Ciro
Gomes está com o bloco na rua. Sua margem de manobra é estreita. Estreitou-se
ainda mais com Lula habilitado a concorrer. Mas ele a tem explorado — até aqui
— ao estado da arte. Merece atenção. Merece igual atenção o “até aqui”; dado
não terem sido poucas as vezes em que uma boa posição lhe serviu de altura para
um tombo mais doído adiante. Sua estratégia é clara; também lhe é a única
disponível. Daí por que a advertência: não poderá errar; não lhe sendo pequeno
o histórico de equívocos em campanhas. A seu favor: não errou em 2018, jornada
de que saiu maior.
Jornada de que saiu maior — e bem posicionado para o jogo que ora faz com vistas a 2022. A recente entrevista ao GLOBO é aula de discurso político. E não apenas porque precisa na mensagem. Ciro foi exato — falou o que pretendia, para quem mirava, conforme planejara —, porque consciente do campo que lhe resta. Não lhe é grande o campo; nem plano. Mas já o identificou. Não lhe é vasta a chance; que só há, porém, porque mapeou a pinguela. Joga bem. Com pouco.
Parte
da constatação de uma evidência: Lula, uma vez no tabuleiro, expande-se para
ocupar todos os espaços à esquerda — o que tende a interditar o terreno a, por
exemplo, Flávio Dino. O ex-presidente maximiza a natureza hegemônica do PT; aos
demais restando a velha condição de satélites. Surge, então, o Ciro de centro.
Um deslocamento que já iniciara em 2018; e que é consistente com o lugar em que
se apregoa faz tempo: centro-esquerda.
(Ciro
é de esquerda — assim o situo. Eleição, contudo, é convencimento. É percepção.
Percepção do outro. Da sociedade. Vale não necessariamente o que o sujeito é;
mas o que consegue representar — o chão que consegue ocupar na leitura, no
imaginário, do receptor. Não custa lembrar que Bolsonaro, o suprassumo do
corporativismo, dependurado havia 30 anos nas tetas do Estado, logrou convencer
como liberal-reformista.)
É
desde esse lugar central, em que tenta se plantar, que Ciro quer se viabilizar
como alternativa nem-nem — nem Bolsonaro, nem Lula. Espaço desde o qual, mesmo
que ainda não tomado, lança iscas para a centro-direita. Sua presença como
signatário da carta assinada também por João Doria, Luiz Henrique Mandetta,
Luciano Huck, Eduardo Leite e João Amoêdo é o grande fato político da
iniciativa — que seria óbvia, previsível, sem ele. Só Ciro extrai ganhos de
constar no polo que se proclama democrático, um grupo de — em graus variados —
bolsonaristas arrependidos.
Só
Ciro dialoga com novos eleitores integrando o conjunto. Que compõe sem deixar
de estigmatizar os demais. Por exemplo: classificou Doria como alguém que “não
conhece o Brasil”; e Huck como “animador de auditório”. Somente a Mandetta faz
deferência — talvez porque lhe fosse bom vice: “bem-intencionado”.
Ao
mesmo tempo, não tendo jamais sido bolsonarista, Ciro é também aquele que, ante
a perspectiva de trabalhar pela eleição de Haddad, preferiu viajar a Paris. Um
acerto. Para seu plano de sobrevivência, de desvinculação da esquerda, de
deslocamento ao centro, um acerto. É importante refletir, a propósito, sobre
como se refere a Lula na entrevista: “tomado de ódio”. Essa definição — que,
creio, repetirá com frequência — é essencial à compreensão de sua tática. Que
se quer antecipar a uma possível reedição do Lulinha Paz & Amor. E que
certamente se antecipa à tentativa de cooptação do centro que também o
ex-presidente empreenderá. A Ciro, então, toca pintar um Lula que, depois de
mais de 500 dias preso, virá para a forra. Considerada a vitalidade
(subestimada) do antilulismo entre nós, não será ineficaz associar um Lula
reabilitado ao desejo de se vingar.
Não
é à toa que Ciro — contra o cenário hoje mais provável — força a mão para
projetar um segundo turno sem Bolsonaro em 2022. Quer que o cidadão que rejeita
o PT — a fatia não bolsonarista de eleitores do presidente em 2018 — habitue-se
a ele como elegível, palatável, contra Lula.
Ciro
Gomes tem um projeto de Brasil. Não faz minha cabeça, mas tem. O de um Estado
indutor da economia, que esteja mais presente na vida das pessoas. Um programa
desenvolvimentista, que se casa ao que será a demanda da sociedade — por ajuda,
por estímulo — no pós-pandemia. Não me parece o mais provável; mas não podemos
desconsiderar a hipótese de que o eleitor — depois da peleja entre rejeições de
2018, e depauperado pela peste — procure por algum norte em 2022 que não
derivado de personalismos.
Advirta-se
— já que falei em erros, e em não poder errar — que norte não virá com João
Santana como marqueteiro. É equívoco. Contradição, se o deslocamento tem por
trilho afastar-se do petismo. Santana é olhar para trás e para fórmulas de
sucesso eleitoral pagas na Suíça; fórmulas de sucesso objetivo que, na prática,
plantaram as piores práticas de campanha, como aquelas, mentirosas, aplicadas
contra Marina Silva.
Sim. O eleitor — é possível (com fé) — quererá propostas; quererá, com sorte, algum projeto de país. Mas será excessivo supor que se transforme tanto a ponto de não considerar o combate à corrupção — grande eleitor em 2018 — entre as prioridades. E Santana é memória. Não será banal Ciro acusar a roubalheira petista — dizer que alertou Lula — tendo um marqueteiro outrora pago pelo esquema.
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