Faz
parte das atividades de qualquer governo se prevenir contra as crises. Ou seja,
se preparar para quando elas ocorrerem, procurando neutralizar seus efeitos
negativos e construir saídas positivas. Por isso mesmo, o gerenciamento de
crise tem um roteiro bastante conhecido pelos profissionais que lidam com
avaliação de risco e comunicação institucional. O beabá é o seguinte: avaliar
ambiente interno e externo; (2) realizar um brainstorm para mapear os riscos;
(3) medir o grau de probabilidade de ocorrência de risco e seu impacto; (4)
definir resposta ao risco mapeado, controles e plano de ação; (5) execução do
controle e do plano de ação; (6) validar e testar os mecanismos de controle
interno; (7) divulgar a matriz de risco entre seus atores; (8) monitorar os
riscos e reavaliar ambiente interno e externo.
Portanto, chega a ser hilário o vazamento do questionário distribuído pela Casa Civil na Esplanada dos Ministérios para se preparar para as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covi-19, o que seria uma etapa inicial do gerenciamento de risco. Sob responsabilidade do general Luiz Ramos, ministro da Casa Civil, encarregado de coordenar as ações da equipe ministerial, o documento foi elaborado para organizar a defesa do governo Bolsonaro das acusações de negligência na pandemia, mas alguém “mui amigo” tornou público o roteiro.
Nada
menos do que 23 possíveis erros graves do governo foram identificados, alguns
dos quais estavam fora das cogitações da CPI até agora, que ainda discute um
plano de trabalho do qual constam 18 alvos de investigação. Genocídio de
populações indígenas, militarização do Ministério da Saúde, descumprimento das
orientações do Tribunal de Contas da União, falta de coordenação da aplicação
dos recursos federais pela União, negligência na compra de vacinas, minimização
da gravidade da pandemia, ausência de incentivos às medidas restritivas,
promoção do tratamento precoce sem comprovação científica, militarização da
Saúde; falta tipificar os crimes de responsabilidade cometidos.
Assim,
o que era para ser a construção de uma blindagem para o Palácio do Planalto,
protegendo o presidente Jair Bolsonaro das acusações da oposição, virou um caso
antológico de “fogo amigo”, antes mesmo de a CPI ser instalada. Hoje, na
primeira reunião da comissão, que será presidida pelo senador Otto Alencar
(PSD-BA), o mais velho de seus integrantes, pode haver certa disputa entre
governo e oposição, mas está praticamente certo que o senador Omar Azis
(PSD-AM) presidirá a CPI, enquanto Renan Calheiros (MDB-AL) será o relator.
Flanando
O
roteiro elaborado pela Casa Civil tem uma planilha que assinala com um xis a
responsabilidade de cada ministério envolvido na questão. Por exemplo, quando
afirma que “o governo federal fabricou e disseminou fake news sobre a pandemia
por intermédio de seu gabinete do ódio”, responsabiliza a Advocacia Geral da
União (AGU e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) pelas respostas à
questão. Atribui ao Ministério da Defesa, ao Ministério da Ciência e Tecnologia
e à Secretaria de Governo a defesa dos generais Eduardo Pazuello, Braga Netto e
demais militares, porque “não apresentaram diretrizes estratégicas para o
combate à covid”.
O
Palácio do Planalto também entregou na bandeja para a CPI a convocação dos
ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Cidadania, João Roma, ao elencar o
atraso do pagamento do auxílio emergência como uma das falhas do governo a
serem investigadas. Futuro relator da CPI, Renan Calheiros até ironizou: “O
governo teria economizado mais seguindo esse roteiro antes, em vez de tentar
barrar a CPI”. Ex-presidente do Senado, Calheiros é o principal alvo das
articulações governistas.
À impossibilidade de evitar a escolha de Renan Calheiros, a estratégia dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro é desacreditá-lo como relator, ao mesmo tempo em que os senadores da base governista, que estão em minoria na comissão, tendam a mudar o foco das atenções para governadores e prefeitos. O problema é que o Palácio do Planalto parece seguir um manual de geração de crises. Fica difícil para os governistas, por exemplo, defender o general Pazuello quando ele é flagrado sem máscara em shopping de Manaus, como se fosse um imprudente flâneur paisano, num périplo descontraído e mundano.
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