Derrocada
do governo não é ficção
Em
abril de 2019, o então chanceler Ernesto Araújo fez uma visita oficial à Argentina.
Desde a final da Libertadores de 1963 entre Boca Juniors e Santos na Bombonera,
em que Pelé acabou com o jogo, os hermanos não se espantavam tanto com um
brasileiro.
Araújo disse que poderia ser um personagem de Jorge Luis Borges. "Diplomata de um país com problemas de pobreza, corrupção e crime" que um dia escreveu um artigo sobre Trump. "Essas linhas sobre o Ocidente mítico" chegaram ao conhecimento de Bolsonaro, "candidato a presidente que falava de Deus e da pátria como realidades presentes e convidou esse obscuro diplomata para ser seu chanceler". O próprio Bolsonaro, continuou Araújo, "renderia um conto de Borges, que poderia se chamar 'Deus em Davos'".
Dois
anos depois, o ex-ministro curte sua imortalidade borgeana despachando
num cargo
temporário no Palácio do Itamaraty. Com folga para ler com mais
acuidade o autor argentino, em especial "O Aleph", relato sobre a
esfera mágica, não maior do que uma gota, onde conflui o universo, espelhando
tudo dentro dela, inclusive idiotices, vaidades, pilantragens, puxa-saquismos.
Em
pouco tempo Araújo virou um já-era. Assim como outras sumidades do governo
ligadas à extrema direita: Ricardo Vélez, Roberto Alvim, Abraham Weintraub,
Fabio Wajngarten (embora este, demitido, continue a trabalhar na comunicação do
chefe, culpando exclusivamente o general Pazzuelo pelo desastre no combate à
pandemia). A próxima bola na caçapa é Ricardo Salles, o refinado boiadeiro que
serve à ideologia do garimpo e desmatamento ilegais.
Quem
diria que os delírios de Araújo tinham um fundo de razão. Da maneira como as
coisas têm se precipitado, Bolsonaro é hoje um personagem de conto fantástico,
que vai se desfazendo, derretendo, sumindo dentro de um buraco.
Nosso problema é a terra devastada que ele deixa à sua volta.
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