sábado, 20 de fevereiro de 2021

Carlos Alberto Sardenberg - Selo de má qualidade

- O Globo

O novo embaixador do Reino Unido no Brasil, Peter Wilson, não poderia ter sido mais claro: há dois entraves principais à entrada no Brasil na OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico: desmatamento e respeito aos instrumentos de combate à corrupção da entidade.

Em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, o embaixador apressou-se em dizer que não estava fazendo juízo de valor sobre as políticas brasileiras, nem as condenando, mas apenas apresentando fatos. Ou seja, há uma desconfiança efetiva entre os membros sobre a capacidade e a disposição do governo brasileiro em cumprir aquelas duas exigências básicas.

Mas o que é exatamente a OCDE e quais as vantagens de integrá-la, no mundo de hoje?

A entidade, que tem 60 anos, já foi conhecida como o “clube dos ricos”. E era mais ou menos isso. Reunia o grupo de países mais desenvolvidos e destacava-se especialmente como um centro de estudos e pesquisas (think tank). Foram exatamente esses estudos que, pouco a pouco, mudaram a natureza da instituição. Ela passou a desenhar e fixar políticas para boa governança, a que os países membros aderiam.

Boa governança vai de democracia e direitos humanos até a definição de normas para uma eficiente economia de mercado (com livre concorrência) e de políticas públicas que promovam o desenvolvimento e o bem-estar individual e social. Se quiserem um termo que está na moda, um tipo de liberalismo social ou progressista.

Palavras à parte, é fato que a OCDE foi das primeiras a identificar a questão climática e, mais recentemente, foi a primeira a mostrar os danos que a corrupção impõe ao desenvolvimento e à distribuição de renda.

Nesse caso, a coisa começou com a definição de instrumentos para que os países membros combatessem juntos a evasão fiscal. Ora, quem esconde dinheiro da Receita é quase sempre porque não tem como explicar a origem. Ou seja, é roubado.

Vai daí que não bastava combater a evasão, mas todo o processo de lavagem de dinheiro, um crime internacional. Assim definiram-se regras e formaram-se acordos de cooperação entre Receitas, Bancos Centrais, Ministérios Públicos, Judiciários, polícias.

Sabem a Lava-Jato? Pois é a expressão exata da montagem desse sistema de combate à corrupção local e internacional. Não esquecer que a Lava-Jato de Curitiba apanhou falcatruas de empreiteiras brasileiras praticadas mundo afora. Recebeu e prestou informações de parceiros de outros países.

Em resumo, a OCDE tem normas de combate à corrupção a que seus membros aderem. É um selo de qualidade.

O mesmo vale para a questão climática. Partiu da OCDE boa parte das recomendações para que os países adotassem legislações para garantir que as empresas comprem de cadeias produtivas sustentáveis. O Reino Unido já as implantou.

Lula não queria saber da OCDE. Tentou outro clube, o dos pobres do Sul, um total fracasso, exceto num ponto: exportou a corrupção para a América Latina e para a África.

No governo Bolsonaro, Paulo Guedes fez profissão de fé liberal e apressou-se em pedir entrada na OCDE. Foi bem recebido no começo.

Mas ninguém é bobo neste mundo. Ao contrário, todo o mundo percebeu a volta do desmatamento com a complacência ou o estímulo do governo. E o desmonte do sistema de combate à corrupção, aplicado pela cúpula do Executivo, do Legislativo e parte do Judiciário.

Um fato, como disse o embaixador britânico, num recado diplomático mas incisivo. Notou que o Brasil até tem boas metas para a questão ambiental e bons instrumentos de combate à corrupção. O problema é a prática, que tem ido no sentido contrário.

Isso afeta a imagem do país e, sobretudo, os negócios. Como notou o embaixador, investidores são cada vez mais orientados para países com políticas verdes e sustentáveis.

É o contrário do nosso selo atual, de pária.

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