão de horas, desacatou a agente que o mandou usar máscara nas dependências do Instituto Médico Legal, foi flagrado com dois aparelhos celulares na cela e confraternizou com apoiadores na porta do quartel da Polícia Militar para onde foi transferido.

Se o vídeo grotesco pareceu aos integrantes do STF suficiente para justificar a restrição à liberdade do parlamentar, seu comportamento arruaceiro parece ter minado os esforços dos aliados que buscaram simpatia para seu caso na Câmara dos Deputados.

Ao referendar nesta sexta (19) a ordem de prisão de Silveira, assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, a Câmara indicou que o parlamentar encontrará entre seus pares poucos dispostos a ajudá-lo a preservar o mandato.

Falando remotamente no início da sessão, Silveira reconheceu exageros no vídeo, disse estar arrependido e pediu desculpas, mas era tarde. Sua detenção foi chancelada por maioria folgada, com 364 votos a favor da ordem de Moraes, 130 contra e 3 abstenções.

Contribuíram para o desfecho não apenas a exibição de força dada antes pelo plenário do Supremo, que confirmou a ordem de prisão por unanimidade, mas também o pragmatismo dos líderes partidários que assumiram o comando da Câmara no início do mês.

Diante da reação vigorosa da mais alta corte do país, eles perceberam que seria mais prudente entregar a cabeça de Silveira do que desafiar a ordem e acirrar tensões entre o Legislativo e o Judiciário.

A mesma lógica parece ter convencido o presidente Jair Bolsonaro, de quem o deputado é fiel seguidor, a silenciar em vez de comprar briga com o Supremo.

Cumprirá agora ao tribunal processar e julgar a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República contra o deputado e decidir se ele cometeu crimes ao investir contra os magistrados, ou se apenas exerceu suas prerrogativas como congressista ao criticá-los.

À Câmara caberá ainda o julgamento político de Silveira, abrindo o processo que pode resultar na cassação de seu mandato por falta de decoro. Se ela ocorrer antes que o Supremo alcance um veredito, a ação penal irá para a primeira instância.

Ouviram-se na Câmara pronunciamentos em defesa da imunidade garantida aos parlamentares e críticas à prisão de Silveira. Mas a maioria decidiu corretamente contra o corporativismo e os que usam as garantias da Constituição como escudo para desafiá-la.

Vivo no trânsito – Opinião / Folha de S. Paulo

Política paulistana de redução de velocidade nas vias deve ser exemplo ao país

Embora permaneça ainda em patamares alarmantes, a quantidade de mortes no trânsito brasileiro tem decrescido de forma consistente nos últimos anos. Do pico de 46.051 óbitos registrado em 2012, esse número passou para 31.307 em 2019, uma queda de 32%.

Por trás do fenômeno, apontam especialistas, encontra-se um conjunto de causas —avanços legislativos, em particular a Lei Seca, aumento do valor das multas e a obrigatoriedade de itens de segurança nos veículos, como freios ABS e airbag, contam entre as principais.

Para além das políticas nacionais, alguns locais adotaram medidas próprias voltadas à melhoria da segurança no trânsito e colheram resultados ainda mais expressivos, caso da cidade de São Paulo. Em 2010, morreram nas vias paulistanas 1.357 pessoas; nove anos depois, essa cifra despencou 42%, chegando a 791.

Ao longo desse período, uma profusão de ruas e avenidas tiveram reduzidas as velocidades máximas permitidas —ação que contribuiu de forma relevante para tal queda, como mostra o início da série “Vivo no trânsito” desta Folha.

Estudos apontam as vantagens de desacelerar o fluxo de automóveis: em velocidades mais baixas, por óbvio, é menor tanto a distância necessária para frear o carro com segurança como a probabilidade de uma lesão fatal.

Segundo trabalho produzido na Universidade Johns Hopkins, o aumento de 1% na velocidade média acarreta alta de 3% no risco de acidentes com feridos e de 5% na probabilidade de acidentes com vítimas gravemente feridas ou mortes.

O processo de redução de velocidade foi paulatino e começou em 2011, na gestão Gilberto Kassab (PSD), quando avenidas como a Paulista tiveram a velocidade reduzida de 70 km/h para 60 km/h.

Avançou várias casas com Fernando Haddad (PT), que baixou o limite das vias arteriais da capital para 50 km/h (considerada pela OMS a velocidade máxima possível no perímetro urbano) e diminuiu o das marginais Tietê e Pinheiros.

Diante da impopularidade da redução entre os motoristas, seu sucessor, João Doria (PSDB), buscou explorá-la politicamente. Candidato a prefeito com o slogan “Acelera SP”, o tucano prometeu aumentar novamente os limites —o que fez apenas nas marginais.

