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Esquerda Democrática
Como se sabe, não há protocolos estabelecidos para reuniões ou conferências de Zoom, ou para cúpulas virtuais de chefes de Estado. Há meses atrás, elas praticamente não existiam. Nem é preciso dizer que houve encontros entre dois ou mais líderes em videoconferências, mas as cúpulas são outra coisa. São encontros onde os governantes de seus países podem se encontrar, ouvir uns aos outros, trocar declarações formais e manter diálogos informais.
Portanto,
por si só, a forma como Bolsonaro participou da Cúpula do Clima convocada por
Joe Biden, apesar de não ser grave, é no mínimo complicada. Se o presidente
brasileiro decidiu que não estava interessado em ouvir as intervenções de seus
colegas — com exceção talvez de Biden e quiçá Kamala Harris —, não há regra
escrita ou não escrita que ele tenha violado. Claro: ele não foi muito cortês
ou respeitoso com os outros vinte chefes de Estado ou de governo — além dos
participantes não governamentais — que intervieram no debate. Mas talvez o
presidente brasileiro não tenha entendido que deveria ouvir os outros se
esperava que eles o ouvissem. Não se tratava de turnos de falas, mas sim de uma
mesa redonda. É como se a cúpula tivesse sido presencial, Bolsonaro só esteve
presente na sala para sua própria participação.
É verdade que, em outros debates que poderiam ser assemelhados a este — com dificuldades —, os primeiros líderes não se ouvem pessoalmente. É o que ocorre, em particular, no debate geral da Assembleia Geral da ONU no final de setembro de cada ano em Nova York. É bem sabido que, com exceção dos primeiros dez ou quinze oradores, na sequência não há sequer um chefe de Estado, nem mesmo chanceleres, no grande salão da Assembleia.
Tampouco
é grave que Bolsonaro tenha feito um discurso totalmente oposto às balizas da
nossa política externa, em uma palavra, pró-mercado. Ninguém mais espera muito
dele; todos os seus colegas já sabem que o presidente brasileiro está focado
nos assuntos internos, que só se interessava pela esfera internacional por
ocasião de Trump. Dito de forma clara: não importa muito o que diz ou deixa de
dizer.
Mas
existe uma tradição nessas questões. O Brasil e os Estados Unidos
frequentemente participam de várias cúpulas juntos, como a OEA e vários outras.
Não me lembro de nenhuma em que o presidente dos Estados Unidos, principalmente
se fosse o anfitrião, não tenha estado na sala quando o brasileiro falava.
Minha memória pode falhar, mas pelos mais de quarenta anos em que tenho seguido
esses tópicos — eu duvido.
Por
isso é grave — agora é — que Biden não estivesse presente durante a intervenção
de Bolsonaro. Todos os sábios que previram que não haveria consequências dos
vários desprezos de Bolsonaro a Biden por ocasião da eleição norte-americana,
por ser um profissional rodeado de profissionais, devem reconhecer que alguém
assim não está ausente da “sala virtual” sem saber a quem não vai ouvir. Biden
não estava, com pleno conhecimento de causa.
Segundo
consta, quando Bolsonaro se conectou à transmissão Biden já não estava mais
presente na reunião. O presidente democrata deixou seu lugar após ouvir o
representante da ONU e os chefes de estado de China, Índia, Reino Unido, Japão,
Canadá, Bangladesh, Alemanha, França, Rússia, Coreia do Sul, Indonésia, África
do Sul, Itália e Ilhas Marshall. Biden saiu pouco antes de ouvir Alberto
Fernández, da Argentina, o primeiro presidente ibero-americano a falar na
cúpula.
Existem
níveis entre os países. Pelo menos para os Estados Unidos, o Brasil pertencia
ao nível do grupo descrito. Agora ele está na companhia do Argentina, do México
e das outras “repúblicas irmãs”. Como Barack Obama sempre disse, as eleições
têm consequências; decisões de política externa também.
*Professor
da Unyleya Educacional e do Instituto Devecchi
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