Essa agenda parece felizmente superada, e a experiência da maior cidade do país pode ser exemplo para outras metrópoles.

O fim da autonomia da Petrobras – Opinião / O Globo

Por não entender a regra tão candidamente expressa pelo general-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello — “um manda, o outro obedece” —, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, foi demitido ontem pelo presidente Jair Bolsonaro, irritado com mais um aumento de preço nos combustíveis. Foi substituído pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna. Bolsonaro cumpriu a ameaça feita na véspera, de que “algo” aconteceria na Petrobras depois dos reajustes.

De uma só vez, acabou com qualquer confiança que ainda pudesse existir no modo como o governo conduz a empresa. Mandou às favas o compromisso com uma linha liberal de política econômica. Não era mesmo confiável o discurso de que não interferiria na empresa para defender sua base eleitoral de caminhoneiros. Bolsonaro já anunciara que todos os impostos federais (PIS-Cofins e Cide) serão retirados do diesel por dois meses e do gás de cozinha sem prazo definido.

Só faltou, naturalmente, indicar a fonte de compensação para a perda de receitas, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. A questão deverá ser acompanhada de perto pelo Tribunal de Contas da União e pelo Congresso.

Na prática, Bolsonaro repete exatamente o que fez a presidente Dilma Rousseff, do PT, quando interveio de forma demagógica no preço dos combustíveis e tecnicamente quebrou a Petrobras. Bolsonaro transfere o ônus aos contribuintes, enquanto Dilma esvaziou o caixa da empresa, que se viu forçada a acumular um volumoso endividamento. Bolsonaro age de forma atabalhoada para atender a interesses políticos pessoais. Dilma acreditava num projeto econômico nacional-desenvolvimentista. Os motivos podem ser distintos, mas ambos se equivalem nas políticas desastrosas.

Os reajustes aplicados pela Petrobras — 15,1% no diesel (27,7% no acumulado do ano) e 10,2% na gasolina (34,7% desde janeiro) — têm dois motivos evidentes. O primeiro é o aumento no preço do petróleo no exterior, referência para toda empresa do setor. O segundo motivo é a desvalorização do real, uma das moedas que mais perdem valor no mundo. Trata-se de reflexo evidente da degradação da imagem do país no exterior, devido à falta de capacidade do governo Bolsonaro em dar a velocidade necessária às reformas e em transmitir confiança.

Depois do aumento anterior, o Planalto decidiu enviar ao Congresso um projeto de Lei Complementar que altera a incidência do ICMS, principal imposto estadual sobre os combustíveis. Seria um tema adequado para tratar na reforma tributária. Virou instrumento da intervenção demagógica na estatal.

Os danos da interferência de Bolsonaro na Petrobras vão muito além do caso específico dos combustíveis. As repercussões negativas da queda de uma gestão profissional, guiada pelo mercado, serão intensas e causarão mais estragos. O Brasil vai se tornando a passos largos um pária mundial também na economia. Atos como a ingerência do Executivo na política de preços de uma estatal causam fuga de investidores e desestimulam a vinda de outros. Só contribuem para aumentar o clima de insegurança para quem quer fazer negócios aqui.

Bolsonaro dividiu a própria base de apoio com política armamentista – Opinião / O Globo

O presidente Jair Bolsonaro pode ter cometido um erro de cálculo quando ampliou ainda mais o acesso a armas e munições antes do carnaval. Vitorioso na eleição da nova cúpula do Congresso, Arthur Lira (PP-AL) na Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado, Bolsonaro talvez não imaginasse que o aprofundamento na política armamentista enfrentaria resistência na própria base conservadora, em particular na bancada evangélica.

Sua pauta de propostas para nichos específicos não prevê que pode haver choque entre os nichos. Um conservador religioso que combate a legalização do aborto e defende a família tradicional não necessariamente se encanta pelo armamentismo. Bolsonaro precisa se dar conta de que uma coisa é ter apoio de claques digitais; outra é aprovar projetos no Legislativo sobre questões sensíveis. O resultado é que os quatro decretos baixados para pôr mais armas e munições nas ruas são contestados não apenas pela oposição.

Líder da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), ligado à Assembleia de Deus, vê uma contradição entre apoiar a pauta armamentista e defender a vida como cristão: “Nós que defendemos a vida, por mais que sejamos base do governo, não podemos compactuar com o apoio ao armamento, porque pregamos a paz, não temos no Brasil a ideologia de usar armas”. É a mesma visão da senadora da bancada evangélica Eliziane Gama (Cidadania-MA). “Entendo que colocar armas nas mãos das pessoas, dessa forma (sem maiores critérios) é produto de um instinto anti-humano, anticristão e a favor da morte”. O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), também da Assembleia de Deus, não se diz totalmente contra as armas, mas é outro com opinião clara: “Temos regiões do país com índice muito alto de brigas de trânsito, de violência doméstica. Imagina esta gente com armas?”.

Tudo isso é o oposto do que pensa Bolsonaro. O presidente rejeita a relação comprovada entre o aumento no número de armas em circulação, que começou em 2019, e o crescimento da violência. Dados do Monitor da Violência, do G1, revelam que os assassinatos no Brasil aumentaram 5% ano passado, apesar pandemia. No mesmo período, a Polícia Federal informa que registrou em 2020 180 mil novas armas de fogo, 90% a mais que em 2019. Mesmo armas adquiridas de forma legal têm grandes chances de terminar nas mãos de um criminoso.

A ala antiarmamentista dos evangélicos deverá apoiar as iniciativas da oposição para derrubar os decretos de Bolsonaro. O PT entrou com quatro projetos de decretos legislativos para sustá-los, alegando que o presidente exorbitou sua competência ao legislar à margem do Congresso.

Parece existir uma ainda não dimensionada bancada multipartidária antibala ou, pelo menos, que não acompanha Bolsonaro até onde ele quer chegar. No final do caminho, ele parece vislumbrar milícias armadas. Que setores de sua própria base não estejam de acordo com seus absurdos só pode ser positivo para o país.

Bolsonaro volta a atacar a Petrobrás – Opinião / O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro agora resolveu governar para os caminhoneiros e dá palpite na gestão de uma empresa estatal de capital aberto

O presidente Jair Bolsonaro anunciou a decisão de trocar o comando da Petrobrás, indicando para o posto o general Joaquim Silva e Luna, presidente da Itaipu Binacional. Incapaz de cuidar de um país assolado por uma pandemia, famoso pelo desprezo à vida dos brasileiros e conhecido pela incompetência administrativa, Bolsonaro resolveu governar para os caminhoneiros – aqueles por ele apoiados, em 2018, quando bloquearam o transporte rodoviário, usaram violência para impor sua vontade e causaram enorme prejuízo ao País. Para agradar esse eleitorado, o presidente voltou a criticar a política de preços da Petrobrás, dando palpite na gestão de uma empresa estatal de capital aberto.

As tentativas de interferência são agravadas pela absoluta inépcia de Bolsonaro em assuntos de economia e de administração empresarial. Além do mais, só essa inépcia torna explicável sua insistência em mandar na política de preços da Petrobrás. Falta saber quão obediente será o novo comandante da empresa.

“Não posso interferir, nem iria interferir (na empresa)”, disse Bolsonaro em seu destampatório de quinta-feira, para logo em seguida se desmentir: “Alguma coisa vai acontecer na Petrobrás nos próximos dias, tem de mudar alguma coisa”. Em outro momento, a ameaça foi mais explícita. Depois de citar uma frase atribuída ao presidente da Petrobrás (“Eu não tenho nada a ver com caminhoneiro”), anunciou: “Isso vai ter uma consequência, obviamente”. “Anuncio que vamos ter mudança, sim, na Petrobrás”, confirmou o presidente na sexta-feira, reiterando logo depois a promessa, muitas vezes descumprida, de nunca interferir na companhia.

Para os analistas de mercado, a estatal tem simplesmente ajustado seus preços às condições internacionais. A essas condições é necessário, obviamente, acrescentar a evolução do câmbio, com o dólar sempre afetado pelas barbaridades ditas, prometidas ou concretizadas pelo presidente da República. Ele se referiu aos aumentos de preços dos combustíveis como “excessivos” e “fora da curva”, mas quem é esse presidente para falar sobre o mecanismo de preços ou de qualquer fato econômico?

Além de criticar a política de preços da estatal, Bolsonaro reagiu também à recusa do presidente da Petrobrás de levar em conta pressões de caminhoneiros, tratadas com muito mais atenção, no Palácio do Planalto, que as necessidades de saúde de um país com mais de 240 mil mortos pela covid-19. Todos vão morrer algum dia, já lembrou o chefe de governo.

Sem disposição, ou sem condição, de mexer imediatamente na política de preços de combustíveis, o presidente da República decidiu seguir um caminho indireto, anunciando a eliminação de tributos federais sobre o óleo diesel, por dois meses, e sobre o gás de cozinha, de forma permanente. Isso custará alguns bilhões ao Tesouro Nacional, mas esse é um detalhe desprezível, para o presidente, quando se trata de atender alguns eleitores tão importantes. Além disso, ele se absteve de explicar imediatamente como seria compensada essa generosidade tributária – se por algum outro imposto ou por algum corte de gasto.

Bolsonaro já havia tentado mexer no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o mais importante tributo estadual, para conter o encarecimento dos combustíveis. Foi uma tentativa duplamente errada. Primeiro, porque é bobagem atribuir a variação de um preço a um tributo indireto definido como porcentagem do valor. Segundo, porque esse imposto pertence à jurisdição estadual.

Ao reabrir ostensivamente a porteira da interferência, o presidente Bolsonaro deu espaço para o general da reserva Augusto Heleno dar palpite sobre a gestão da Petrobrás. Os aumentos de preços incomodam e é preciso dar “um basta nisso”, disse o general, em entrevista a uma rádio. Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Heleno – aquele que confessou haver mandado espionar brasileiros participantes da Cúpula do Clima em Madri, em 2019, para, em suas palavras, flagrar “maus brasileiros” – agora resolveu se ocupar da Petrobrás. Até ele? 

O livre exercício da oposição – Opinião / O Estado de S. Paulo

Alteração no regimento da Câmara para cercear a atuação da oposição não pode prosperar

É preocupante o movimento coordenado por deputados aliados do presidente Jair Bolsonaro que tem por objetivo limitar a atuação de parlamentares da oposição. O grupo bolsonarista pretende alterar o Regimento Interno da Casa de modo a reduzir os instrumentos legislativos de que hoje as bancadas oposicionistas dispõem para que suas vozes sejam ouvidas.

A ideia de cercear a atuação de parlamentares da oposição não nasceu nesta legislatura, mas poucas vezes teve tanta chance de prosperar como agora. A sociedade deve se manter vigilante para que alguns de seus representantes não sejam tolhidos no livre exercício da atividade parlamentar.

Hoje são 17 as ferramentas que compõem o chamado “kit obstrução”, entre as quais a possibilidade de pedido de adiamento de debate sobre determinado projeto, pedido de inversão de pauta de votação e de verificação de quórum.

Alguns dos deputados que defendem a redução desses instrumentos argumentam que, tal como está, o “kit obstrução” paralisa ou retarda a votação de projetos importantes. “Queremos reduzir o número de requerimentos e de obstruções para podermos tramitar a matéria. Há momentos em que chegamos aqui (na Câmara) e passamos a noite só votando obstruções”, disse ao Estado o deputado Nivaldo Albuquerque (PTB-AL). Já os parlamentares da oposição qualificam o movimento como “antidemocrático”. “Reduzir nosso papel é reduzir a representação democrática na Câmara e a opinião do eleitor”, disse o deputado Ênio Verri (PT-PR).

No fundo, o que está em andamento é uma desabrida tentativa de enfraquecer a oposição ao governo de Jair Bolsonaro no Parlamento. A deputada Bia Kicis (PSL-DF), bolsonarista de quatro costados, cotada para assumir a presidência da mais importante comissão permanente da Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), não esconde o que está por trás da manobra. “A esquerda sempre fez obstrução. A gente quer mexer no regimento para que a Casa seja realmente governada pela maioria, dando espaço para a minoria. Mas, na democracia, é a maioria que vence”, disse a deputada, revelando sua peculiar visão sobre o que vem a ser democracia.

Espera-se que o presidente da Câmara, Arthur Lira, não deixe prosperar o ardil. Em primeiro lugar, porque os instrumentos que fazem parte disso que se convencionou chamar “kit obstrução”, na verdade, são instrumentos legítimos de atuação das oposições em qualquer democracia. Sem eles, abre-se perigoso caminho para que uma “ditadura da maioria” seja instaurada no Parlamento.

Além disso, ainda é muito cedo para esquecer que Arthur Lira foi eleito com uma expressiva votação entre seus pares prometendo ser “a voz de todos” os deputados. Ora, seria um contrassenso o agora presidente da Câmara encorajar o andamento de uma agenda que, ao fim e ao cabo, pretende justamente calar as vozes de alguns de seus colegas.

Como presidente da Casa, Arthur Lira também deve ter uma visão republicana sobre o papel institucional da Câmara dos Deputados, locus de representação permanente da sociedade, independente, por óbvio, das fugazes associações ao governo de turno. Os blocos de apoio e de oposição ao Executivo são mutáveis. A propósito, bastante voláteis atualmente. Logo, cabe lembrar que as eventuais alterações no regimento que limitariam a atuação de deputados que fazem oposição a Jair Bolsonaro serão as mesmas que atingirão em cheio a liberdade de exercício parlamentar de políticos que, se hoje são governistas, amanhã poderão figurar na oposição.

Não há democracia sólida sem que seja dada voz à oposição e aos blocos minoritários no Parlamento. É legítimo que uma ou outra alteração nas atuais regras de obstrução sejam debatidas pelos congressistas, mas sempre no sentido de aprimorar o exercício da atividade parlamentar, nunca para restringi-lo. Não é disso que os parlamentares bolsonaristas estão tratando. Trata-se de uma clara tentativa de tolher o direito à resistência.

Oportunidades para a ciência – Opinião / O Estado de S. Paulo

Ciência mais aberta e dinâmica beneficiará uma sociedade mais sustentável

Mais do que qualquer crise recente, a pandemia acentuou a importância da ciência e inovação na prevenção e reação a futuras crises. A mobilização da comunidade científica, apoiada por agências públicas, fundações privadas e entidades filantrópicas, foi sem precedentes. Mas a pandemia também tensionou os sistemas de pesquisa e inovação até seus limites. O choque econômico pode afetar severamente os investimentos públicos e privados, com risco de danos de longo prazo à pesquisa e inovação num momento em que são necessárias como nunca para enfrentar a emergência climática, promover o desenvolvimento sustentável e acelerar a transformação digital.

Este é o cenário abordado no Panorama da Ciência, Tecnologia e Inovação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que traz o sugestivo subtítulo: Tempos de Crise e Oportunidades.

Nos primeiros três meses da pandemia, organizações de pesquisa investiram cerca de US$ 5 bilhões em pesquisas sobre a covid-19. Entre janeiro e novembro, foram produzidas 75 mil publicações científicas sobre a doença – mais de 75% sem restrições de acesso, enquanto em outros campos biomédicos a média não chega a 50%. Essas mudanças sinalizam uma possível aceleração rumo a um fazer científico mais aberto e dinâmico.

Além das pesquisas, os cientistas foram chamados a fornecer opiniões e dados – muitas vezes incompletos em um cenário em constante mutação – às autoridades e ao grande público. “Mas por várias razões”, alerta a OCDE, “o aconselhamento científico aos gestores e ao público tem sido crescentemente contestado, mesmo com os governos enfrentando novas ondas da pandemia. Isso exige que o poder público comunique cuidadosamente as incertezas, forneça uma apresentação equilibrada de possíveis cenários e seja transparente sobre seus erros.”

As centenas de testes, medicamentos e vacinas desenvolvidos pelas parcerias entre a indústria biofarmacêutica e a academia ou por startups acadêmicas mostram uma promissora sinergia entre o mundo empresarial e o universitário. A OCDE nota ainda o fenômeno das “inovações frugais” improvisadas ante a escassez de equipamentos médicos e outros produtos emergenciais. A necessidade de tais inovações persistirá ante o desafio da produção e distribuição de vacinas.

Tecnologias emergentes como a bioengenharia tiveram um papel fundamental na velocidade sem precedentes com que as vacinas foram desenvolvidas, e outras, como a robótica, podem ter um papel igualmente fundamental para promover a resiliência dos sistemas de saúde, seja auxiliando a pesquisa laboratorial ou a reabilitação clínica, seja aprimorando tratamentos e diagnósticos.

As respostas à crise também despertaram o potencial inovador para os negócios, notadamente no uso das tecnologias digitais para viabilizar o trabalho, a educação ou o comércio a distância. No entanto, a crise pode exacerbar lacunas entre as grandes empresas e as pequenas e médias (PMEs), assim como entre setores diversos da economia. “Grandes esforços de políticas públicas serão necessários para impulsionar a adoção e difusão de ferramentas digitais, em particular para as PMEs.”

A pandemia é um lembrete da necessidade de transição para sociedades mais sustentáveis, equitativas e resilientes, e a ciência será essencial para promovê-las. Como aponta a OCDE, isso exigirá mais cooperação das iniciativas privada e pública, nacional e multilateral, no desenho de novos mecanismos de financiamento e governança, que, diferentemente dos atuais, encorajem mais pesquisas interdisciplinares de alto risco, compartilhamento de dados e mobilidade de carreira entre a academia e outros setores.

Muitas incertezas – como a evolução da pandemia; as preferências e valores sociais; o ritmo e direção da digitalização; as relações internacionais; ou a escala e distribuição dos impactos sociais – persistirão, mas, se os sistemas de pesquisa e inovação transformarem esses desafios em oportunidades, podem fornecer um imenso impulso à solução de grandes problemas sociais. 

Nenhum comentário: